Você Volta? escrita por Brigadeiro


Capítulo 1
Você Volta?


Notas iniciais do capítulo

Essa one é a não-direta continuação de "Elliot", que pode ser lida no meu perfil.

Preciso explicar: essa one não se passa na linha do tempo da saga original. Eu escrevi bem antes de sair o terceiro filme e eu não fazia ideia de que a barreira seria quebrada. Nessa one, eles não quebraram a barreira de uma vez, mas foram trazendo todos os VK's aos poucos até que só restassem os vilões lá, de forma que agora, anos depois, se iniciaria um programa de redenção para a quebra da barreira de vez.

Dedicatória especial nas notas finais.

Boa leitura, e feliz Natal, pessoal!



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As noites de outono em Auradon tendiam a ventar consideravelmente, de forma que em algumas delas era possível ver folhas se agitando no ar como um belo espetáculo se olhasse para o lugar certo.

Evie estava parada em frente a janela aberta, o vento jogando seus cabelos para trás e invadindo o quarto, deixando o ambiente ligeiramente mais frio. Ela observava algumas folhas rodopiarem distraidamente, uma antiga tiara apertada em suas mãos enquanto ela ouvia seu bebê ressoar durante o sono através da babá eletrônica pousada no parapeito próximo a ela.

A respiração de Elliot funcionava como um calmante. Isso, e as batidas do pequeno coraçãozinho dele. Aqueles tinham se tornado alguns de seus sons favoritos nos últimos seis meses.

Ela esfregou os braços, sentindo arrepios subindo por sua pele conforme o vento batia contra. Quanto mais a noite avançava, mais frio e mais forte ele ficava. Talvez ela devesse fechar a janela e voltar para a cama, porém se voltasse a se deitar não conseguiria dormir de qualquer jeito. Não sem acabar repassando todas as imagens do dia interior em sua mente, e fazer o aperto no peito voltar junto com elas.

De repente, um par de braços a envolveu sem aviso, fazendo-a pular de susto.

— Hey, calma. Sou eu — disse Doug, puxando-a mais para perto de si. Ela quase caíra parapeito abaixo com o susto, o que era muito estranho porque Evie sempre percebia quando ele estava chegando. Devia estar muito distraída para não tê-lo percebido daquela vez. — Por que está de pé?

Ela suspirou, e se aconchegou no abraço dele, buscando segurança.

— Por que você está de pé? — devolveu a pergunta.

— Acordei e você não estava do meu lado. Não é uma sensação agradável — ele beijou-a na têmpora, fazendo-a sorrir. — No que está pensando?

Ela suspirou. Não sabia se ele entenderia.

Tinham passado todo aquele dia na cabana dos pais de Doug, depois de sua sogra insistir por quase uma semana para que eles levassem Elliot até lá para ver os avós. Ele era o primeiro neto, e mesmo antes de seu primeiro ano de vida já vinha sendo paparicado por cada uma das sete famílias que compunha aquela árvore genealógica.

Doug tinha uma família enorme, família essa para qual ela tinha entrado, e eram todos extremamente atenciosos, feliz e maravilhosamente barulhentos. Evie amava a vida que emanava deles sempre que os visitava em cada reunião familiar. Mas...

— Ver a sua mãe hoje, com o El, me trouxe algumas memórias... — Evie tentou começar uma explicação, sem saber exatamente como exteriorizar o sentimento. — Eu sei que não faz sentido, mas...

— Você se lembrou da sua mãe — Doug completou, surpreendendo Evie.

— Foi tão óbvio assim?

— Toda as vezes em que a minha mãe passava na sua frente brincando com ele, você suspirava.

Evie soltou uma risada fraca. Ela não sabia porque aquele estranho sentimento tinha tomado conta dela de maneira tão repentina. Ela deveria odiar sua mãe, não deveria? Assim como Mal odiava Malévola, Jay queria distância de Jafar e Carlos tinha pavor de chegar perto de Cruella novamente.

Não era a primeira vez que o sorrateiro e incômodo sentimento dava as caras, ele já vinha ser esgueirando aos poucos até ela desde que, meses antes, algumas discussões começaram a ser feitas sobre uma possível derrubada da barreira mágica que envolvia a Ilha.

— Sente falta dela.

Não fora uma pergunta. Doug olhou para Evie, mas ela ainda tinha seus olhos dirigidos para a noite escura que vazava pela janela aberta através da qual as folhas soltas das árvores dançavam para eles. Apertou novamente a tiara em suas mãos.

— Sim — confessou. — Ela tem os seus defeitos, muitos pra falar a verdade, eu que o diga, mas ela foi a única companhia que tive por toda a primeira parte da vida... E ainda é a minha mãe, apesar de tudo.

Doug assentiu, entendendo. Ele sabia bastante sobre o passado de Evie, tinha lhe custado vários anos e muita confiança, mas ela tinha lhe falado sobre como tinha sido sua infância em função de todas as circunstâncias. Evie não tinha sido apenas uma criança da Ilha como os outros, ela tinha uma particularidade a mais. Além de ter crescido no ambiente da Ilha, ela tinha passado dez longos anos – basicamente toda a sua infância e metade da adolescência – trancada no castelo de sua mãe sem a companhia de mais ninguém além da mesma. E, por mais que ela tentasse explicar, ele nunca realmente conseguira saber como tinha sido.

— O que é isso? — ele indicou a tiara que ela segurava. Ele sentiu a respiração dela se elevar contra o seu peito, em um suspiro abafado.

— A minha primeira tiara.

Ela não precisava dizer para que ele entendesse o que aquilo representava.  Olhando por cima do ombro dela, ele viu que era uma bonita peça, de metal muito bem moldado encrustado com pedrarias vermelhas que ele sabia que não era verdadeiras. Ser filho de um minerador tinha lhe dado um bom olho para aquele tipo de coisa.

— Não entendo o porquê disso agora — ela confessou, a voz baixa quase inaudível. — Anos em Auradon e nunca senti nem um milésimo de vontade de voltar para aquele lugar. Como posso estar com saudades daquilo?

— As discussões sobre a queda da barreira tem trazido isso a memória. E seu instinto materno está aflorado desde que Elliot chegou em nossas vidas, você tem pensado como uma mãe e isso torna inevitável não pensar na sua própria mãe — ele passou a mão pelos braços dela, tentando acalmá-la.  Por mais serena que parecesse por fora, ele sabia que deveria estar um verdadeiro redemoinho de conflitos dentro dela, ou ela não estaria tão inquieta a ponto de não conseguir dormir. — E você não está com saudades do lugar, ou do que viveu. E sim da representação da sua mãe para você.

Ela pensou naquilo por um momento. Ele tinha razão. Nos últimos tempos, sempre que ouvia a palavra mãe, a imagem da Rainha Má passava rapidamente pela mente de Evie, indo embora logo em seguida. Então, aos poucos e de tempos em tempos, vinha a mente dela alguma lembrança ligeiramente boa que tinha vivido no castelo – ainda que elas fossem terrivelmente escassas. O dia que fora presenteada com sua primeira tiara tinha sido eleita a melhor delas, mas que tivesse sido bem cedo, antes mesmo da época em que não podia sair do castelo.

— Por que não vai vê-la? — Doug questionou, quebrando o silêncio novamente.

Aquilo fez Evie desviar o olhar da janela. Desvencilhando-se do abraço, ela virou-se para encarar seu marido.

— Como?

— Alguém vai ter que ir em breve, Ben precisa de informações sobre como está o lugar se quiser levar adiante esse plano de acabar com a barreira. Você podia ir até a Ilha e vê-la. Poderíamos ir como uma primeira visita oficial para avaliar as condições da Ilha — ele sugeriu.

Há meses Benjamin vinha debatendo aquilo com todo o conselho. Uma vez que agora quase todas as crianças e adolescentes de lá já estavam em Auradon – evidenciando o verdadeiro sucesso do Projeto Descendentes – e muito bem adaptados, Ben tinha sido mais ousado ainda ao apresentar a ideia da extinção da barreira na Ilha, desabilitando o local, ou até possivelmente transformando-o em parte integrante de Auradon. O problema para aquilo, é claro, eram os vilões que ainda jaziam presos lá.

Ben, otimista e ligeiramente ingênuo como sempre, acreditava em uma possível reabilitação dos vilões também, no que, é claro, quase ninguém botava fé. Mal fora categórica ao afirmar que tinha certeza que sua mãe jamais se redimiria. Porém, Evie não conseguia parar de pensar que a Malévola era a senhora de todo o mal, ela tinha prazer nele; mas nem todos os vilões eram assim. A maioria só possuía uma grande fraqueza, tão grande que os cegava e os tornava insensíveis para qualquer coisa que não fosse seu objetivo principal. O de Jafar, por exemplo, era a ambição. E o da Rainha Má, a vaidade. A obsessão por ser a mais bela dominava a vida da antiga Rainha de tal maneira que nada mais estava acima daquilo, nem mesmo a vida de sua enteada.

Mas e a da sua filha? Era o que Evie não parava de se perguntar.

Quais seriam as chances?

— Você acredita nele? — pergunto ansiosa por saber a opinião de seu marido sobre aquilo. — No Ben? Acredita que os vilões podem ter salvação?

Dou ficou em silencio por alguns minutos avaliando a questão. É claro que, por vilões, Evie queria dizer especificamente a Rainha Má. Aquele era um assunto delicado pra ele, afinal era da arquinimiga de sua família que eles estavam falando, entretanto sua convivência com Evie tinha aberto seus olhos para enxergar tão mais além da visão distorcida de seus pais e tios que ele não tinha mais certeza de como se sentia sobre a antiga vilã.

Entretanto, ele sabia bem como se sentia sobre Evie.

— Eu não a conheço para poder dizer com certeza. Mas — delicadamente, ele afastou os cabelos dela da curva de seu pescoço para poder pousar um beijo ali, fazendo-a suspirar. — Foi essa crença insanamente idealista dele que trouxe você pra mim. Todos desacreditaram que trazer jovens da Ilha para Auradon pudesse dar certo, mas se não fosse isso eu não estaria agora com o amor da minha vida, então é, eu confio nas ideias do Ben.

Sem conseguir conter-se, ela se virou para ele, cobrindo seus lábios com um beijo. Ela sabia que ele estava sendo sincero, ele sempre era.

— Poderíamos? No plural? — ela questionou Doug, lembrando-se da frase que ele dissera.

Ele assentiu, fazendo seus narizes se esfregarem graças a proximidade. Isso fez Evie rir, e ele levou a mão até a bochecha dela, acariciando o local.

— Quero estar lá com você.

Ela sorriu, avaliando a possibilidade interessante.

— Você gostaria de conhece-la? Minha mãe?

Ele deu de ombros. — Se é importante pra você, é importante pra mim. Não quero que faça isso sozinha.

A cabeça de Evie já começara a trabalhar a mil, calculando todas as possibilidades. Um frio na barriga intenso crescia conforme a ideia tomava forma e caminhava para se tornar uma realidade. Como poderia ser aquilo? Como a Rainha Má reagiria? Evie nem sequer sabia se sua mãe tinha conhecimento do rumo que a vida da filha tomara; casada com o filho de um dos sete anões, já com um filho adorado por ambos. E Elliot? Ela deveria levá-lo?

— Não acha que seria perigoso? — questionou, receosa.

— Isso é você quem me diz.

— Você devia ter medo dela.

Ele avaliou a questão.

— Eu cresci ouvindo histórias de terror sobre ela antes de dormir, é claro que eu tenho medo dela. Mas você foi quem passou a primeira parte da vida sozinha com ela, deve saber melhor do que eu.

Ela encostou sua testa na dele ao suspirar, o sorriso já desfeito. Por mais que Doug tentasse tornar o assunto o mais leve possível, ainda era algo completamente arriscado e uma decisão séria em que se pensar.

— Não é só com a nossa segurança que eu penso agora. Há mais alguém com quem preciso me preocupar ao nos expor assim.

Ao mesmo tempo, ambos olharam para a babá eletrônica pousada no parapeito da janela, por onde a respiração do bebê que dormia no quarto ao lado denunciava o sono tranquilo no qual ele se encontrava.

Doug tomou as mãos de Evie nas suas, olhando seriamente para ela.

— Você acha que ela o machucaria?

Evie mordeu o lábio, pensando na pergunta. Sua mãe tinha sim feitos grandes estragos no seu psicológico, e levado a pequena Evie a se machucar diversas vezes, direta e indiretamente; tudo em nome da beleza, e do seu ambicioso objetivo de ser retirada da Ilha quando sua bela filha se casasse com um príncipe rico. Mas, que perigo ou oportunidade poderia o pequeno Elliot oferecer a ela?

— Não tenho certeza, mas não consigo pensar em um motivo que a levaria a fazer mal a ele. Não se estivermos perto — ela suspirou. — Mas, se formos mesmo fazer essa loucura, o mais seguro ainda é deixa-lo aqui.

Ela fez uma careta. Em seu coração, ela já sabia o que queria fazer. Queria que sua mãe conhecesse o neto. Talvez um resquício da antiga necessidade de aprovação por parte da mãe estivesse dando as caras novamente.

— E se o El for a chave? — Doug pensou alto, avaliando com cuidado a possibilidade de expor seu pequeno filho à Ilha dos Perdidos. Porém, se o pensamento que tinha passado por sua cabeça desse certo, talvez valesse a pena a tentativa. — Pensa bem, quem foi que até hoje ele não conseguiu conquistar?

Evie sorriu, como sempre acontecia quando pensava nele. Era verdade. Se tinha uma característica que seu bebê de pernas gorduchas e pele macia tinha herdado dela, fora o sorriso capaz de derreter o coração dos mais terríveis vilões.

Não que ele já tivesse sido exposto a qualquer tipo de vilão, na verdade. Mas a premissa ainda era válida.

Com o coração palpitando, Evie prendeu suas mãos ao redor do pescoço de Doug, segurando-se nele. As mãos dele foram parar em sua cintura, firmando-a.

— Vamos mesmo fazer isso?

Ele assentiu solenemente e se inclinou para beijá-la. Estava morrendo de medo, é claro que estava, mas jamais de perdoaria se não desse a Evie a chance de ter sua uma reunião com sua única família.

{...}

A Ilha não era como Doug imaginava.

Era pior. Bem pior.

Pra começar, o sol não brilhava como deveria. A barreira de magia deixava vazar apenas uma claridade turva que tinha um aspecto sujo.

Galpões e barracos de metal formavam as ruas estreitas, que eram adornadas por montes de entulho por toda parte. Não havia nenhuma parede sem pichações, nenhum cartaz que não estivesse rasgado, nenhuma janela que não estivesse quebrada.

Parecia uma cidade abandonada. Não, muito mais do que abandonada. Esquecida. Amaldiçoada. Desprezada.

E o pior não era nem mesmo a aparência, mas a aura pesada que parecia emanar do local. Desde que tinham ultrapassado a barreira, ele sentia um peso estranho parecendo pressionar seus pulmões. Enquanto o carro avançava lentamente pelas ruas, ele pensava que não conseguia imaginar Evie vivendo ali.

— Esta pior agora — disse Evie, ao seu lado, respondendo as perguntas não ditas e atenta as expressões que ele fazia enquanto olhava pelo vidro fechado o exterior. — Quando as crianças viviam aqui e corriam por todos os lados, assaltando, brigando e pichando, havia mais vida pelo menos. Um pouco mais de beleza, ainda que não muita.

— Quando você deixou a Ilha, 100% da beleza do lugar foi junto, certeza — ele brincou, ganhando um sorriso dela.

O carro que transportava a pequena família parou em frente aos portões de metal preto e enferrujado de seu destino, fazendo o estômago de Doug afundar. Era como se a parada das rodas significasse sua morte. Ele não sabia como a Rainha Má iria reagir ao rever Evie, mas ele tinha certeza de que ela não iria gostar nada dele.

Ele olhou para Evie, que mantinha Elliot abraçado a si, a cabeça dele encaixada na curva do pescoço dela. Ele estava bem acordado, com os olhos verdes arregalados observando tudo e os dedinhos repuxando o cabelo azul da mãe.

— Tá, eu sei que a ideia foi minha, mas agora está começando a fazer cada vez menos sentido entrar aí — ele murmurou, sentindo um pouco de suor descer por sua testa.

Evie riu, fazendo Elliot levantar a cabeça com curiosidade para saber o que estava havendo. Ela sentou-o em seu colo, passando a mão por sua cabeça para tentar assentar os fios escuros no lugar.

— Olha, El — ela cochichou para o menino, alto o bastante para Doug ouvir. — O papai está tendo um ataque de pânico.

— Não é um ataque de pânico — murmurou, defendendo-se. — Apenas um leve desconforto.

Ela esticou a mão livre até alcançar as dele, apertando-as. Era incrível como apenas um contato já tinha o poder de acalmar os dois, como se a segurança que tinham um no outro emanasse de suas peles, de um para o outro.

— Eu também estou nervosa — ela confessou. — Obrigada por fazer isso por mim.

Ele levou as mãos dela até os lábios, beijando os nós de seus dedos.

— Sempre.

— Escute — ela chamou, enquanto tentava desembaraçar seus fios de cabelo das mãos do filho, que tinha começado a puxar pra valer. — Minha mãe pode ser um pouco... Áspera. Ela tem um dom incrível de ferir com as palavras. Só lembre-se de que, não importa o que ela disser, eu te amo.

Doug ajudou-a a soltar os fios azuis das mãozinhas sedentas de Elliot enquanto pensava na pergunta. Ele pegou o bebê, acomodando-o em seus próprios braços antes de responder.

— Ah, qual é a pior coisa que pode acontecer?

Evie abriu a porta do carro, mas antes de sair parou para olha-lo com a sobrancelha erguida.

— Você perguntou mesmo isso?

Ele riu. E ambos desceram do carro.

O estômago de Evie se revirava dentro dela, como se milhões de borboletas se agitassem lá dentro. Mas não borboletas felizes, não mesmo. Estava mais para borboletas desesperadas que estavam no auge de um motim e se acotovelavam para fugir voando por sua garganta, que estava obstruída por nós. Ela podia senti-las puxando-as na direção oposta, para voltar. Se prestasse bem atenção poderia ouvi-las gritando: “Não entre! É um erro!”.

Mas, ela nunca gostou muito de quem falava com animais.

Ignorando os malditos insetos imaginários, Evie olhou em volta no castelo, para as portas que a mantinham trancada e as janelas pelas quais ela costumava olhar o mundo sem poder tocá-lo.

Mas ela não estava ali por ela daquela vez.

Tinham sido longas semanas de discussão sobre a ideia desde a noite em que Doug tinha jogado a possibilidade no ar. Mal tinha sido completamente contra, desacreditada que um dia um vilão pudesse se redimir. Ben e Doug não só achavam que era possível, como defendiam que Elliot poderia aumentar as chances. Evie tinha suas dúvidas, mas sabia que tinha que pelo menos tentar, ou jamais se perdoaria.

Ela sentiu uma mão carinhosa apertando seu ombro.

— Está pronta?

Doug tinha saído do carro com Elliot no colo, que olhava com curiosidade para o novo ambiente ao seu redor. Ela lançou um olhar nervoso aos seguranças que tinham sido enviados por Ben para acompanha-los e que permaneceriam lá fora atentos para qualquer indicio de que fosse necessário uma intervenção. A possibilidade fazia seu estômago se revirar.

Então, voltou-se para seu doce bebê, sentindo seu cheirinho limpo e sorriu. Mais confiante, estalou um beijo em sua bochecha macia e assentiu para Doug. Se não fosse pelo apoio dele ela nem teria tido coragem de ultrapassar a barreira.

— Pronta.

Eles avançaram como o combinado, Evie à frente por já conhecer o local e sondar o terreno com a Rainha, e Doug atrás com Elliot, sua prioridade sendo proteger o bebê ao menor sinal de perigo.

Antes de prosseguir, entretanto, ela parou em frente as enormes portas de madeira fechadas para passar a mão freneticamente no vestido em que usava, assentando-o no lugar. Tinha passado dias preocupada em escolher a roupa perfeita, uma que a Rainha Má não conseguisse encontrar defeitos para criticar. Por fim, depois de mais um olhar nervoso a Doug, ela apoiou as mãos na madeira antiga, empurrando-a até se começasse a se abrir.

O tempo parecia ter parado, tamanha a solenidade do momento. A posta rangeu ao se abrir enquanto uma Evie temerosa colocava cautelosamente primeiro a cabeça, depois o corpo para dentro, observando novamente depois de vários anos o salão principal do que um dia tinha sido a sua casa.

O lugar permanecia exatamente como ela se lembrava, nem a força dos anos tinham tido o poder de alterar qualquer grão de poeira que fosse do piso rachado e desgastado pelo descuido. Até o cheiro – de flores murchas e perfume envelhecido – continuava igual ao de sua memória.

Ela fechou os olhos com força, tentando controlar a enxurrada de lembranças ruins que cada detalhe ali lhe trazia e, por um segundo, quase deu meia volta e desistiu. Chegou a dar um passo para trás, mas então esbarrou em Doug, que tinha entrado logo atrás dela. Ela não podia estar mais admirada com a coragem que ele estava demonstrando por ela desde o inicio de toda aquela ideia insana. Eles tinham entrado num acordo mutuo de darem forças um ao outro e foi pensando nisso que Evie levantou a cabeça e deu mais três passos a frente.

— Mamãe?

Evie não esperava ter encontrado o Castelo Negro vazio. Eles tinham enviado, dias antes, uma mensageiro de Auradon para avisar a Rainha que sua filha estava indo visita-la. Eles tinham interpretado o retorno do mensageiro com vida como um bom sinal. Agora, porém, ela já não tinha tanta certeza.

É claro que não pensou que haveria um banquete ou uma festa de boas vindas de volta ao lar para recepciona-la, ou algo parecido, mas tinha certeza de que sua mãe estaria pelo menos esperando a chegada. Parecia, porém, que ela na verdade tinha saído para não ver a filha, o que era extremamente cruel.

Evie respirou fundo, contendo o redemoinho de emoções dentro dela, e virou-se para Doug.

— Acho que ela não está em casa.

Ele franziu o cenho, confuso.

— Será que...

— Ora, ora... — a voz fria e límpida ressoou no ambiente como sinos em uma catedral, ecoando pelas paredes e gelando o coração do casal. — O lacaiozinho de Auradon estava falando a verdade. Pensei que era uma pegadinha.

Imediatamente após as palavras, a imagem da Rainha Má emergiu das sombras, imponente a cada passo que dava, parecia deslizar em direção à luz, saindo do corredor ao lado direito. Ao vê-la, ficou claro para Evie que ela tinha sim se importado com a visita. Estava usando seu vestido longo do seu amado traje antigo, junto com a capa. O hijab, porém, tinha sido dispensado, deixando os cabelos negros a mostra, por onde a coroa majestosa descansava entre os fios.

Com o olhar altivo, ela mirou a filha.

— Olá, meu bem.

Evie sentiu o súbito impulso de se encolher diante do olhar da Rainha, mas se conteve. Já era uma adulta agora, empresária, casada e mãe, e repetiu a si mesma que não precisava mais ter medo dela ou de sua reprovação.

— Mamãe — saudou, com o olhar firme sustentado.

Ela continuou se aproximando devagar, até parar no centro do salão de frente para a família. Observou com puro descaso e um claro desdém a figura de Doug atrás de sua filha. Logo em seguida seu olhar se desviou de Evie e se fixou no bebê atrás dela. Evie podia jurar ter visto seus olhos brilharem por quase um segundo antes de voltarem ao frio incomodo de sempre.

Evie pigarreou.

— Estes são...

— Você está pálida — a Rainha interrompeu, pontuando a critica como se fosse uma observação comum. — A cabana onde você vive agora é escondida demais no meio da floresta para que o sol chegue até você?

Doug engoliu em seco, captando a indireta. Evie continuava a encarar a mãe, agora com uma leve ruga entre as sobrancelhas.

— Não, eu... — ela pigarreou, desconcertada pela pergunta. — Eu trabalho em um ambiente fechado e por isso...

— Você trabalha. Ah.

Evie se calou. Sua garganta estava apertada, como se todo o sufocante peso das expectativas de sua exigente mãe tivessem sido recolocadas sobre ela diante da presença da Rainha. Sentindo-se frágil, ela buscou a mão de Doug atrás dela, que prontamente segurou-a e apertou na tentativa de lhe passar alguma segurança.

Se Evie estava nervosa, Doug nem mesmo sabia como estava conseguindo se manter de pé. Alternava sua atenção entre permanecer firme diante do tenso reencontro que se desenrolava diante dele, e em se esquivar das múltiplas tentativas de escapar das mãos sedentas do bebê em seu colo que não parava de tentar agarrar seus óculos.

Elliot não podia estar mais alheio a situação. Mal notara a presença suntuosa à sua frente, ocupado demais em tentar fazer seu pai brincar com ele do modo como estava acostumado. Em sua rotina habitual, todas as vezes que ele esticava sua mãozinha em direção os óculos do pai, Doug avançava em direção a ela fingindo que iria mordê-lo, o que fazia o bebê gargalhar todas as vezes. Agora, porém, ele estava apenas sendo frustrado pela recusa ao jogo, mal se dando conta da importância da cena que se desenrolava diante de seus olhinhos verdes.

— O servo não me informou o motivo da sua pequena excursão, mas saiba que atrapalhou os meus planos para o dia. Um rostinho desse você não mantém de qualquer jeito, e nem trabalhando fora, exige cuidados que você claramente esqueceu como se ter, pelas olheiras em seu rosto. Não é agradável, sabia? Mas isso você consegue resolver fácil com uma mistura de argila, suco do caule de um - você deveria se lembrar da receita - cravo e algumas... Não interrompa, meu bem, é muito feio — a impaciente Rainha interrompeu-se em seu nervoso monólogo quando percebeu que Evie estava prestes a abrir a boca. Ela se caminhou até espelho retangular levemente rachado e com uma moldura enferrujada que estava pendurado na parede entre duas janelas, e começou a apalpar seu próprio rosto, continuando logo em seguida: — Vê-se que Auradon não fez nada bem para você. Não seja rude. Supõe-se que nas terras do rei haveria educação nobre, mas talvez não seja como pensei já que você foi pra lá e ficou medíocre...

— Mamãe, chega! — Evie não conseguiu conter-se, era como se dava palavra proferida no falatório interminável de sua mãe estivessem se acumulando e se enrolando dentro dela, deixando-a sufocada, pesada. Exatamente como em sua infância. A diferença era que antes ela deixava as palavras se fixarem em seu coração, e jamais ousaria interromper.

A Rainha nem sequer piscou diante do grito da filha. Ela se virou lentamente, as mãos unidas à frente do corpo, uma expressão neutra.

— Seus ombros estão curvados. O que lhe ensinei sobre postura?

Evie bufou.

— Você é inacreditável. — lamentou. — Não vim até aqui para ser insultada.

— Então diga-me, Evie, o que veio fazer aqui? Já tomou demais o meu tempo.

Evie teve que tomar fôlego para conter a mágoa ao ouvir as palavras da mãe. Não queria, entretanto, ir embora dali sem tentar o seu máximo. Ela sabia que seria difícil, a Rainha Má nunca tinha sido sinônimo de doçura e receptividade.

Ela olhou para trás, vacilante. Doug assentiu, encorajando-a.

— Este é Doug. E nosso filho, Elliot. Eu queria apresentar vocês.

Doug desejou que Evie tivesse chamado a atenção para ele em outro momento. Elliot tinha finalmente alcançado os óculos do pai, empurrando-os até o meio da testa dele, tortos.

Ele se apressou em colocá-los no lugar e arrumou o bebê em seu colo antes de finalmente dizer algo.

— Oi.

Evie teria rido se a situação fosse outra.

O 'oi' tinha saído vacilante, trêmulo diante do olhar de desprezo que estava sobre ele. Duvidava que conseguisse emitir uma frase completa.

— É vossa majestade pra você.

Ele engoliu em seco, assentindo rapidamente sem questionar, e o nervosismo o fez involuntariamente apertar mais Elliot contra ele. O bebê resmungou.

— Não vejo uma coroa na cabeça dele — desdenhou, voltando-se novamente para Evie.

— Não, mãe, ele não é um príncipe — Evie suspirou. Sabia que aquele detalhe chegaria à conversa mais cedo ou mais tarde e estava preparada para ele. — Mas tem o coração de um. Ele é muito mais do que qualquer príncipe que eu conheci.

— Não conheceu muitos, pelo visto.

— Mamãe, por favor...

— Eu não consigo descobrir se fui em quem errei em algo ou se você é era burra demais pra entender alguma coisa de tudo o que tentei te ensinar — as palavras duras pareceram perfurar Evie, que sentiu seus olhos umedecerem. — Você veio até aqui zombar de mim, só pode.

Doug fez menção de dizer algo, incomodado ao ver como as palavras da Rainha afetavam Evie. Aquilo não estava nada bem, não era assim que eles tinham idealizado o encontro. Ela, porém, tomou a frente antes dele.

— Eu o amo, e ele me ama por algo que você nunca me ensinou a ser: eu mesma — cruzou os braços, tentando transparecer firmeza. — Agora, eu apreciaria se você tentasse não diminuir o meu marido, por favor.

A Rainha Má soltou uma risada que não possuía uma gota de humor.

— Você se orgulha disso. Não posso acreditar.

— Eu estou feliz. Isso não importa para você?

A risada parou. Com um olhar gélido, ela cruzou os braços e se aproximou dos três a passos lentos.

— Você não se deu ao trabalho de me contar sobre o namoro ou noivado. Não fui sequer notificada sobre o casamento. O que mudou agora?

Evie ficou surpresa com a pergunta. Nem tinha passado pela sua cabeça convidar sua mãe para o casamento, mas talvez fosse exatamente o que a Rainha estava esperando, e o pensamento a fez se sentir mal.

— Que provas você me deu de que ficaria feliz por mim ao invés de me criticar e estragar o dia?

A Rainha crispou os lábios diante da pergunta.

— Quantas vezes você voltou aqui para que eu lhe desse tais provas?

Doug estava admirado com a imponente da postura da sua sogra. Entendia agora porque sua família tinha tanto medo dela; era realmente uma presença marcante, que bastava apenas um encontro para que você jamais esquecesse. Ali, porém, não conseguiu sentir o mesmo medo que o dominava à menção do nome dela na infância. Receio, talvez, mas não medo. Era como se a representação da imagem dela fosse muito mais assustadora do que a imagem em si. Diante dele ele não via a bruxa maligna que lhe fora descrito, mas sim uma mulher extremamente orgulhosa.

— Mimada e hipócrita — ela cuspiu as palavras em direção à filha, parecendo sair um pouco de sua pose. — Eu te ensinei tão bem a amar o luxo e a beleza que você os preferiu à mim. Eu não deveria ter ficado surpresa.

Evie piscou, aturdida diante da acusação.

— Como é?

— Você partiu e me abandonou aqui, se esqueceu da sua própria mãe. Eu te esperei, semana após semana eu aguardei tendo a certeza de que você viria me buscar. Mas você estava ocupada demais indo viver a sua vidinha perfeita em Auradon. Tínhamos um acordo, Evie!

Subitamente, lembranças do dia em que deixou a Ilha em direção a Auradon preencheram a mente de Evie. Ela se recordou da empolgação da Rainha ao falar do belo castelo que Evie deveria conseguir, com um quarto enorme para a sogra. Ela acenando enquanto Evie entrava no carro, gritando para que a garota lhe trouxesse um príncipe. Sempre evidenciando as frases com a certeza de que a filha voltaria. O coração dela se apertou.

— Aqueles eram os seus planos, mamãe, e não os meus — disse tristemente. — Você esperava que eu quisesse voltar correndo para ser diminuída e taxada como ‘não boa o bastante’ novamente? Não. Eu encontrei em Auradon pessoas para quem eu sou o suficiente.

As duas se encaravam agora, ambos os olhares tomados por mágoa.

— Vá embora.

Evie arfou. Algumas lágrimas sorrateiras já tinham escapado de seus olhos, que ela limpou rapidamente.

— Você não quer realmente isso — ela insistiu. — Não podemos recomeçar?

— Você é a minha maior vergonha, Evie — a Rainha Má disse duramente, fazendo-se soar mais alta. O controle absoluto sendo perdido ali, enquanto a voz reverberava. — E essa sua tentativa patética me dá desgosto.

Os olhos de Evie queimavam enquanto ela lutava com todas as forças para não deixar mais nenhuma lagrima cair. Definitivamente se recusava a chorar na frente de sua mãe. Não adiantaria de nada porque ela não se comovia com lagrimas, só serviria para torna-la alvo de mais criticas.

Ela não sabia mais o que dizer, mas também relutava em obedecer a sua mãe e sair. Não podia acabar daquele jeito, não podia fracassar assim.

— O que esperava, trazendo-o aqui? — questionou a Rainha, indicando Doug e Elliot com o queixo. Ela estava evitando olhar para eles, principalmente para o bebê, sustentando apenas o olhar da filha.

— Não sei. Acho que não esperava nada. Só quis tentar.

— Tentar me convencer de que a vidinha meia boca que você construiu em Auradon chega perto da vida que eu sonhei pra você? Não chega nem perto.

Evie olhou para eles, absorvendo o olhar reconfortante de Doug e a visão da inocente crianças que agora travava uma batalha com a gravata do pai. Não era possível que sua mãe não conseguia enxergar o mesmo que ela, o quanto ela tinha ganhado.

— É o seu neto — disse, referindo-se a Elliot. Era sua última esperança.

— É o filho de um anão — ela rebateu. — Descendente de um daqueles sete serezinhos desprezíveis que me jogaram de um precipício, e com quem você ainda assim insistiu em se aliar.

Evie deu um passo para trás, as mãos protetoramente cobrindo as de Doug por sobre seu filho.

Não adiantava, a Rainha Má não ia ceder.

— Vão! — ela gritou, apontando para fora.

Doug a puxou levemente para trás, mirando a Rainha. Não tinham ido até ali para que ele visse sua esposa ser maltratada e machucada novamente.

— Vamos, Evie — ele chamou.

Recolhendo com os dedos as lágrimas que tinham escapados, Evie assentiu.

— Não sei o que foi que me fez acreditar que talvez você pudesse mudar. É óbvio que me enganei.

— Sim. Redondamente. Agora saiam da minha casa — a Rainha foi se aproximando de Evie ameaçadoramente enquanto falava. — E da próxima vez que tiver a ideia infeliz de fingir que se importa comigo eu...

A Rainha Má parou subitamente de falar. Doug tinha puxado Evie para trás, se colocando na frente dela em um súbito rompante de coragem ao ver, com pavor, que sua sogra começava a se alterar enquanto se aproximava.

Só que provavelmente aquela não tinha sido a melhor ideia do mundo, uma vez que graças a isso agora era Elliot que estava bem de cara com a avó raivosa.

— Oh.

Surpreendendo a todos os adultos do recinto, ao se encontrar de cara com a senhora desconhecida cuja expressão estava marcada pela cólera, Elliot sorriu. Seus lábios se repuxaram para cima, no sorriso banguela mais doce e encantador que poderia existir em toda aquela terra mágica. Logo em seguida, surpreendendo ainda mais, ele espalmou as mãozinhas no nariz da avó, e gritou de animação.

Aparentemente a estranha de roupas coloridas tinha agradado ao bebê, parecendo a ele um convidativo parque de diversões. Ele não tinha medo dela.

A Rainha Má o encarou sem fala por alguns instantes e então, tão cuidadosamente quanto um néscio tentando tocar no fogo pra testar se realmente queima, ela colocou suas mãos por sobre as minúsculas dele, na intenção de tirá-las de lá. Evie e Doug prenderam a respiração, apreensivos.

A reação foi automática, ele soltou o nariz dela e agarrou suas mãos, atraído hipnoticamente pelos diversos anéis coloridos.

— Mas vejam só, que audácia — ela deixou escapar o comentário, olhando com curiosidade para o bebê.

Sem aviso e sem permissão, ela encaixou as mãos embaixo dos braços de Elliot e o tirou do colo de Doug. Foi tão rápido que ele nem conseguiu reagir.

Ele fez menção de avançar para pegá-lo de volta, sentindo um pano o momentâneo crescente, mas Evie segurou-o, impedindo-o.

Ele olhou pra ela, confuso.

— Espere. Olhe.

Ele olhou. Curiosamente, a Rainha Má tinha desfeito toda a expressão maligna que dominava seu rosto e observava Elliot com evidente suspeita e curiosidade. Ela o segurava com ambas as mãos pelo tronco, deixando-o ligeiramente afastado dela, o que parecia diverti-lo ainda mais, o pequeno garotinho corajoso.

Ele continuou explorando a nova presença à sua frente com as mãos. Seus dedinhos passaram das mãos dela para o pescoço, onde um chamativo colar repousava, e logo depois tentaram chegar as orelhas dela, onde pendiam duas enormes pedras vermelhas. Como suas duas mãos estavam ocupadas segurando o pequeno corpinho longe de si, e sem saber que aquela ela a brincadeira favorita de Elliot, ela empurrou as mãos dele para longe com o queixo, ameaçando mordê-lo no processo.

Elliot gargalhou, soltando gritinho de felicidade no processo. Nesse momento, algo incrível aconteceu. Pela primeira vez em muitos e muitos anos, os lábios da velha Rainha Má se repuxaram para cima em um sorriso. Não um sorriso falso, desdenhoso, sarcástico ou maldoso. Mas um discreto e bem breve sorriso genuíno.

As mãos de Evie foram para o seu peito e ela trocou um olhar chocada com Doug. Sua mãe tinha sorrido. Elliot tinha realmente conseguido arrancar um sorriso do rosto imutável da Rainha Má. Inacreditável.

Doug segurou as mãos de Evie, ansioso. Ela voltou a observar a cena, deixando a esperança crescer em seu coração.

A Rainha Má, tanto quanto sua filha, estava chocada consigo mesma. Elliot tinha voltado a tentar puxar os brincos na tentativa de fazê-la repetir a brincadeira, mas ela estava estática olhando para ele, gravando seu sorriso e a sensação estranha que ela tinha sentido ao vê-lo se abrindo no rosto do bebê que ela tinha julgado não ter relação nenhuma com seu sangue, por desgosto.

Mas não era verdade, ela podia ver aquilo agora. O garoto não tinha puxado o sangue desprezível daqueles anões malditos, e sim a linhagem real de sua família. Ele tinha a beleza dos Grimhilde, o olhar altivo e a impavidez também. E ele tinha herdado o lindo sorriso capaz de derreter os corações dos vilões mais cruéis, como o de Evie era capaz de fazer quando pequena.

Ela levantou os olhos para sua filha.

— Ele me lembra você.

Evie abriu um sorriso, o primeiro desde que chegara ali. Ela não podia acreditar no que seus olhos estavam vendo. A Rainha Má estava mesmo deixando-se ser encantada por Elliot. Dava pra ver isso na maneira como sua expressão tinha se suavizado enquanto olhava para ele.

— Eu também gostava quando tentavam me morder? — Evie tentou amenizar o clima com uma brincadeira.

Ela apenas não esperava que a Rainha fosse responder a altura.

— Não. Você era quem mordia as pessoas que tentavam lhe tomar algo.

Doug encarou Evie com um olhar divertido diante da nova informação. Ele estava realmente ouvindo histórias constrangedoras sobre sua esposa bebê saindo da boca da sua sogra? Era surreal demais.

Continuaram observando. As mãozinhas de Elliot agora subiram pelo rosto da rainha até chegar à coroa em sua cabeça. Ela o afastou antes que ele pudesse tocar no objeto, mas sua expressão era curiosa.

— Ah, seu pestinha de uma figa — ela chacoalhou Elliot, que gargalhou. Os insultos perderam completamente o efeito ante o tom de afeto na voz. — Você gosta de coroas, hum? Muito bem.

Ele balançava as perninhas enquanto a avó o chacoalhava, para voltar à segura-lo logo em seguida. Evie, com o coração de mãe atenta, se aproximou um pouco preocupada. Ela sabia o quanto Elliot era hiperativo mesmo com tão pouca idade, o que tornava brincadeiras físicas perigosas.

— Mamãe, por favor, cuid-

A Rainha Má interrompeu ao lançar um olhar de absoluto desdém a sua filha.

— Cuidei de você sozinha por toda a vida, não venha me dizer que não sei como segurar o meu neto.

Evie se calou, e apertou mais forte a mão de Doug. Seus olhos pinicaram, ameaçando voltar a ficarem úmidos, mas desta vez por um motivo diferente.

Meu neto.

Ela o tinha reconhecido.

Ignorando a comoção da filha, e agindo como se tudo aquilo não fosse nada demais, ela caminhou com o menino até um sofá puído e ligeiramente rasgado do outro lado do cômodo. Ela o sentou no estofado e, sob o olhar atento dos três, tirou da gaveta do móvel ao lado outra coroa, desta vez menor e com aparência de descartável. As mãozinhas ávidas dele já se abrindo e fechando em direção à coroa assim que a viu.

Evie se lembrava daquilo. Era uma de suas coroas de brinquedo. Haviam várias espalhadas por todos os cantos do castelo porque sua mãe lhe dizia que uma princesa nunca deveria andar sem coroa, e que deveria ter sempre uma a mão para casos de necessidade. Não acreditou que sua mãe tinha mantido todas em seus lugares por todos aqueles anos.

— Oi, Elliot — segurou o bebê perto de seu rosto, fazendo com que ele a olhasse. — Esse é o seu nome, não é? — teve que evitar sorrir quando o bebê soltou um barulho ou ouvir o próprio nome. — Nunca tira a coroa de uma rainha, Elliot, é tudo o que ela tem — ela ensinou a um Elliot atento. — Aqui. Essa é feminina, mas um dia eu farei uma apropriada para você — ela posicionou a frágil coroa na cabeça do bebê, que imediatamente a puxou e colocou-a na boca, arrancando uma careta da avó. Ela olhou para Evie e Doug, que tinham-na seguido até o sofá. — Quem escolheu esse nome?

— Hum... Era o nome do meu avô — Doug revelou, sem jeito.

Ela fez outra careta, mas não comentou o fato. Distraída, tocou a minúscula gravata borboleta azul em torno do pescoço do bebê, apertando o nó.

— Foi com essa idade que eu te ensinei a passar blush — comentou.

Doug olhou interrogativamente para Evie, que tentava esconder um sorriso.

— Aprendi antes mesmo de andar — afirmou, orgulhosa.

— Pelo menos ele está vestido à altura de um príncipe — tornou a dizer a Rainha.

— Obrigada. Sou eu mesma quem desenho e costuro as roupas dele.

— Pelo menos algo eu te ensinei bem, então.

Evie saboreou as palavras, sentindo o gosto delas como nunca antes. Sua mãe nunca a elogiava. E, embora de forma indireta, aquilo tinha sido claramente um elogio.

O interesse de Elliot pela coroa durou pouco, deixando-a de lado, passou a observar ao seu redor buscando algo mais que lhe interessasse. A Rainha levantou-se súbito, assustando levemente o casal ao lado dela. Ela pegou o bebê no colo novamente, e virou as costas ao casal, caminhando em direção a um corredor escuro que Evie sabia que chegava até o porão.

— Mãe? — Evie chamou. — O que o que pensa que está fazendo? Mam- — vendo que a Rainha a estava ignorando, ela pegou Doug pela mão, já começando a seguir a mãe. — Vamos.

Os dois seguiram a Rainha Má por caminho sinuoso. O corredor se transformou em uma estreita passagem e a passagem eventualmente se transformou em uma escada comprida que descia para cada vez mais lugubridade. Doug observava cada detalhe com curiosidade e admiração, e talvez um pouco de medo, tentando imaginar sua esposa mais jovem passando pelos mesmos lugares.

Já Evie, que sabia exatamente onde aquele caminho terminaria, se perguntava aflita porque estava descendo com Elliot até lá. Definitivamente não era um lugar para bebês.

A Rainha Má fingia ignorar o casal de escolta atrás dela, mas na verdade estava atenta a cada reação da filha e do genro. Passara tanto tempo imaginando a volta de Evie que, por baixo da grande camada de mágoa, existia uma percepção aguçada sobre as reações da jovem.

Jovem não. Mulher. Evie tinha saído daquele lugar como menina, e construíra uma vida para si lá fora, sozinha. A Rainha Má morreria antes de admitir, mas tinha assistido cada programa e transmissão que falava sobre Evie. Cada desfile de suas roupas, cada data comemorativa onde ela aparecia ao lado da Rainha de Auradon - que era curiosamente a cria rebelde da Malévola, ela nunca entenderia aquilo - e o casamento.

Ela tinha ouvido comentários em programas também sobre a gravidez, mas como eles tinham mantido o bebê longe da mídia de Auradon até então, aquele dia marcava a primeira vez em que ela realmente o vira. Não havia muito mais o que se fazer naquele lugar além de assistir a programação, de qualquer maneira. As ruas de Auradon estavam quase vazias agora, não existiam mais nem mesmo jovens arruaceiros tentando invadir o seu castelo com quem ela pudesse brigar. Os últimos anos tinham sido os mais solitários de sua vida.

Era diferente dos primeiros anos de cativeiro na Ilha, após ser jogada e esquecida lá junto com os outros vilões, onde também estava sozinha, mas tinham sido anos marcados por ódio e planos de vingança. Então, veio Evie, e a Rainha Má encontrou um novo propósito de vida. Se ela não poderia sair da Ilha, Evie poderia, e tinha que estar preparada para quando acontecesse.

Tinha sido rígida, sim, mas não sabia ser de outro jeito.

E ela estava certa. Evie saiu da Ilha, bela e pronta para ganhar Auradon. Mas, quando ela não voltou, a Rainha se sentou traída. O abandono marcou os anos mais tristes de sua existência, alterando todas as prioridades da velha mulher. Não havia mais propósito para guia-la. Não havia mais ninguém com quem reclamar, a quem ensinar, sobre quem mandar. As palavras eram ditas ao vazio.

Os corredores silenciosos pareciam gritar sua solidão para ela. Lembra-se saudosa dos dias em que Evie a venerava e bebia suas palavras. Ou dos dias anteriores a isso, quando a garota, ainda criança e entediada por não ter com quem brincar, roubava os livros da mãe e invadia o porão para fazer truques de química escondida. Como se a Rainha não soubesse exatamente o que ela fazia.

As lembranças pareciam sufoca-la, dia após dia. Só o que a mantinha viva era o seu orgulho.

Não ter ninguém é a pior maldição que existe.

Elliot espantou os pensamentos sombrios da Rainha ao se agarrar no pescoço dela, escondendo o rosto em seus cabelos. O ambiente escuro e úmido não era atraente para ele, que estava acostumado com a luz e o brilho constantes de Auradon.

Mas ele não teve muito tempo para ficar assustado, porque já haviam chegado ao seu destino. O grupo parou em frente a uma porta de madeira grossa, desgastada, que a Rainha Má abriu sem pestanejar, revelando o cômodo.

O queixo de Doug caiu. O cômodo, que fora projetado obviamente para ser um porão, estava tomado por mesas e bancadas repletas de vidros das mais variadas formas, balanças, almofarizes, destiladores, béqueres, tubos de ensaio e até mesmo um aquecedor improvisado. A maior parte estava cheia de algum líquido colorido, e alguns armários de madeira e vidro na parede oposta estavam repletos de mais elementos. Doug conhecia cada instrumento ali, mesmo que as condições daqueles estivessem bem mais precárias do que os que ele utilizava em Auradon.

Era um laboratório.

— Bem vindo aonde aprendi a amar química — Evie disse a ele, parada com as mãos na cintura ela admirava os detalhes do lugar onde passava boa parte de seu tempo útil na infância.

Flashes dela e de sua mãe inclinadas sobre as bancadas enquanto a Rainha Má ensinava a ela as misturas mais perigosas passaram por sua mente. Lembrou-se também dos momentos em que fugia pra cá com um livro, escondida, porque era o lugar mais silencioso e afastado do castelo.

A Rainha Má caminhou com Elliot no colo em direção a uma das mesas, em cima da qual um caldeirão pequeno soltava uma fumaça azulada espessa e levemente brilhosa. Ele olhava para tudo com os olhinhos arregalados, e se inclinou nos braços dela para tentar pegar a fumaça colorida. Enquanto ele se distraia com o vapor, a Rainha despejava o liquido colorido em um pequeno tubo, misturando-o com mais alguns de cores diversas.

Doug e Evie observavam, tentando entender o que ela estava fazendo.

— Achei que a barreira inibia a magia na Ilha — Doug comentou, observando as cores vivas nos elementos.

— As magia das fórmulas não funcionam sob a barreira, mas as reações químicas dão certo até demais — ela respondeu.

Em dado momento, a mistura colorida no tubo implodiu com um “puf”, fazendo subir mais fumaça. Elliot pulou, tomando um susto com o repentino barulho.

A Rainha tampou o vidro, lacrando-o, e entregou na mão da criança.

— Não se assuste. Vê? Agora você tem um novo brinquedo.

Ele sorriu, pegando o vidro bonito e imediatamente começando a sacudi-lo, feliz da vida.

Evie não estava muito segura sobre ver seu pequeno bebê brincando com os elementos químicos de procedência duvidosa que sua mãe mantinha no porão do castelo, mas ela estava longe de interromper o que provavelmente era uma cena histórica.

— O que exatamente é isso? — Doug tinha se aproximado de outra bancada, girando nas mãos um tubo de ensaio que continha um curioso pó rosado, que parecia ter consistência de diz de lousa triturado. Ele nunca tinha visto aquilo.

— É poeira de Jarenu. Isso se acumula em cima das pétalas de uma flor que cresce na extremidade norte da Ilha. Extremamente raro, mas dá pra fazer coisas muito interessante com ela — ela pegou o tubo das mãos do marido, lembrando-se daquele ser um dos elementos favoritos do estoque da rainha, com o qual ela adorava experimentar reações. — E uma das mais inúteis é... Isto.

Ela deixou cair somente algumas partículas no pequeno pó dentro de um frasco que parecia conter cloro. Ao tocar no liquido transparente, a poeira criou um redemoinho que foi lentamente se tornando bicolor, do rosê para um azul turquesa suave que se envolviam um no outro até parecer com um mini universo dentro do vidro, com cores tão vivas que espirralhava luz através do tubo. Lembrava a Aurora Boreal. Como o pó brilhava um pouco e, graças a reação, a o cloro continuava girando, a impressão era ainda mais realista.

— Uau! — Doug admirou a reação. Quantos elementos novos haviam escondidos dentro da Ilha dos perdidos? — Como descobriu isso?

Evie deu de ombros.

— Quase explodindo o castelo.

Ele riu.

— E se misturássemos com mercúrio? Vocês tem isso aqui? — ele questionou, seu lado nerd assumindo o controle ao ver tantas possibilidades diante dele.

— Sabe que nunca tentei? Há pouquíssimos elementos que minha mãe não conseguiu extrair da Ilha, de um jeito ou de outro. Vamos ver se ainda está no mesmo lugar...

A Rainha Má rolou os olhos para a cena, satisfeita pelo casal ter se distraído e finalmente parado de escolta-la como se ela fosse devorar seu neto a qualquer momento. Aproveitando a liberdade sem ser vigiada, ela andou até o outro lado do cômodo com o bebê e sentou-se na poltrona que havia ali.

Elliot ainda agitava o tubo fechado, fascinado pelas cores se movendo, porém com cada vez menos empáfia, começando a ficar cansado. Ainda era dia, mas ele tinha acordado muito cedo, junto com os pais, para a visita à Ilha.

Ela observou por alguns minutos a filha e seu projeto de marido andando excitados por todo o laboratório, jogando elementos em vidros diversos como se nunca tivessem mexido com química na vida. Aquele sempre tinha sido o cômodo favorito de Evie no castelo, a Rainha sabia, e nos últimos anos era onde mais passava o seu tempo também. Evie ainda parecia a mesma menina que a deixara, empolgada em mostrar para Doug tudo que havia por ali, quem via de longe quase podia pensar que amava aquele lugar, o que na verdade era o oposto. Ainda assim, seguia com um sorriso sereno no rosto.

A interação entre os dois era interessante, observou a Rainha Má. Eles agiam em conjunto, completamente sincronizados como se um soubesse exatamente qual seria o próximo movimento do outro. Ela nunca tinha visto algo igual na vida. Observou, também, o modo como o garoto levantava os olhos de tempos em tempos, desviando-os do que quer que estivesse fazendo para olhar para Evie. Sim, sua filha era belíssima, ela sabia disso, mas não era só deslumbre, havia algo mais no olhar do jovem descendente dos anões. Não soube nomear com maestria, mas era agradável de ver.

Olhou para Elliot, que estava começando a se cansar do tudo e pousou a cabeça contra o peito dela, os olhinhos pesando.

— Seus pais são muito engraçados — começou a conversar com ele em voz baixa, sem querer chamar a atenção do casal. — Ainda bem que você conheceu a sua avó hoje, do contrário quem iria te ensinar o que é a nobreza? Esses dois patetas com certeza que não.

Elliot bocejou e, soltando o frasco, se acomodou mais no colo da avó, agarrando o borda de seu decote com as mãozinhas. La começou a balançar bem levemente para frente e para trás.

— Deixa eu te contar um segredo — sussurrou para ele, que já estava quase se rendendo ao sono. — Eu criei a sua mãe para encontrar para si o mais lindo garoto para ser seu príncipe. E ela finalmente conseguiu.

Ela sorriu, passando a mão de leve pelos fios do bebê já adormecido em seu colo enquanto pensava naquilo. Quando Evie deixou o Castelo Negro em direção a Auradon a Rainha Má tinha ordenado a ela que voltasse lhe trazendo um príncipe e, de uma maneira bem torta, Evie tinha mesmo obedecido. De fato, Elliot era sem duvidas o príncipe mais lindo que ela já tinha colocado os olhos, e duvidava que existisse em Auradon alguma concorrência para o pequeno. E, sem duvidas algumas também, ele era um príncipe. Ai de quem dissesse o contrário.

Após conhece-lo, não importava mais para a orgulhosa Rainha Má quem era o pai do seu neto. Ele era, com toda a certeza, um Grimhilde. Seu novo herdeiro. Seu novo príncipe. Evie tinha se desviado muito do caminho que sua mãe planejara para ela, mas tinha acertado naquilo.

Algum tempo depois, percebendo ela que os casal não ia sair de sua bolha tão cedo sem uma interrupção, ela se levantou com um Elliot adormecido nos braços em direção a porta.

— Vocês vão ficar ai?

Evie e Doug se assustaram com a voz, percebendo que a Rainha Má estava partindo com o filho deles. Se apressaram em segui-la de volta para cima, mal acreditando que tinham realmente passado tanto tempo distraídos em pleno porão do Castelo Negro. Tinha sido realmente divertido. De todas as coisas que ambos imaginaram que pudesse acontecer naquele dia, aquilo não era uma delas. Chegaram novamente ao salão de entrada, de onde tinham saído.

— Ele dormiu? — Evie questionou, olhando ansiosa para seu bebê, agarrado nas vestes de sua mãe.

— É o que parece, não é? — a Rainha Má o esticou para Evie. — Pegue, meus braços estão cansados.

Ela o passou para Evie, que o recebeu já com saudades de sentir sua respiração contra si. Doug se aproximou dela, envolvendo seus ombros com os braços.

A Rainha Má os olhou por alguns segundos.

— Por favor, me diz que não está morando em uma cabana no meio da floresta — questionou a filha com ansiedade, olhando dela para Doug.

Dessa vez Evie não conseguiu conter uma risada, que escapou. Até Doug achou graça. Ela estava mesmo preocupada com aquilo.

— Não. Vivemos em um castelo, que eu mesma comprei — Evie se gabou.

— Não é tão grande quanto o palácio real, mas temos um bom espaço para montar uma ala da sogra — Doug brincou, recebendo um olhar severo de volta que, daquela vez, não o assustou nem um pouco.

— Menos mal assim — foi só o que ela respondeu, cruzando os braços na tentativa de parecer mais ameaçadora.

Houve um pequeno minuto de constrangimento, com todos parados próximo a porta de saída sem saberem o que dizer. Evie olhou para trás, onde os seguranças ainda os aguardavam. Ela sabia que Mal devia estar arrancando os cabelos de preocupação e se demorassem muito era bem capaz da rainha baixar ali com a guarda real inteira.

— Nós precisamos ir — Evie quebrou o silêncio.

A Rainha Má assentiu, já sabia daquilo.

Não haveria abraços e nem beijos de despedida, aquele não fazia o estilo da Rainha Má. Todos que entraram estavam saindo dali com vida, e aquilo já era prova o suficiente de sua boa vontade.

Entretanto, ainda havia uma coisa que a Rainha queria saber. Ela não queria mesmo fazer a pergunta, e lutou contra si por alguns instantes mas, quando seu olhar pairou em Elliot novamente, seu orgulho foi vencido e ela questionou:

— Você volta?

Evie sorriu. Não podia contar a ela da possível futura queda da barreira em um futuro distante, já que ainda não era nada certo e nem seria feito em breve, mesmo que fosse acontecer. E, embora quisesse muito, também não podia lhe dizer que, depois daquele dia, tinha quase certeza de que sua mãe seria a primeira a sair dali.

— Sim. O mais breve possível — respondeu. — É uma promessa dessa vez.

— Certo.

Eles se afastaram em direção ao portão, mas Evie ainda estava incomodada com um detalhe. Auradon tinha lhe ensinado muitas coisas, e uma das principais lições tinha sido ser verdadeira sobre si mesma e não ter vergonha do que sentia. E uma lição ainda maior fora sobre o poder daquele sentimentozinho peculiar, mas forte, que ela crescera achando que nem existia, mas que agora, porém, ela sentia de sobra todos os dias.

E ele estava tão em abundância dentro dela que não se perdoaria se não dividisse um pouquinho daquilo com sua mãe. Então, parecendo tirar uma bigorna gigantesca de cima de seus ombros, ela se virou e disse para a Rainha Má as palavras que nunca antes tinham sido pronunciadas para ela:

— Eu te amo, mamãe.

Virando, ela tomou a mão de Doug na sua e se dirigiu para o carro, deixando sua mãe perplexa parada na soleira da porta de seu castelo. Não importava se ela nem sequer conseguia compreender o sentimento, ou se não teria como oferecer as palavras de volta. Alguém tinha que iniciar a mudança, e Evie ficou feliz em fazê-lo.

A Rainha Má não foi capaz de impedir as pontas de seus lábios rígidos de se levantarem em um esboço de um sorriso enquanto observava os dois deixando o Castelo Negro.

Tinha criado sua garota para ter um príncipe, para que ela pudesse ter tudo o que merecia. Mas, de alguma maneira, Evie tinha conseguido superar suas expectativas, conseguido tudo o que ela desejava e mais, se tornara independente, e forte.

E o garoto podia ser o filho de um anão, mas tinha fibra para se colocar à frente dela por sua filha.

— Ela está em boas mãos — murmurou para si mesma.

Então, satisfeita, voltou novamente no castelo que lhe servia de morada por mais de trinta anos agora. Porém, ao entrar daquela vez, havia algo diferente nele. Algo novo.

Esperança.


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Notas finais do capítulo

Essa one também é minha postagem de comemoração de dois anos de amizade com a melhor autora/amiga/pessoa que Deus me deu, há dois anos, no Natal de 2017. Por muito tempo eu estive insegura com essa one, e a Lanan foi quem insistiu para que eu escreve, quem surtou quando eu mostrei a ela, e quem vem insistindo desde então pra que eu poste. Ela me ajudou com a ideia, me ajudou com a insegurança, me ajudou a criar coragem pra postar. Assim, tem como não dedicar cada palavra daqui a ela?

L, nada nunca vai ser suficiente para te agradecer tudo o que você significa pra mim. Obrigada pelos 690 dias de amizade sincera, de apoio, sorrisos, noites em claro, surtos, criatividades, inspiração e escrita. Eu te amo. TE VEJO EM 21 DIAAAAAAAS!



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