Um canto de Natal escrita por Jubs


Capítulo 1
Noite Feliz


Notas iniciais do capítulo

Então, meu pc deu pau e eu detesto escrever pelo celular, mas abri uma exceção pra essa historinha que escrevi do nada, no meio da madrugada. Errinhos corrigidos, capinha feita, e aqui estou eu, heheh
Espero que gostem da leitura ^^
Boas Festas!



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Era véspera de natal. E o mundo corria como de costume.

Os piscas-piscas brilhavam coloridos nas varandas das casas e nas fachadas das lojas, assim como nas árvores de Natal. O cheiro de comida parecia impregnar o ar da atmosfera, deliciando a imaginação com imagens da maravilhosa ceia que deveria se seguir em poucas horas. As famílias esperavam para se reunir, fossem elas de sangue, de história, ou de amizade. E o dia como um todo parecia de algum modo mais doce, mais agradável — fosse pela chuvinha fina que caíra mais cedo, ou pelo tal Espírito Natalino que as propagandas de televisão tanto insistiam em repetir.

Espírito Natalino que Robson, mesmo a muito custo, insistia em tentar sentir.

A avenida estava menos movimentada e mais fria que o costume — e isso sim graças à chuvinha de mais cedo, o que até que era um alívio para os pés descalços do rapaz acostumados a aguentar o asfalto quente. Pertinho da fachada do Conservatório de música de sua cidade, Robson estendera ao chão o estojo vazio do seu velho violino, na esperança de que um dos transeuntes apressados jogasse lá algumas moedas. Para conseguir esse feito, o rapaz trouxera seu violino a tiracolo, como fazia todos os dias ao voltar da escola onde tentava terminar o ensino médio. Não que estivesse exatamente passando fome todos os dias, apesar de sua condição financeira bastante difícil; mas os poucos trocadinhos que recebia eram sempre de muito boa ajuda.

Havia, no entanto, uma razão a mais. A verdadeira razão. Aquilo que o fazia ter forças para sair da escola, carregar o violino até a avenida lotada, parar sob o sol escaldante e escorregar o arco sobre as quatro cordas.

Música.

O doce e delicado som das notas dançando para fora do instrumento. O tremor das cordas, o abaixar do arco, os dedos doendo firmes e calejados para aguentar seu peso.

O violino parecia tocar o violinista, e nunca o contrário.

Para Robson esse era sempre o melhor jeito de passar seu Natal. As coisas sempre foram naturalmente conturbadas em sua família, desde que podia se lembrar; e fora exatamente isso que o fizera ir embora de casa no começo daquele ano, sozinho, apenas com uma mochila e o violino, decidido a fazer a sua vida apenas com o pouco que tinha.

O último par de chinelas havia quebrado há duas semanas. Nem o prego, nem os preços elevados do fim do ano ajudaram.

Longe dos abusos familiares, o rapaz finalmente decidira recomeçar a escola de onde havia parado há alguns anos. Foi Lilian quem o recomendara aquela escola com educação para jovens e adultos, para a qual ele ia todos os cinco dias da semana, com uma determinação estrondosa.

Não dava para ser um grande músico sem diploma de ensino básico, ela dizia, e ele concordava.

Ah, Lilian...

Postura ereta. Cotovelo erguido. Ombros imóveis.

Habilmente o arco começa a escorregar sobre a primeira corda, guiado pela mão delicadamente firme e calejada do jovem músico. Enquanto uma cantiga de Natal se inicia, Robson pensava na amiga, que passaria o Natal na casa de parentes, no interior. Ou pelo menos era isso que ela havia lhe dito quando se viram na última vez.

Lilian era uma mulher de meia idade, com ruguinhas de felicidade no cantinho dos lábios e dos dois olhos. Estudava no Conservatório já há muito tempo; era uma excelente flautista. Todos os dias, ao sair de mais uma aula, ela encontrava sempre o mesmo rapaz, com aquela carinha de cansado e roupas descombinadas, tocando seu violino na porta do Conservatório para conseguir algumas moedas... e, quem sabe, a atenção de algum olheiro de lá?

Sua determinação e fé a encantaram. Sua habilidade natural com a música constantemente lhe arrancara palmas de encorajamento e admiração. Com o tempo, o rapaz maltrapilho e a senhora flautista tornaram-se muito amigos - um alívio para a recente e constante solidão do jovem, e para a garganta tagarela da outra.

Lilian o ajudara muitas vezes, de diversas formas. Com cestas básicas quando as coisas apertavam; com apoio emocional quando a saudade batia, ou a fé dava uma diminuída; com conversas e sorrisos largos que sempre o animavam quase involuntariamente.

Mas ela não podia ajudá-lo com uma coisa: seu maior sonho.

A rua solitária aceitava passivamente a segunda música do violino de Robson. Solitário, o rapaz aventurava fechar os olhos, imaginando-se sobre um grande palco, diante de uma plateia imensa. Em seu sonho, fazia parte de uma grande orquestra — mesmo sem nunca de fato ter tocado ao lado de uma. O máximo que lhe acontecia era ouvir, de vez em quando e através dos muros, o ensaio dos músicos que estudavam logo ali.

O Conservatório de música, atrás de si, era uma boa porta para tentar uma seleção numa boa orquestra, e ele vinha estudando bastante para fazer a prova de lá e tentar uma bolsa. Enquanto isso, porém, o violinista solitário apenas sonhava, de pé na avenida fria e pouco movimentada, tentando não pensar na falta que Lilian fazia.

Espírito Natalino. Cheiro de peru, peixe, e passas. Papai Noel de pelúcia pendurado na varanda. Faróis que lembram piscas-piscas. Mais uma nota escapando do violino.

Espírito Natalino...

Com um triste suspiro, o rapaz finalmente cansou de ficar de pé ali. O sol já se punha. Seus pés doíam um pouco, assim como o braço e o pescoço. Num desânimo, deixou-se escorregar até parar sentado no chão, diante do estojo quase vazio de seu violino, e abraçou os joelhos por um minuto, encarando o céu. O silêncio parecia ensurdecedor, e a solidão quase palpável. Já devia ter se acostumado.

— Feliz Natal, pai. — murmurou ele no entanto, baixinho. — Feliz Natal, mãe. 


Empunhou novamente o violino. Ainda encarava o céu.

— Feliz Natal, Lilian...

Para encerrar o dia, fechou novamente os olhos e voltou a manejar o arco, fazendo vibrar as cordas sempre bem afinadas. Tocava Noite Feliz, porque era o que, ingenuamente, seu coração ainda desejava ter naquele dia.

Olhos fechados. Grande palco. Grande plateia.

Noite feliz

Noite feliz

Distraído estava que não percebeu os passos que se aproximavam, furtivos.

Mas o primeiro toque de flauta... ah, isso foi impossível de não perceber.

Após um primeiro segundo de incredulidade com o que estava pensando ter ouvido, Robson finalmente pareceu aceitar que ouvira uma flauta, e abriu abruptamente os olhos. Surpreso, viu sua boa amiga de pé diante de si, acompanhando a melodia exatamente de onde ele havia acabado de parar.

Doce, Lilian sorriu. As ruguinhas de felicidade pareceram iluminar seu rosto.

— Continue — disse ela.

Retribuindo o sorriso, apesar da surpresa, ele fez o que ela pedia. E, juntos, violino e flauta embalavam a avenida com a cantiga de natal. Para Robson aquilo já estava mais do que o suficiente para fazê-lo grato e feliz. Mas não parou por ali. Da dobra da esquina, surgiu um segundo flautista, acompanhando também a mesma melodia dos dois músicos. Ele sorriu um instante e colocou-se ao lado de Robson, sem parar de tocar. Depois veio um rapaz com um teclado.

Incrédulo, Robson viu juntar-se a ele mais e mais alunos do Conservatório de Música, cada qual com seu instrumento a tiracolo. Duas moças com seus violoncelos. Mais três violinistas. Trompetes e percussão também vieram, assim como um pequeno coral dos alunos de canto, juntando-se ao agora grupo que tocava na avenida que mergulhava no colorido da noite.

Tonto de alegria e surpresa, Robson mal conseguia mais sentir as batidas do próprio coração, entregue de corpo e alma à música que preenchia a noite de Natal. Os poucos transeuntes paravam. Pessoas apareciam nas janelas das casas, crianças cutucavam umas às outras, curiosas. Celulares filmavam das janelas dos carros, que desaceleravam ao passar ao lado da improvisada pequena orquestra, adocicando ouvidos e corações.

Robson não podia acreditar!

Ao fim daquela música, o rapaz não aguentou. Em lágrimas, correu para a amiga e a sufocou num caloroso e agradecido abraço. Aplausos vieram não só dos músicos, mas também das pessoas que assistiram tudo de fora, encantadas.

— Feliz Natal, meu amigo — desejou ela, em meio ao abraço, bem próxima ao seu ouvido.

Ele sorriu, meio afogado em lágrimas, mas conseguiu responder:

— Feliz Natal.

E Espírito Natalino enfim aflorou nos corações, embalado pelo som de mais uma cantiga de natal orquestrada.


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