Carpe Diem escrita por Bruna


Capítulo 1
Carpe Diem




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Era uma preguiçosa tarde de sábado. Estava frio demais para fazer qualquer coisa nos pátios da escola, então os alunos se ocupavam em fazer os seus deveres e estudar nos ambientes fechados. Alguns estavam reunidos em grupos nas salas de estudo, outros em seus próprios dormitórios, como era o caso de Neil e Todd.

Depois de horas maçantes com as apostilas de trigonometria e latim, eles se ocuparam com literatura, que chegava ao ponto de ser mais um lazer do que qualquer outra coisa. Os incentivos do professor Keating pareceram fazer com que a poesia e o romance surgissem em cada um dos jovens, cujos potenciais nunca tinham sido propriamente explorados. Quantos artistas o mundo não deve ter perdido pelo simples fato de não apoiar o florescimento deles?

Todd agora escrevia suas próprias poesias, ainda que não conseguisse mostrá-las para ninguém. Idéias e palavras que sempre estiveram desordenadas na sua mente começavam a encontrar caminho para que finalmente pudessem ter a sua chance no papel. A cabeça dele ficava mais clara depois disso. 

Declamar em público ainda era uma proposta louca que foi deixada de lado, pelo menos por hora. A experiência que teve na aula do professor Keating foi incomparável a qualquer outra, mas Todd não achava que poderia repetir aquilo sem ser obrigado. Pelo menos, não por enquanto. Talvez, no futuro, conseguisse recitar algumas poesias só para o seu colega de quarto e então ver o que decorria a partir disso.

Neil, por outro lado, encontrou sua paixão nas peças. Tantos personagens e enredos, tantas possibilidades e interpretações. Cada um com um toque único que tornaria a sua representação especial. Passava o tempo livre recitando suas partes favoritas das obras que lia, às vezes repetindo a mesma parte uma dezena de vezes até se satisfazer. 

Por mais estranho que poderia parecer, às vezes Neil se sentia mais como si mesmo quando estava incorporando outra identidade do que em qualquer outro momento. Era libertador, sem o peso das expectativas dos seus pais, professores e até alguns colegas. Daquela forma, poderia ser ele mesmo, ainda que fosse sob o manto de uma outra identidade. Ali, ninguém poderia criticá-lo, apenas ao seu personagem. Pelo menos essa era a impressão que tinha. 

Escapava do conformismo de uma audiência, como Keating tinha proposto, da maneira mais inesperada: expondo-se completa e propositalmente à audiência, mas na forma de um papel. Neil estava orgulhoso de si, mas preferia não compartilhar isso demais com as outras pessoas. Se assim fosse, poderia acabar se arriscando a estourar aquela bolha de plenitude que havia criado. Aquela segurança e bem-estar estava limitada apenas a ele e à atuação. Porém, Neil se sentia cada vez mais tentado a incluir Todd naquela bolha.

Assim, depois dos estudos, os dois criavam uma harmonia incomparável no quarto. Primeiro, matérias obrigatórias e na maior parte das vezes, bastante desinteressantes; segundo, literatura, arte e suas próprias criações. Neil interpretando e Todd escrevendo - se bem que na realidade ele passava mais tempo editando do que realmente produzindo algo novo. As falas de Neil não incomodavam o mais tímido, ele o assegurou. Era até reconfortante, o ajudava a não se sentir tão isolado.

Eventualmente Neil se juntava a Todd, que sempre ficava sentando em sua própria cama. Faziam as brincadeiras de perseguição que estavam se tornando uma rotina: "Me deixe ver suas poesias!", seguido por "Não, devolve!". Isso sempre acabava com os dois rindo. Talvez um verso ou outro tenha sido revelado, mas a totalidade ainda permanecia secreta. Isso criava certo equilíbrio, porque Neil sempre compartilhava suas performances, ao passo que Todd sempre precisava de um empurrão para revelar algo. 

Mas em uma coisa aquele dia tinha sido diferente. Tão entretidos em suas jornadas de autodescoberta artística, não perceberam quando elas acabaram se convergindo em uma única jornada maior. Chegou um momento em que os dois estavam tão próximos, largados em uma das camas, que Todd ficou simplesmente hipnotizado por aqueles olhos castanhos, encantado por aquele sorriso sincero. Toda a afeição que ele sentia por aquele garoto se condensou e a alegria do momento o compeliu a tomar a única atitude que Todd nunca tinha pensado que teria coragem de botar em prática na vida real. Ele o beijou.

Todd fez a pequena distância entre eles desaparecer e encontrou os lábios do colega de quarto com suavidade, mas também determinação. Seus olhos se fecharam involuntariamente e a sua mente pareceu explodir em milhares de pedacinhos. Qualquer idéia coerente que havia ali desapareceu. Ele nem sequer notou se Neil tinha correspondido, mas assim que se deu por si alguns instantes depois, tratou de recuar. Que absurdo era aquele que tinha acabado de acontecer?

─ E-eu... Desculpa, eu não sei o que eu estava pensando... Desculpa. - Todd quase atropelou as palavras, se afastando mais e evitando olhar no rosto do outro.

Por um momento, Neil somente permaneceu ali, sem reagir, apenas absorvendo o acontecimento.

─ Não... - ele conseguiu falar quando percebeu que quanto mais tempo ficasse calado, mais nervoso Todd ficaria. - Não tem problema. Eu gostei.

Todd levantou o olhar para conferir se aquilo era real. Talvez uma pequena parte dele estivesse esperando que Neil começasse a rir, dizendo que obviamente estava mentindo e que Todd deveria ter visto a própria cara patética. Porém, nada disso aconteceu. Eram apenas paranóias exageradas e nada condizentes com a realidade. Não, o que Todd viu quando olhou para Neil foi, novamente, aquele maravilhoso sorriso sincero, como se houvesse uma sensação de contentamento tão grade que simplesmente tivesse que ser compartilhada. Ah, aquele sorriso acabava com as inibições de Todd.

Ele estava quase se levantando dali para impedir que mais ações estranhas e imprudentes ocorressem quando foi impedido por Neil. 

─ Espera. - Ele colocou a mão no ombro de Todd. - Não vá fugir. Não finja que isso não aconteceu.

─ E-eu não ia fazer isso. - respondeu, sem conseguir soar convincente.

─ Aham... - Neil concordou ironicamente. - Que bom, porque eu estava querendo tentar de novo.

Todd levantou as sobrancelhas. Ok, processando... Seus sentimentos mais atípicos em relação ao amigo eram recíprocos. E ele descobriu isso beijando Neil. Ele tomou uma iniciativa e o resultado foi positivo. Aquilo certamente não estava na lista de coisas que Todd imaginava que aconteceriam em um sábado tão comum. 

Bom. Neil sentia o mesmo, aparentemente. Era um alívio. Mas e agora, como fariam funcionar? Ninguém poderia saber, óbvio. Nem os amigos. Seria difícil esconder deles. E de professores. Não queriam ser expulsos. Se os pais soubessem, então? Seria o fim do mundo. 

─ Ei, Todd. Eu quebrei você? Não pense demais. 

O turbilhão de pensamentos apocalípticos do poeta foram interrompidos. Neil o olhava como se lesse sua mente e soubesse exatamente o que se passava ali. Todd já sabia que não poderia mais fingir, Neil o lia tão bem quanto fazia com qualquer trecho de peça teatral.

─ "Carpe diem", não é? O que devíamos aplicar em nossas vidas. Aproveite o dia, que se dane o resto. Se isso aqui não é carpe diem, eu não sei o que é. - Neil riu, se mantendo otimista enquanto esperava pela resposta do outro diante da proposta que havia entre suas palavras.

Diante da situação, Todd não se encontrava muito verbal. Palavras corriam desordenadas pela sua cabeça, mas não estava em sua capacidade proferir qualquer frase minimamente complexa. Culpa do Neil.

─ É. Carpe diem. - repetiu para demonstrar sua concordância com a idéia. Ele avançou e puxou o rosto de Neil para o seu, envolvendo os dois em um beijo arrebatador.


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