Rato de Laboratório escrita por Melody Holy


Capítulo 1
Capítulo Único




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A situação era desconfortável ao extremo, e se fosse qualquer outra pessoa, Sieghart já teria ido embora há muito tempo. Mas era Mari, e justamente por ser ela não podia simplesmente desistir.

Quando Mari pedira para fazer experimentos em seu corpo imortal, Sieghart não pensou que teria que passar por testes de resistência que matariam humanos normais em poucos segundos. Inclusive, se fosse mortal, com toda certeza já teria morrido de anemia de tanto sangue que Mari tirava de si.

Infelizmente, não conseguia dizer não à tecnomaga. Sabia que ela era movida pela curiosidade, aquilo ficava claro no modo como os olhos heterocromáticos brilhavam quando dividia alguma experiência pela qual já passara quando decidiu testar-se, em algum momento desde que adquirira a imortalidade.

Mari gostava de sua companhia, o que era estranho não só para si mesmo, mas para todos da Caçada. E poderia dizer que aquilo não tinha nada de errado e estranho, se não fosse pelo fato de Mari lhe lembrar tanto de tantos momentos de sua vida, bons e ruins, e lhe despertar sentimentos que jurara não sentir novamente.

Que sua falecida esposa o perdoasse, mas quando se deu conta, seu coração parecia feliz por bater quando Mari estava por perto. Seu corpo parecia mais leve só de ter sua companhia, e seus fantasmas do passado não lhe atormentavam quando conversava com ela.

E era aquele sentimento, aquela leveza e tranquilidade que lhe era estranha. Por que, depois de séculos habitando a área escura e depressiva de sua mente, ser puxado para a alegre e colorida lhe era estranho. Estava muito fora de sua zona de conforto – apesar de fazer o possível para agir como se tudo estivesse bem – e tinha certo medo do que aquilo podia significar.

Não por não saber. Aí é que estava o problema. Sieghart sabia, conhecia aquele sentimento e suas implicações. Mesmo depois de séculos desde a última vez em que os sentira, não era idiota e já estava cansado de ver como mortais lidavam com aquele sentimento, banalizando-o ou superestimando. E tinha a caçada também... mesmo que todos ali o tachassem como inconsequente, sabia muito bem as consequências que seus atos traziam para todos.

Não podia se deixar levar por aqueles sentimentos bons.

— Sente algo diferente? – A voz baixa de Mari lhe tirou de seus devaneios e o forçou a baixar o olhar até a princesa.

Coçou a nuca e desviou o olhar para as ampolas cheias de líquidos coloridos que Mari pretendia injetar em si. Havia sido rebaixado à rato de laboratório, era só o que lhe faltava.

Negou com um aceno, vendo a garota franzir os lábios e anotar algo na prancheta antes de voltar a mexer nas ampolas. Sieghart permitiu-se um intervalo, já que tinha que esperar algum tempo para que seu organismo limpasse seja lá o que fosse que Mari estava injetando em si. Sentou-se numa das banquetas dispostas pelo laboratório de Serdin enquanto assistia a tecnomaga observar as próprias anotações feitas e checava se os líquidos coloridos tinham as propriedades que ela queria que tivessem.

Era interessante assistir à garota assim, tão concentrada e curiosa. Apesar da seriedade com que ela encarava os experimentos, os olhos brilhantes e animados não lhe deixava com dúvidas sobre a motivação dela. Realmente... aquilo não estava certo.

— Podemos continuar? – Mari voltou a perguntar, se aproximando com a seringa já cheia com um líquido alaranjado escuro que lhe provocou uma careta antes de assentir.

Mal sentiu a picada da agulha, dessa vez aplicada pouco acima de seu abdome. O toque delicado lhe fez fechar os olhos e querer praguejar por ter sentimentos pela menina. Suspirou e fez uma careta quando sentiu uma ardência na região onde foi a substância foi aplicada, não se surpreendendo ao ver a princesa atenta às suas reações.

— Alguma reação?

— Ardência na área de aplicação – explicou do modo mais direto que podia, mais formal que conseguia. – Dor de cabeça e dormência no antebraço esquerdo.

Mari assentiu e anotou os resultados, parecendo bem satisfeita por ter tido a primeira reação depois de quase 30 substâncias diferentes.

— Uma pessoa normal sofreria de morte cerebral em 30 minutos após a injeção. A Estricnina é letal, e você já teria perdido a força dos músculos e desmaiado por falta de ar.

O imortal assentiu, com tédio, quando a garota pegou a seringa novamente para tirar mais uma amostra de seu sangue. Já conhecia aquela toxina, sabia do que ela era capaz – já vira soldados excelentes caírem em campo por armas inimigas equipadas com o veneno.

— Chega por hoje? – Perguntou esperançoso. Sentia sua têmpora latejar e a luminosidade do laboratório começava a irritar sua visão. Odiava estricnina.

Mari murmurou uma concordância estendeu a camisa do imortal para que ele colocasse e não saísse desfilando seminu pela base – não precisava mesmo de Elesis xingando os dois por aquilo. Assistiu o amigo se vestir metodicamente e parar ao seu lado para ler os resultados também.

Sieghart se aproximou e pegou a prancheta da garota, passando os olhos com atenção pela caligrafia bonita e arqueando uma sobrancelha ao ler, na ficha técnica, seu nome enfeitado com flores e coraçõezinhos. Sorriu de canto ao devolver a prancheta e apoiar o braço nos ombros da garota.

— Quando eu vou virar um rato de novo? – perguntou com um sorriso cínico.

— Rato? Não entendo.

Sieghart revirou os olhos. Esquecia o quão “robô” Mari conseguia ser.

— Ratos de laboratório, Mari. Os cientistas costumam usar ratos para testarem alguma substância e seus efeitos. Quase o que você está fazendo comigo. Então, reformulando: quando você fará mais testes comigo?

Viu Mari sorrir por entender um nova expressão popular.

— Na próxima semana está bem para você? – Ele concordou. – Então, depois do teste militar da Elesis e antes do treino mágico da Arme. Pode ser?

— Semana que vem tem teste da Elesis? – arregalou os olhos e riu de nervoso.– Tá, pode ser.

Mari sorriu pequeno mais uma vez antes de receber um selar na testa e enfim Sieghart sair do cômodo. Olhou para o nome enfeitado na ficha técnica e suspirou.

— Será que ele percebeu...?


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