Confia em mim? escrita por Gabi Mohannak


Capítulo 12
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado por Luan.
Ano: 2018



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Luan

 

Que merda eu estou fazendo?

Essa é a pergunta que eu mais me fiz na última semana, estou certo disso. No entanto, não poderia ser diferente, porque eu não pareço eu mesmo e não paro de me contradizer. Há algumas horas atrás, por exemplo, eu disse a mim mesmo que nunca mais ia mandar mensagem, e agora, aqui estou eu: parado diante da porta da casa dela.

Ela me disse que já estava vindo, mas isso parece ter sido há horas atrás e minha ansiedade se transforma em náusea com o passar dos minutos.

Quando a porta finalmente se abre, a sensação de vitória por tê-la convencido a vir até aqui se transforma na certeza de que eu perdi. Tenho agora certeza de que sou fraco e de que, se não posso convencer nem a mim mesmo que essa garota não importa para mim, não tenho a menor chance de convencer os outros.

Os cabelos de Eliza estão soltos e, embora eu não pretenda contar a ela, eu gosto muito quando ela os usa assim. O vento empurra as mexas para direções diversas e ela passa da sala para a rua com olhos fixos em seu par de chinelos brancos. Ao fechar a porta atrás de si, suas mãos vão direto para os bolsos do moletom rosa claro que ela usa e eu me surpreendo ao ver que hoje ela não está de preto.

Estou nervoso e enxugo as palmas das minhas mãos na parte de trás da bermuda enquanto ela, ainda olhando para o chão, caminha em minha direção.

Eliza me alcança e se ergue ligeiramente na ponta dos pés para que nossas bochechas se encontrem em um cumprimento. Ela olha para o meu rosto, e mesmo que não encare meus olhos, não acho que isso importe tanto agora. Eu a seguro entre meus braços, abraçando-a por um breve momento e Liz envolve minha cintura me abraçando em resposta. Suspiro silenciosamente, isso é confortável – novamente, um pouco confortável demais. E então, me obrigo a soltá-la.

— Obrigado por concordar com isso – eu digo me referindo ao nosso encontro aqui fora.

— Sem problemas – ela diz enganchando os polegares nos passadores do short. Sua cabeça está abaixada de novo, mas eu sei que ela está mordendo a parte interna da bochecha.

— Tu queres ficar aqui ou quer dar uma volta?

— Definitivamente dar uma volta – ela responde sem hesitar levantando a cabeça abruptamente. Nossos olhos finalmente se cruzam e ao meu olhar quase surpreso ela acrescenta – Julia não sabe que eu saí contigo.

— Hmmm... – Isso faz muito sentido.

— Acho que poderia causar outra gritaria como a de hoje mais cedo, então acho melhor a gente se afastar um pouco da casa – justifica.

— Justo – eu concordo.

— Só não posso ir muito longe e nem demorar demais – acrescenta.

Assinto para ela e monto de volta em minha bicicleta. Eliza sobe em seguida, se acomodando sobre o ferro que há entre meu tronco e a frente da bike, e eu passo meus braços ao redor dela para agarrar o guidão antes de começar a pedalar.

Estou indo em direção à praia, mas, ao mesmo tempo que não podemos nos afastar demais, não quero ficar em lugar óbvio o bastante para que alguém possa nos encontrar, então quando chegamos à orla, eu pedalo no sentido oposto ao que costumo frequentar com meus amigos.

Eliza está segurando seus cabelos para que os fios não passem pelo meu rosto durante o percurso, e eu respiro o perfume de flores dela enquanto ensaio algo para dizer – porque, sim: eu disse que queria conversar com ela e pedalei até aqui antes de decidir o que dizer.

No fim das contas, eu meio que só queria saber que estamos numa boa apesar da minha estupidez e também da gritaria ocorrida hoje mais cedo – até porque, de um jeito ou de outro, talvez eu tenha sido mesmo o responsável. Só queria dizer a ela que pode contar comigo quando a prima dela estiver agindo como uma doida, ou em qualquer outro momento.

Agora que eu consegui organizar essas ideias, me ocorreu que nada disso parece importante o bastante para montar numa bicicleta e aparecer na porta da casa de outra pessoa durante a noite e é exatamente por isso que eu vou ignorar completamente o fato de que eu poderia ter esperado até amanhã para conversar com ela e continuar pedalando.

Nenhum de nós dois diz nada, no entanto o silêncio não é desconfortável e pouco depois estamos onde eu queria. Paro a bike cuidadosamente junto a um poste de rede elétrica e ela desce. Eu faço o mesmo e tiro do bolso a chave da corrente. Abaixo-me e a desprendo do cano da bicicleta, atando ambas ao poste e me certifico de que está tudo firme antes de me levantar a guardar a chave de volta no bolso.

Sim, estou enrolando. Tu já percebeste e, imagino que à essa altura, até mesmo Eliza já tenha percebido. Estou martelando em minha cabeça o óbvio: eu podia ter esperado até amanhã. Exceto pelo fato de que eu não queria esperar. Eu tinha urgência em ver essa garota quando saí de casa de casa e montei em minha bicicleta. Queria vê-la sem enrolação, sem conversa ensaiada e, o mais importante, sem a Julia.

Eliza se vira em direção à praia e eu me levanto e seguro sua mão. Minha ação faz com que ela olhe para mim, seus olhos são verdes e azuis ao mesmo tempo – incríveis no sol, mas ainda muito lindos agora que está de noite. Eu não digo nada. Nenhuma palavra parece ser necessária.

Gesticulo com a cabeça para que adentremos à praia e ela assente. Enquanto caminhamos, ela não solta a minha mão e eu considero isso um bom sinal. Nossos pés encontram a areia e Eliza se abaixa para tirar seus chinelos – que eu me ofereço para carregar usando o indicador da mão livre para segurar as tiras. Alguns metros depois eu tiro os meus também e deixo os dois pares juntos na areia seca antes de seguir em direção ao mar, com os dedos de Liz ainda entre os meus.

— Você disse que queria conversar comigo – isso não foi uma pergunta.

— Eu quero – respondo mesmo assim, virando-me para ela.

Ela também se vira em minha direção e agora estamos de frente um para o outro.

Pego também sua outra mão esperando que ela não perceba o tremor discreto que percorre meus braços. Não faço ideia de porque estou tão nervoso. Ao mesmo tempo, uma pequena onda de agua geladíssima toca nossos pés, fazendo ela estremecer e nós rimos.

Recuperados do susto causado pela água, ficamos em silêncio novamente e ela chacoalha a cabeça tentando tirar dos olhos os cabelos que foram soprados pelo vento – mas ainda não soltou minhas mãos. Vendo seu esforço, deixo que seus dedos escapem pelos meus relutantemente e ajeito os fios rebeldes, pousando a palma na lateral do seu rosto.

— Liz – eu suspiro e começo a falar – quero te pedir desculpas por hoje cedo.

— Você não precisa se desculpar – ela me interrompe. – A confusão causada não foi sua culpa. Julia não deveria ter reagido daquele jeito, nós só desviamos o caminho.

— Discordo que eu não tenha tido culpa, mas concordo que a reação tenha sido exagerada – digo e hesito por um momento antes de continuar. – Mas eu não estava falando disso.

Eliza parece não entender, e a sua expressão de confusão torna impossível conter um sorriso. Acaricio seu rosto e, sem jeito, ela morde a parte de dentro da bochecha.

— Eu queria te pedir desculpas pelo que aconteceu antes da confusão – continuo.

Ela olha para baixo e, sinto minha coragem se diluindo entre outras emoções, fazendo com que eu hesite. Meu coração se contrai de forma dolorosa porque minha frase fez com que ela me soltasse e colocasse as duas mãos nos bolsos do agalho.

Ainda que esteja atordoado, respiro fundo tentando agrupar as partículas de bravura porque eu que não posso parar agora. Eu trouxe Eliza até aqui para que nós pudéssemos nos resolver, e não aceito ir embora com menos do que isso.

Levo minha mão livre ao outro lado do seu rosto e, gentilmente ergo seu queixo um centímetro. Ela não luta contra meu movimento, mas eu não avanço. Quero que ela possa decidir se deseja ou não olhar para mim e, para minha sorte, ela olha.

— Resolvi tomar um caminho diferente hoje porque queria ficar a sós com você.

A água gelada banha nossos pés uma vez mais e os olhos de Eliza brilham, me incentivando a prosseguir. Agora quem não consegue encará-la sou eu, então olho para seus cabelos.

— Eu pretendia te perguntar – suspiro e hesito. – Bem, na verdade...

Ela passa um dos braços e entre os meus e sua mão toca meu maxilar. Volto meus olhos para os dela, e é como se eles estivessem me pedindo para dizer o que quer que esteja engasgado aqui. Pigarreio antes de prosseguir.

— Eu queria muito te beijar e queria saber se tu também... – deixo as mãos caírem ao lado do corpo – ... querias ser beijada por mim.

Seus olhos estão grandes e um segundo inteiro se passa. Eu gostaria que ela tivesse dito algo, mas só o que eu ouço é o barulho das ondas. A reação do meu cérebro ao nervosismo é despejar palavras para fora como em uma barragem que rompeu, e é isso que eu faço.

— Na hora em que estávamos juntos ali, vários motivos fizeram com que eu desistisse de te perguntar, depois enquanto estamos indo para sua casa, senti que o clima entre nós ficou todo esquisito, e por fim, a cereja do bolo de merda: sua prima gritando comigo e contigo sobre algo que você nem teve cul... – Algo cobre minha boca e a enxurrada de palavras é interrompida.

Calma aí, isso são... lábios!

Não. Não são lábios. São os lábios dela.

E então, nada mais importa.

Sou levado pela correnteza que é Eliza.

É incrível pensar que, hoje mais cedo, eu estava certo de que não saberia como agir se esse momento chegasse, mas agora, agir é tudo o que eu quero fazer.

Ainda que embriagado pelo momento, percebo que Liz está na ponta dos pés e, como eu não estou disposto a interromper a mágica que está acontecendo dentro de minha boca, passo um braço por sua cintura para ajudá-la a se sustentar nessa posição pelo máximo de tempo possível.

Beijar Eliza agora me parece tão natural quando caminhar pela praia, algo que tu não precisas pensar para fazer, simplesmente acontece. Ao mesmo tempo, isso é tão empolgante quanto encontrar com o seu ídolo pela primeira vez. Isso é tudo o que eu quero fazer.

Nossas bocas e línguas se conversam como se fossem amigas há anos e o mar frio aos nossos pés não mais existe, o que Douglas e Flávio dirão não tem importância porque tudo se resume a esse instante e isso basta.

Com a mão livre, eu agarro delicadamente a parte do cabelo dela que cobre sua nuca. Seus dois braços agora estão ao redor do meu pescoço e eu ouço sua respiração agitada enquanto sua língua desliza pela minha. Minha respiração também está irregular. Conheço a garota há pouco mais de um mês, mas parece que eu espero por esse beijo desde de muito antes.

O pouco espaço entre nós parece grande demais e, eu desço a mão que segura sua cintura para seu quadril, puxando-a para mais perto. Faço com que o beijo seja mais intenso, porque pelo menos enquanto estivermos aqui, Eliza me pertence. Acho que eu também pertenço a ela.

Sinto o celular dela vibrando em seu traseiro e faço uma careta em reprovação quando ela solta meu pescoço e interrompe nosso beijo delicadamente. Minha reação faz com que ela ria e me vejo obrigado a sorrir em resposta.

De volta com os pés bem firmes no chão ela alcança o telefone no bolso de trás.

— É minha tia – ela diz. – Ela quer saber se estou bem e se vou demorar.

— Tu vais demorar? – Pergunto maliciosamente. Quero saber quanto tempo temos.

Me reaproximo e passo meus braços pela cintura de Eliza trazendo-a para mais perto.

Ela sorri e se apoia novamente nas pontas dos pés para beijar minha bochecha. Antes que possa se concentrar no celular, eu roubo outro beijo de seus lábios. Ela retribui e, um segundo depois, permite que minha língua toque a dela. Com o braço que segura o celular, ela envolve meu torso e coloca a outra mão na minha nuca.

Ao contrário do anterior, que era cheio de ansiedade, esse é um beijo lento, feito para saborearmos. É sútil e intenso ao mesmo tempo. Gostoso. Doce como ela, mas fresco a noite de hoje e eu poderia passar uma semana inteira aqui com ela, mas o celular seu vibra em minhas costas e ela grune descontente antes de interromper mais um dos nossos beijos.

— Eu preciso checar essa mensagem – ela diz e nós nos soltamos.

Enquanto ela olha para o celular, eu coloco seus cabelos de volta atrás de sua orelha. O vento deixou tudo uma bagunça – ainda que não ache que ele tenha sido o único responsável.

Com brilho fraco do celular nos iluminando, volto para a realidade, notando mais uma vez o que há ao nosso redor, sentindo a agua molhando meus dedos sobre a areia. Ouço novamente as ondas se quebrando, respiro a maresia da praia e as flores de Eliza. Como ela é linda.

— Hora de irmos – ela diz por fim.

— Já? – Questiono.

— Antes que Julia perceba que eu saí e vá esperar por mim na calçada – ela ri nervosamente.

— Justo – digo e estou sorrindo para ela. Eu estou enfeitiçado.

Depois de um dia foi este, nada melhor do que terminar com uma noite como esta.

 – Vamos então, Liz – minha voz soa tranquila.

Ela começa a andar em direção aos nossos chinelos e eu seguro sua mão.

— Será que eu posso pedir um beijo de despedida? – Tento fazer beicinho.

Nós estamos rindo quando os lábios dela encontram os meus.

*****

                Qual o protocolo após um beijo que no fundo você sabe que não deveria ter acontecido?

                É óbvio que não me arrependo. Os beijos que troquei com Eliza ontem foram absolutamente incríveis e eu não vou me sentir culpado por ter deixado que eles que acontecessem – mesmo que isso signifique que eu terei que me entender com os garotos depois.

O problema real é: eu nunca sei como agir no dia seguinte. Eu devo mandar mensagem? Eu devo esperar que ela diga alguma coisa? “Ser ou não ser? Eis a questão!”

                Minha estratégia padrão é: fingir de nada aconteceu.

Estou ciente que isso pode fazer com que eu pareça um babaca, mas eu acho uma excelente maneira de perceber se as coisas aconteceram naturalmente ou se só aconteceram porque alguém forçou a barra – e nesse caso, com “alguém” eu quero dizer “eu”.

                Minha cabeça vive em um constante conflito: o que for para ser será vs. se tu queres alguma coisa, você tem que ir atrás. Mas, nesse caso, não quero que as coisas entre nós, sejam fruto de insistência de uma das partes, entendes? E, portanto, fico com o que seria minha escolha óbvia e decido não fazer nada.

                Eu vou esperar que ela me mande mensagem porque, se quiser falar comigo, mesmo que não tenha nada para dizer, sei que ela vai arrumar um motivo para me escrever. Quando isso acontecer, não vou falar nada sobre o beijo, esperando que algum momento ela traga o assunto à tona. Se ela fizer isso, vou saber que significou alguma coisa para ela e então, talvez eu diga a ela que foi uma ótima noite e que eu gostaria de beijá-la de novo.

                Enquanto isso não acontecer, fico na minha. 

                Se as circunstâncias fossem outras, hoje eu poderia convidar Liz para ir à praia, mas 1) há menos de um minuto eu prometi a mim mesmo que deixaria as coisas seguirem seu curso natural e 2) nós não chegamos a esse ponto ainda. Sendo assim, caso quisesse mesmo ir à praia com Eliza, eu teria que convidar a todos – inclusive Julia e seus ataques histéricos. Reviro-me na cama. Não estou com paciência para isso hoje.

Eu gostaria de vê-la, é claro, mas certamente seria bem mais difícil fingir que noite de ontem não existiu, se eu estivesse cara a cara com Eliza, menos de 24 horas depois. Não tenho tempo de refletir sobre isso porque Renata entra em meu quarto sem bater na porta – coisa que eu odeio.

Levanto a cabeça com o sangue fervente e me preparo para fazer algum comentário provocativo, mas uma forte razão me impede: tenho quase certeza de que é cedo, e por isso, meu pai deve estar em casa. Se eu brigar com Renata nessas circunstâncias, tenho certeza de que ele virá aqui para gritar comigo como fez da última vez.

Um exagero, se tu queres a minha opinião. Na ocasião passada, tudo o que eu fiz foi perguntar “TU NÃO SABES BATER?” – talvez em um tom alto demais. Um segundo mais tarde, lá estava ele: diante da minha cama, gritando frases como “ESSA CASA É TANTO DELA QUANTO É TUA” e “ELA PODE ENTRAR ONDE QUISER, QUANDO QUISER”. Então esbravejou algo como “POR QUE ELA PRECISA BATER? O QUE TU TENS PRA ESCONDER NESSE QUARTO?”.

Bom, além da maconha? Não tem nada que eu queira esconder. Ainda assim, um pouco de privacidade nunca cai mal. E se eu estivesse me trocando? Ou, sei lá, assistindo algo particular?

E quem é que ele pretendia enganar com o discurso de que a casa é minha e dela na mesma proporção? Os vizinhos que estavam ouvindo a briga? Qualquer idiota sabe que isso é mentira e que Renata é a favorita do meu pai. Mesmo quando eu estou certo, ele sempre defende minha irmã.

  Minha mãe percebe o mesmo que eu, mas diz que não há muito o que possa fazer. Ela me fala que eu devo estudar o máximo que puder para passar em uma faculdade longe de casa e me livrar por um tempo da encheção de saco – só que não diz exatamente com essas palavras.

Ela sempre me lembra que, apesar de ser um mala-sem-alça, meu pai costuma a recompensar as pessoas pelo seu esforço, e me garantiu que há um dinheiro guardado para que eu e minha irmã possamos estudar fora do estado, caso consigamos uma boa colocação numa faculdade federal. É com isso que eu conto o tempo todo.

Há também uma segunda razão que prefiro deixar escondida para o mundo exterior: a felicidade que estou sentindo desde o encontro que tive com Eliza na noite de ontem. E, sendo assim, por que não evitar conflitos e ficar calado antes que toda essa alegria entre pelo cano?

Renata ainda está de pijamas e traz consigo seu travesseiro. Sua franja é uma confusão de cabelos negros espalhados sobre a testa e seus passos são sonolentos. Preguiçosamente eu arrasto meu corpo para o canto da cama, abrindo espaço para ela, que coloca seu travesseiro ao lado do meu e se deita sobre minhas cobertas.

Quando éramos crianças ela fazia isso quase todos os dias: acordava e, percebendo o silencio da casa, corria para o meu quarto para que eu a fizesse companhia. Agora que estamos mais crescidos, as visitas ao meu quarto são muito menos frequentes. Ouso dizer que ela só faz isso quando está com algum problema ou realmente incomodada com alguma coisa e, nesses casos, como eu posso negar ajuda?

É claro que, eu nunca vou negar que provocar minha irmã é meu esporte preferido. Surfar ou assistir batalhas de rima não é nem de longe tão divertido quando irritar Renata, mas quando a coisa aperta e ela precisa conversar, por mais tenha uma dezena de amigas, é a mim que ela recorre. E o mais interessante? Eu não costumo me abrir sobre meus problemas, mas ela sempre sabe exatamente o que dizer quando eu estou angustiado com alguma coisa.

Nenhum de nós diz nada. Eu estou deitado de lado, de modo que posso ver seu perfil. Seus olhos muito pretos estão fixos no teto, suas mãos estão entrelaçadas sobre a barriga, e as pernas cruzadas balançam em um ritmo inquieto que faz com que minha cama inteira seja chacoalhada. Estamos em silêncio por enquanto, mas sei que não é preciso perguntar o que aconteceu porque Renata vai me dizer assim que se sentir confortável.

Aproveito a brecha para fechar os olhos e retomar meu raciocínio anterior. Eu já decidi como vou lidar com Eliza, mas ainda preciso pensar no que vou dizer para os meninos... Seria de bom tom dizer alguma coisa, certo?

Eu sinceramente não acho que Douglas e Flávio se atreveriam a quebrar a regra que estabelecemos há pelo menos uns três anos atrás, mas se isso acontecesse, e eles ficassem com alguma das garotas – por exemplo, minha irmã – eu acho que eu gostaria de saber.

— O que aconteceu ontem contigo e a Liz? – A pergunta de Renata me parte ao meio.

O sangue foge do meu rosto e eu penso não é possível que Eliza já tenha contado para minha irmã. Nenhum de nós disse nada sobre manter o encontro em segredo, mas também não pensei que ela seria tão rápida em dizer para as garotas – em especial para minha irmã. De qualquer forma, é sempre bom dar corda e tentar descobrir o que ela já sabe, antes de entregar novos detalhes.

— Do que tu estás falando, mana?

— Tu sabes muito bem – ela diz.

Espero um breve momento no silêncio constrangedor. Quando eu estou prestes a me defender dizendo que não faço a menor ideia, ela volta a falar.

— Toda aquela história com a Julia na porta da casa dela.

Uma onda de alivio banha o meu corpo. Nem tudo está perdido.

— Eu queria que ela visse o bairro dos riquinhos.

— Ah, bom – ela responde ironicamente. – E tu achou que seria uma boa ideia tu correr na nossa frente e não avisar ninguém?

— Não achei que seria uma ideia ruim – digo dando de ombros.

— Ai, mano – ela suspira. – Tu sabes que a Julia não bate bem – ela diz.

Suspiro e me viro na cama. Agora também estou encarando o teto.

— Luan, tu não estás mentindo pra mim, né? – Ela pergunta, parece uma acusação.

Pela minha visão periférica vejo que ela está se mexendo. Agora quem olha meu perfil é ela. Ela ergue o corpo e se apoia no cotovelo.  

— Sobre o que? – Pergunto.

— Ah, Luan – ela reclama.

Em um movimento rápido Renata me golpeia com o travesseiro, acertando meu rosto. Eu não esperava por essa, mas estou dando risada quando ela continua.

— Tu estás ficando com novata?

E rápido assim, a piada perdeu a graça. Não estou mais rindo quando respondo.

— Não estou – foi só um beijo. Ou três. Mas quem está contando?

— Olha, – ela suspira – Eu acho que está. Mas tu não precisas me dizer nada, tá legal? Só toma cuidado pra não prejudicar a guria, pode ser?

— Como assim? – Me viro para ela, meu cenho está franzido.       

— Todo mundo sabe que a Julia é maluca, até aí “tudo bem”. – Ela usa a mão livre para fazer aspas com os dedos. – Quando ela briga com a gente, a gente pode virar as costas, esperar as coisas se acalmarem e tentar resolver depois... Ou não resolver, se a gente não quiser.

— Não tô entendendo – eu digo sem acompanhar o raciocínio.   

— Liz não vai ter essa opção, mano. Ela mora com a Julia. Se elas brigarem o clima vai ficar pesado demais, pode ter certeza.

— Justo – eu digo porque sei que é verdade. – Mas porque tu estás dizendo isso, sobre as duas brigarem?

— Porque a Julia é ciumenta e a prima dela é um brinquedinho novo, entendes? Tu sabes quem precisa estar no centro das atenções, e que agora sente que não está.

— Sim, Julia gosta estar em evidência – eu concordo.

Volto a olhar para o teto enquanto minha irmã se acomoda no travesseiro.

— Pois é – diz simplesmente e nós dois ficamos calados.

E tão rápido quanto veio, minha alegria foi-se embora.

Meu peito está pesado e eu sinto isso a cada respiração. Estou absolutamente desconfortável mesmo que esteja deitado em minha deliciosa cama e, isso se deve ao pensamento que me ocorre: se antes eu pensei que não mencionar o beijo seria uma boa opção para permitir o desenrolar natural da história, agora sei que é a única opção.

Renata está certa. Se antes mesmo que Eliza e eu nos beijássemos, Julia já estava surtando e gritando na porta de sua casa sobre uma volta de bicicleta que não demorou nem um minuto a mais, imagine se tivesse a confirmação de que eu estou interessado por essa guria e ela por mim?

E se me enjoa pensar na possibilidade da confusão que isso geraria para as pessoas do grupo que não moram com essa garota, imagine pensar em Liz? Renata está certa, droga! Eliza não tem para onde fugir no fim do dia. Ela mora na toca do lobo.

E eu? Estou na merda.

De novo.

Me encontro outra vez em minha cama, respirando fundo e tentando me convencer de que, pelos cálculos, Luan+ Eliza = simplesmente não pode acontecer. Preso no looping porque-eu-fui-atrás-dela-ontem-e-tudo-o-que-eu-consegui-foi-piorar-as-coisas e tentando me convencer de que, dessa vez é sério: eu não vou mais mandar mensagens puxando assuntos casuais.

Digo para mim mesmo, mais uma vez, que vou tirar essa garota do meu radar. Prometo que agora é verdade. 

— Luan? – Renata me chama.

— Diga.

— Não fique bravo por eu ter dito isso.

— Não estou – eu digo.

 – Tu estás quieto demais – ela reclama.

— É que eu acho que não tem nada mais pra se dizer.


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