Havia uma mulher. Com seu vestido longo, se encontrava sentada com os joelhos ao chão. Seu corpo inteiramente voltado para o pequeno altar que se encontrava a frente.

O nome de Jin ZiXuan era visível do altar. 

Os olhos da mulher estavam vermelhos e inchados e, apesar de não descer nenhuma lágrima, ali estavam os sinais claros de que já havia chorado o suficiente por hora.

E ela permanecia olhando fixamente para o nome escrito ali.

Um olhar vago, como se estivesse perto e ao mesmo tempo muito longe em pensamentos.

Ela estava tão distraída que nem ao menos percebeu outra mulher, mais velha, entrar no local.

A senhora a observou em silêncio, o olhar triste indo da moça para o nome de seu filho mais adiante .

Ela suspirou, mas se a mais nova a sua frente ouviu, não demonstrou nenhum sinal disso.

A senhora se sentou lentamente ao seu lado, parecendo pensar no que deveria dizer. Ela também estava sofrendo, era visível isso, por mais que tentasse esconder em seu semblante firme.

Era como se tentasse se mostrar forte pela outra que estava visivelmente mais abalada.

— Wei WuXian não foi encontrado, ele já deve estar longe daqui há essa hora. — começou a relatar para a mulher mais jovem ao seu lado. O tensionar de ombros dela ao ouvir aquele nome foi a única indicativa de que estava prestando atenção. Dessa forma, a outra continuou — Ele pagará por tudo isso, minha querida, fique tranquila.

A mulher fechou os olhos com aquilo. Uma única lágrima descendo em seu delicado e triste rosto.

— Não quero que o machuquem. — disse, finalmente, depois de um tempo em silêncio.

Aquilo não agradou a outra.

— Como não? Depois de tudo o que ele fez… — A senhora fechou a boca, atônita, mas voltou a abri-la, ainda indignada com a posição da mais nova — Jin Ling crescerá sem um pai por culpa dele, não se esqueça disso.

Ela se levantou rapidamente depois disso, batendo as mãos no longo vestido para desamassá-lo e se afastando rapidamente dali a passos firmes.

Ela não entendia, mas a jovem não parecia preocupada com isso. Não esperava que a senhora entendesse, não quando nem ela mesma entendia o que estava acontecendo. Em seu interior, sempre teve a certeza que Wei WuXian jamais faria algo que a machucaria e, mesmo depois de tudo, ainda se agarrava a todo custo naquilo que acreditava. Deveria ter uma explicação.

A jovem virou a cabeça para trás, finalmente desviando os olhos do nome daquele que tanto amara ao ouvir o choro de um bebê. O choro de seu bebê.

Jin Ling ainda era novo demais para ter consciência do que acontecia a sua volta, mas de alguma forma ele parecia sentir que algo não estava certo.

E foi somente por ele que a mulher teve forças para se levantar de onde estava.

Antes disso, no entanto, ela se curvou em respeito e devoção àquele que já fora.

— Eu vou cuidar do nosso filho, eu prometo. — foi tudo o que teve forças para dizer, sentindo a voz já começar a ficar trêmula. Será que algum dia superaria a morte de seu marido? Aquela ideia parecia ser algo impossível para ela no momento.

E agora, enquanto andava, seus passos se tornaram cada vez menos audíveis, sua visão cada vez mais desfocada, até tudo ficar escuro o suficiente para...

Jin Ling piscou os olhos devagar, se sentindo um tanto desorientado e confuso.

— Mãe… — falou em um sussurro, olhando ao redor procurando ver onde estava. 

Seus olhos pararam no incensário aceso bem a frente de onde estava deitado, e só então percebendo que seu rosto estava úmido devido a lágrimas que sequer tinha notado que caíram enquanto dormia.

Ele se levantou, secando o rosto desajeitadamente. Seu corpo parecia mais pesado e a mente mais confusa do que nunca, mas ao menos agora sabia onde estava.

O Jingshi de Hanguang-jun era um segredo de estado para todos da Seita Lan, ninguém jamais ousara entrar ali sem permissão — e único que recebia tal permissão era apenas Wei WuXian, é claro.

Por isso Jin Ling tolamente aceitou o desafio de Lan Jingyi na noite anterior quando Lan Wangji tinha saído para uma caçada noturna com Wei WuXian e Lan Sizhui.

Jin Ling só estava nos Recantos da Nuvem de passagem e ficaria por pouco tempo, mas quando Jingyi comentou sobre como Hanguang-jun protegia seu espaço, uma conversa (ou provocação) levou a outra, até que o desafio foi levantado.

E Jin Ling jamais fugiu de um desafio antes.

Ele só não esperava que fosse ficar encantado por um incensário estranho como aquele e que aquilo tivesse desencadeado em um sonho ainda mais estranho.

— Por que demorou tanto? Se não fosse pelo Senhor Wei, Hanguang-jun já teria te achado nos aposentos dele! — Lan Jingyi exclamou assim que Jin Ling saiu do Jingshi de Lan Wangji.

E obviamente ele recebeu um olhar contrariado por seu comentário.

— E por que você não me tirou de lá antes dele chegar? — Certamente mais uma discussão entre os dois estava para se iniciar, pois Lan Jingyi abria a boca para falar, mas Jin Ling decidiu encurtar aquilo no momento — Ah quer saber? Deixa pra lá, você é lerdo demais mesmo!

E, sem esperar por uma resposta — que certamente viria —, Jin Ling se afastou a passos largos do garoto.

Ele não estava com cabeça para discutir e nem mesmo falar o que tinha acontecido ali dentro com o incensário.

Sim, porque ele tinha certeza que a culpa do que ocorreu se devia ao incensário. Foi somente depois de acendê-lo por curiosidade que Jin Ling pegou no sono misteriosamente. E então tudo aconteceu.

E agora o sonho tão real que tivera ainda rondava sua mente, o deixando um tanto confuso, sem saber exatamente o que pensar. Aquele tinha sido o sonho mais vívido que tivera e, além disso, ele conhecia as pessoas do sonho. Não pessoalmente, mas…

— Será que é uma lembrança? — murmurou enquanto caminhava sem um rumo exato.

Se fosse uma lembrança faria mais sentido? Mas mesmo assim, ele era novo demais na época e não estivera presente como bebê durante toda a parte do sonho com sua mãe. Será que sua ligação com ela era mais forte do que pensava? Ele realmente não fazia ideia.

De qualquer forma, enquanto caminhava, Jin Ling se viu parando de repente ao avistar Hanguang-jun e Wei WuXian em um ponto mais distante. Eles estavam com alguns coelhos brancos no colo e pareciam conversar despreocupadamente.

Uma pergunta brotou a mente de Jin Ling, assim como a vontade de se aproximar, mas ainda assim, teimosamente ele fechou o rosto e se virou a fim de se afastar daquela cena.

— Jin Ling! — A voz de Wei WuXian o fez parar onde estava e tornar a se virar para eles, derrotado.

O homem acenava alegremente para ele, pedindo para se aproximar.

Com um suspiro e uma expressão um pouco emburrada, Jin Ling se arrastou até eles.

— Não sabia que estava por aqui, por que não disse nada?

— Estou partindo hoje mesmo — Jin Ling murmurou, sem jeito.

Verdade seja dita, ele nunca sabia como se comportar diante de Wei WuXian. Sua cabeça o dizia para odiá-lo, mas no fundo Jin Ling não sabia se conseguia realmente fazer isso.

O sonho (ou lembrança?) de Jiang Yanli preencheu sua mente. A forma como ela ainda protegia e acreditava em Wei WuXian mesmo depois da morte de seu pai era algo surpreendente.

E era sobre aquilo que Jin Ling tinha vontade de falar com o homem à sua frente, embora ainda relutasse em fazê-lo.

Wei WuXian pareceu perceber que algo estava diferente. Seu sorriso foi substituído por um semblante mais preocupado enquanto o examinava.

— Jin Ling, aconteceu alguma coisa?

— Não! — exclamou, mas Wei WuXian arqueou a sobrancelha ainda esperando e ele sentiu sua relutância ir diminuindo — Eu… quer dizer… como a minha mãe era com… todo mundo? — com você, ele quis dizer, mas mesmo sem ter pronunciado tais palavras, Wei WuXian pareceu entender.

Além disso, ele também ficou surpreso com a pergunta, seus olhos desviando para o pequeno coelho branquinho que estava no colo do silencioso Lan Wangji ao seu lado.

— Ah, eu entendo, Jiang Cheng jamais falaria dessas coisas com você — Wei WuXian se pôs a rir, sabendo como o outro era extremamente fechado. Ele suspirou então, tornando a olhar para Jin Ling que ainda aguardava uma resposta. — Shijie era maravilhosa com todo mundo.

Jin Ling não deixou de notar a forma como Wei WuXian se referia a sua mãe, mas não comentou nada sobre esse fato, observando como o rosto dele se tornou mais leve ao lembrar de Jiang Yanli.

— Ela nunca perdia a paciência, não importava o que acontecesse — Wei WuXian prosseguiu — e também não odiava ninguém… ou pelo menos quase ninguém, eu suponho.

— Ela nunca te odiou, Wei Ying. — Lan Wangji finalmente falou assim que o outro terminou, olhando-o com seriedade.

Wei WuXian lhe deu um sorriso leve e triste.

— Bem, acho que disso nunca saberemos...

Jin Ling não disse nada, mas a firmeza na voz de Hanguang-jun o surpreendeu e o lembrou novamente do sonho que tivera. Sim, fazia sentido o que ele tinha dito. Se aquilo fosse uma lembrança do que aconteceu, Jiang Yanli não parecia ser o tipo de pessoa capaz de odiar ninguém, especialmente Wei WuXian. Até mesmo com a morte de seu marido ela acreditava nele, acreditava que tinha alguma explicação para o que aconteceu. Que nada era culpa de Wei WuXian.

Ela o amava, Jin Ling também percebeu.

E independente de como tenha morrido, ele não achava que sua mãe tivesse mudado seus sentimentos tão rapidamente.

Saber sobre os feitos e curiosidades de seu pai sempre tinha sido fácil, considerando que todos em Lanlingjin o conheciam, mas Jiang Yanli sempre foi um mistério maior para Jin Ling. E tocar naquele assunto com Jiang Cheng era sempre complicado.

Mas com a ajuda do incensário e agora de Wei WuXian e Hanguang-jun, Jin Ling sentiu como se seu coração estivesse mais quente. O conforto por saber mais sobre quem Jiang Yanli era o deixou assim.

O conforto por saber que ela era uma pessoa boa e incapaz de odiar daquela forma o acalmou. E o fez até mesmo cogitar a ideia de que não era exatamente errado não conseguir odiar aquele homem a sua frente.

Jin Ling talvez tivesse mais de sua mãe correndo em suas veias do que pensava, afinal.