CRY BABY - The Storyfic escrita por puremelodrama


Capítulo 6
Soap




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 Em casa, tudo parecia estar surpreendentemente normal. Joseph passava o dia fora de casa, como sempre fizera, porém, agora, quando passava por Melanie ele tirava alguns segundos para lhe dar um oi, mas raramente fitando-a enquanto o fazia. Avanço. Murcy, habitualmente maquiada como um palhaço de circo, dançava pela cozinha com uma garrafa de álcool em suas mãos, dando-lhe leves beijos de vez em quando. Maluca.

 Aparentemente, ninguém mais havia batido à porta. Richard Thomson facilmente acreditara que Murcy estava sentida pelo desaparecimento repentino do marido, sendo que seria difícil associá-la ao seu sumiço, muito menos ao de Jane Thomson. Melanie também não havia mais visto Alexandre. Era óbvio que o garoto guardava rancor pelo o que ocorrera. O modo como ele a olhara quando viera à sua casa era facilmente memorável e preocupante. Um olhar de quem sabia algo, talvez. Rezou para que Alexandre nunca mais viesse a bater à porta outra vez.

 Dada aquela série de acontecimentos surreais que estava vivenciando, seria difícil outra coisa atormentar a cabeça de Melanie, porém, não conseguia deixar de pensar em um detalhe. Na noite em que achara os corpos mortos e ensanguentados de seu pai e Jane Thomson, Melanie sentiu terror, medo e desespero. Uma mistura de sentimentos novos e sufocantes que nunca pensou experimentar. Nenhum de seus sentimentos era semelhante à tristeza ou ressentimento. Sentira-se mal por haver um corpo morto, não por seu pai ser este corpo.

 É claro que não podia dizer que o amava, ou sentia qualquer afeto por ele, ela não o amava, e como poderia? Eles mal se falavam. Porém, Melanie sentia-se estranha ao não manifestar nenhum sentimento de culpa, tristeza, remorso, qualquer coisa, pelo o que estava acontecendo. Quase como se não fosse humana. Quase como se não tivesse alma. Quase queria poder pedir desculpas ao seu pai morto. Foda-se.

 No dia seguinte, fora à escola com certo receio do que poderia acontecer quando chegasse lá. Será que Lewis havia contado a alguém sobre o que ela fizera? Ou algum dos outros alunos? Mel mantinha uma pequena esperança de que as pessoas talvez a respeitassem e não falassem nada se pensassem que a garota poderia repetir o episódio com mais alguém. Sabia que era errado intimidá-los dessa maneira, mas era exatamente o que vinha sofrendo há anos nas mãos daquelas pessoas. Não considerava aquilo uma vingança, talvez um carma. "Sim, nada melhor do que uma boa desculpa esfarrapada para justificar a pessoa horrível que você é. Em breve estará andando com Francis e sua turminha". Falando no diabo.

 — Escute aqui, Martinez — disse Francis, acompanhado de seus fiéis seguidores. —, não é porque resolveu bancar a lutadora que eu vou te deixar em paz agora. Lembre-se de não ousar encostar um dedo em mim, posso te fazer cair no chão antes de você perceber. Você ainda é só um bebê chorão, não se esqueça.

 Apesar da ameaça que acabara de receber, Melanie mal pôde focar no que o garoto dizia, pois toda a sua atenção se desviara completamente para o arroxeado que Francis tinha no olho direito. Perplexa, Melanie se perguntou que pessoa teria tido coragem o suficiente para socar o olho de Francis Walter, seja lá quem fosse provavelmente já estaria morta.

 — O que é que você está olhando, garota? — perguntou Francis, dando um passo a frente.

 Melanie forçou-se a parar de olhar, pensando no que responder.

 — Nada... — então seguiu a conversa como se não houvesse nada novo. — Eu não esperava mesmo que me deixasse em paz, aparentemente você não tem nada melhor para fazer.

 Francis deu outro passo.

 — Não comece se não quiser levar um soco logo cedo.

 Porém, Melanie sabia que poderia dizer o que quisesse que nada aconteceria a ela.

 — Esse seu papinho já está saturado, Francis — Melanie sentiu-se estranha ao pronunciar o primeiro nome do rapaz pela primeira vez. — Você paga de valentão, mas é tão vulnerável quanto qualquer um de nós. Onde arranjou esse olho roxo?

 Melanie viu a fúria surgir imediatamente no olhar de Francis.

 — Isso por acaso é da sua conta?

 — Alguma menina te bateu, foi? — “Meu Deus, de onde veio isso tudo?”.

 Um dos capangas de Walter deu um passo a frente.

 — Há há, como se ele fosse deixar uma menininha fraca bater nele. Foi o pai dele quem...

 Antes que o garoto pudesse terminar a frase, já estava estatelado no chão. Francis o havia socado tão furiosamente que o menino berrava como um animal, de modo que era fácil deduzir que seu nariz havia quebrado. A mão de Francis estava tingida de vermelho, mas não tanto quanto o rosto do garoto atingido, o sangue escorria garganta abaixo.

 Umas das professoras enfim se aproximou rapidamente, ajudando o capanga sangrento a se levantar, lançando um olhar furioso a Francis logo em seguida.

 — Francis William Walter, para a diretoria, já!

 A professora levou o garoto ainda berrando para dentro, seguida pelos outros seguidores de Walter. Já este ficou parado por uns instantes, virou-se para Melanie e olhou-a profundamente, cerrou os punhos, mas logo os afrouxou. Virou-se de costas e saiu.

♠ ♠ ♠

Lewis comparecera à aula com o nariz cheio de curativos. Ele não dirigiu uma só palavra ou um simples olhar a Melanie. Durante as aulas, a garota conseguia responder às perguntas sem que fosse interrompida ou corrigida pelo sabichão, porém, nada o impedia de se exibir quando ele próprio as respondia. Sentia-se vitoriosa ao ver que conseguira o que queria. Lewis, aparentemente, não havia contado a ninguém sobre o ocorrido, já teria sido chamada na diretoria se fosse o caso. Que motivo ele poderia ter inventado para o nariz sangrando que convencera tão bem os adultos? Vá saber.

 Ao fim da aula, Melanie surpreendeu-se ao ver Elizabeth Anne e Johnny novamente se aproximando dela. A menina vinha saltitante enquanto o primo agia normalmente.

 — Melanie! — Beth Anne deu vários gritinhos de alegria. — Estávamos te procurando, gostaria de sair com a gente?

 Melanie pensou não ter ouvido corretamente. Sair? Sério? Melanie definitivamente sentia-se feliz por ter dado um soco em Lewis Cooper. Melanie nada sabia daquelas pessoas além de seus nomes, e mesmo assim estava sendo convidada para um passeio. Talvez o universo estivesse de bom humor.

 — Aonde vocês vão? — perguntou Melanie.

 — Acabaram de colocar um playground na praça — Johnny disse pela primeira vez desde o seu encontro com ele no festival.

 — E nós vamos para lá para brincar e tomar sorvete — completou Beth Anne, totalmente excitada. — Estamos indo agora, você vem ou não?

 Melanie queria muito ir, era uma ótima oportunidade para fazer amigos de verdade, seus primeiros amigos. A simpatia que aqueles dois demonstravam para com ela fazia Melanie sentir que não havia nada o que desconfiar. Além do mais, não havia ninguém em casa que notasse a sua ausência. Melanie aceitou o convite.

 Os três saíram a pé para o seu destino, que Mel acabou por descobrir ser um longo caminho, o qual fez seus pés começarem a doer. Beth Anne não parara de tagarelar um segundo sequer, enquanto Mel e Johnny seguiam lado a lado, em silêncio. Nunca havia ido à praça, por isso observou atentamente cada mínimo detalhe dos lugares por onde passava para que não se perdesse na volta para casa.

 Também não fazia ideia do que esperar de um lugar como aquele. Desde o festival, tomara trauma do que os lugares desconhecidos poderiam lhe oferecer. Mas, ao finalmente vislumbrar a praça cheia de bancos convidativos, rodeada de lojas, com casais de namorados andando abraçados e crianças pulando e rindo nos brinquedos, imaginou que não poderia ser tão ruim. Porém, não via ninguém conhecido naquelas ruas, nem da escola, nem de sua vizinhança, devia ser pelo fato de ser um lugar muito longe.

 Beth Anne entrou pulando no meio dos brinquedos, acenando para várias outras crianças que provavelmente eram seus amigos, eles acenaram de volta. Beth Anne gritou para Melanie se aproximar, o que a mesma fez de cabeça baixa. A garota mais velha apresentou Melanie às outras crianças, que, assim como ela, deram um vago "oi" e voltaram às suas brincadeiras. Não que fosse um evento incomum em sua vida, porém, tivera a impressão de que as crianças talvez não tivessem gostado dela, seria por ser mais nova? "Claro, coloque a culpa de sua horrível aparência e personalidade em sua idade, Melanie".

 Beth Anne se afastou e foi brincar ao lado de seus amigos. Johnny se aproximou de Melanie, visivelmente envergonhado, assim como ela, e parecia hesitante quanto a dizer algo. Depois de alguns minutos afundados em um silêncio constrangedor, Johnny finalmente se pronunciou:

 — Hã... Você quer brincar?

 — Sim... Claro — Mel respondeu de cabeça baixa.

 Melanie seguiu Johnny até os brinquedos. Havia um escorrega, circundado por uma pequena parede de cimento de no máximo vinte centímetros, dentro, estava repleto de areia branca, provavelmente para que ninguém se machucasse na descida. O brinquedo estava cheio, então uma fila formava-se atrás dele, Johnny entrou nela, com Melanie logo atrás dele. Logo após umas dez crianças, chegara a sua vez. De repente, pareceu se tocar de que nunca havia descido um escorrega, e imaginou qual seria a sensação.

 Melanie subiu com cuidado as escadas, sentou-se no topo, segurando nos apoios do lado. Olhou para baixo, não era tão alto. Algumas crianças gritavam impacientes para que descesse logo, então ela desceu. O dia estava quente, então o metal queimando contra a sua pele não era tão confortável, mas a sensação do vento no rosto era gostosa, de certa forma. Enquanto descia, levantou os braços para aproveitar melhor, mas a descida era tão rápida que quando notou, já estava no chão. Levantou e sacudiu a areia da roupa. Johnny a observava com um sorriso que Melanie não conseguiu compreender.

 — Eu gosto do escorrega — disse ele. —, mas não é meu preferido, quer ir a outro?

 Melanie assentiu e seguiu Johnny até a gangorra, havia somente duas em todo o playground e uma delas estava desocupada. Melanie sentou-se em um dos lados da gangorra e Johnny abaixou o lado oposto para se sentar, erguendo Melanie no ar. Mel e Johnny ficaram longos minutos na gangorra, se encarando e, de vez em quando, dando sorrisinhos envergonhados um para o outro. Mas, assim que suas pernas começaram a doer, pediu a Johnny para que descansassem. De repente, Beth Anne se aproximou do menino e disse:

 — Johnny, pode vir me empurrar no balanço? Não tem mais ninguém que eu possa pedir.

 Johnny saiu e foi para o balanço com Beth Anne. Melanie não pôde compreender totalmente a fala da outra garota, visto que uma porção de amigos seus estava por perto fazendo absolutamente nada, mas resolveu não dar atenção a esse detalhe. Contentou-se em sentar-se em um dos banquinhos da praça e observar o que acontecia ao redor.

 Observou Johnny empurrar Beth Anne no balanço, ela ia muito alto e ria de alegria. Não pôde deixar de reparar em como a menina era bonita, e não entendeu como uma criança daquelas podia estar tentando ser sua amiga. Beth Anne fora tão legal com Melanie desde que se aproximara dela, nenhuma criança com uma beleza e popularidade daquela lhe dirigira uma palavra sequer durante toda a vida, mas Beth Anne não, a menina era realmente legal. Melanie teria que conviver com este fato.

 Johnny, ao contrário da prima, não esboçava sorriso, parecia cansado em estar ali, empurrando-a. Johnny também era uma boa pessoa, Melanie queria muito acreditar que o menino a chamara para brincar por boa vontade, e não por educação, e queria manter essa visão dele o máximo possível. Johnny não falava muito com ela, o que Melanie imaginava ser por vergonha, mas, de qualquer forma, era melhor do que falar demais e falar bobagens, como Francis e Lewis o faziam.

 Depois de uns minutos, Johnny parou de empurrar Beth Anne e disse algo para ela, a menina fez uma expressão decepcionada, mas, depois que Johnny disse outra coisa, ela se animou e saiu do balanço com seus costumeiros pulinhos histéricos. Os dois foram em direção à Melanie.

 — Vamos tomar sorvete — disse Beth Anne.

 — Er... — Melanie estava constrangida.

 — O que foi?

 — É que... Eu não tenho dinheiro — Melanie quase nunca tinha dinheiro. Murcy não lhe deixava gastar com nada que não fosse da escola, e, se fosse outra coisa, ela e Joseph tinham de mentir para consegui-lo, ou encher-lhe a paciência até que ela cedesse.

 — Não tem problema, eu pago — disse Johnny. Melanie fitou o garoto, ele esboçava um sorriso simpático, e, então, Melanie não pôde deixar de notar como também era bonito.

 — Ah... Obrigada — Melanie devolveu o sorriso.

 — Então vamos logo — Beth Anne segurou a mão de Johnny e o puxou em direção a um caminhão de sorvete estacionado ali perto. Melanie foi logo atrás.

 O caminhão de sorvete era grande e rosa. Em cima dele exibia-se uma enorme réplica de casquinha de sorvete verde com confeitos. O teto do caminhão também era verde, dando a impressão de que o sorvete derretera e se espalhara por toda a parte de cima. Melanie o achou impressionante, principalmente o sorvete gigante.

 Na lateral do carro, uma grande abertura revelava um homem alto e magro, seus cabelos eram castanhos e seus olhos eram verdes. Parecia ser jovem, na faixa dos vinte ou trinta anos. O homem sorria e brincava com as crianças que pulavam diante do carro rosa.

 Beth Anne abriu espaço entre as crianças inquietas e estendeu uma nota de dinheiro para o homem:

 — Um sorvete de morango.

 — É para já, minha querida! — o modo como o homem falava e se movia lembrava a Melanie um cachorro agitado. Era ligeiramente engraçado de se ver, o que provavelmente mantinha todas aquelas crianças pulando em volta do carro. Aos rodopios, o homem pegou a nota e entregou o sorvete para Beth Anne.

 — Você quer de qual sabor? — Johnny perguntou à Melanie.

 Para a sua sorte, Melanie já havia experimentado sorvete várias vezes antes. Murcy não era má a ponto de privar uma das necessidades básicas de uma criança.

 — Baunilha — respondeu Melanie, timidamente.

 Johnny andou até o caminhão, comprando os sorvetes ao mesmo tempo em que o sorveteiro lhe bagunçava os cabelos aos risos. O menino voltou para Melanie e lhe entregou o doce.

 — Também é o meu preferido — Johnny sorriu. — Quer sentar?

 Johnny e Melanie sentaram-se num banquinho próximo ao caminhão na intenção de se observar a felicidade contagiante do homem do sorvete. Porém, era o máximo que se podia fazer naquele momento, pois os dois tomavam o sorvete em silêncio e não trocavam uma só palavra. O silêncio deixava Melanie mais constrangida a cada segundo que se passava. Após terminarem o sorvete, Johnny pegou as casquinhas e as jogou no lixo. Melanie gostava de comer as casquinhas, mas não disse nada.

 — O que quer fazer agora? — perguntou Johnny. Melanie apenas deu de ombros. — Tudo bem, podíamos fazer algo diferente.

 — Tipo o quê? — perguntou Melanie.

 — A minha prima é bem sociável, então não acredito que ela vá te deixar em paz tão cedo, e como ela me arrasta para onde quer que ela vá, pensei que poderíamos nos conhecer melhor.

 — Nos conhecer?

 — Sim, é o que amigos fazem, não é?

 A palavra "amigos" causou em Melanie um súbito frio na barriga. Então aqueles dois primos estavam mesmo dispostos a tornarem-se seus amigos. O pensamento não pôde deixar Melanie conter um sorriso.

 — É claro, e como fazemos isso? — perguntou Melanie.

 Johnny pensou por um instante antes de responder.

 — Já sei. Nós fazemos perguntas um para o outro. Nós nos revezamos, mas os dois têm de responder. Você começa.

 Melanie pensou. O que poderia querer saber sobre aquele garoto? Perguntaria sobre a vida? A família? Os sabores de sorvete que mais gostava?

 — Hã... Qual é a sua cor preferida?

 Johnny riu e Melanie não entendeu o motivo, mas, de qualquer forma, era uma risada agradável de ouvir.

 — Desculpe, é que não é o tipo de pergunta que eu esperava. Mas sem dúvidas, é azul. E a sua?

 — Bem... Acho que não tenho cor preferida... Acho que toda cor tem sua própria beleza, e não entendo como alguém poderia preferir apenas uma delas.

 — Uau, temos aqui uma poetisa — Johnny deu um soquinho de leve em seu braço e Mel deu um sorriso fraco. — Agora, é a minha vez. Seu nome completo, idade e nome dos seus pais.

 — Isso são três coisas — Melanie arqueou uma das sobrancelhas.

 — Vai, eu também irei responder — insistiu Johnny.

 — Está bem. Meu nome é Melanie Adele Martinez. Eu tenho dez anos e vou fazer onze daqui a uma semana. Eu tenho um irmão chamado Joseph. O nome da minha mãe é Murcy e o do meu pai... – "Do meu pai morto". Óbvio que não diria nada a Johnny, a última coisa que queria era assustar seu provável primeiro amigo com os dramas de sua vida. – É Jose...

 — Espera, Jose? Jose Martinez? Eu conheço seu pai, ele já foi à minha casa algumas vezes, nossos pais são amigos! Que coincidência.

 Era uma péssima coincidência. Uma questão de tempo até que o pai de Johnny comentasse algo com o filho sobre o sumiço de seu amigo. O que ela poderia dizer quando Johnny a questionasse? "Bom, acontece que meu pai traía minha mãe com a esposa do chefe e ela o matou enquanto estava bêbada". Seria melhor que agisse como Murcy e seguisse suas ideias para evitar maiores confusões.

 — É... Coincidência mesmo — respondeu, tentando conter o nervosismo e disfarçando com um leve sorriso. — Vai, agora você fala.

 — Tá bem. Meu nome é Johnny Eliseu Zimmer e eu acabei de fazer doze anos. Tenho descendência brasileira e meus pais se chamam Evan e Emily.

 — Você não tem irmãos?

 — Bom, meus pais nunca demonstraram interesse em ter outro filho. Além disso, eu cresci junto de Beth, ela sempre foi como uma irmã para mim, então, nunca senti falta. Imagino que você e seu irmão se deem bem, não é?

 — É... — Melanie e Joseph não se davam mal, mas com toda a certeza não poderia dizer que se davam bem. E como poderia? Ele era como um fantasma vivendo no quarto à frente. Melanie realmente pensara que o acontecimento com os cigarros poderia aproximá-los, pois enquanto desabafava e expunha seus verdadeiros sentimentos, Melanie o viu de uma forma tão diferente, como se ele estivesse em sua pele. Sangue do seu sangue. Quase como se pudesse dizer que eram irmãos, e não só dois estranhos saídos do mesmo útero. – É, claro. Muito bem — mas ele ainda era o fantasma do quarto à frente, e, assim como ela, criado para viver à mercê de um teatro sem fim.

 — Isso é ótimo — Johnny sorriu. — Sua vez de perguntar.

 Melanie, em momento algum, parara de pensar no porquê de Beth Anne e Johnny estarem tentando tanta aproximação com ela. E, devido a sua curiosidade, não desejava perguntar nada mais que não fosse relacionado a isso. Porém, pensou que talvez fosse cedo demais para tocar no assunto, então optou por perguntar algo mais leve e sutil.

 — Qual sua comida preferida?

 Johnny riu novamente, provavelmente achando cômico o tipo de perguntas que a garota fazia, mas, mesmo assim, as respondia de bom grado.

 — Eu sei lá. Pizza?

 Melanie novamente arqueou uma das sobrancelhas.

 — Isso é o que todos respondem.

 — Tudo bem, então, senhorita Diferente, qual a sua?

 — Bem, eu gosto de doces.

 — Qual deles?

 — Todos eles.

 — "Doces" é uma resposta bem abrangente — foi a vez de Johnny erguer uma das sobrancelhas.

 Melanie sorriu.

 — Assim como o meu gosto. Anda, pergunta você agora.

 Johnny sorriu de volta, dando-se por vencido.

 — Tudo bem. Então, a minha pergunta é: Quem é você?

 Melanie não entendeu.

 — Como assim? Eu sou Melanie, já falei.

 — Não, não. Quero saber quem é você de verdade, a sua história. Quero dizer, você não pode ser só uma maluca que sai batendo em garotos metidos e convencidos da escola, não é?

 — Minha... História? — "Maluca"? — Bem, eu sou só uma menina.

 — Não me diga — Johnny riu. — Vai, é só fazer um esforço, me conte sobre você, sua vida, o que faz, seus sonhos. Coisas desse tipo, sabe?

 Melanie pensou um pouco, qual era a sua história? Ela não vivia nada interessante que pudesse contar.

 — Hã... Eu... É que eu não sei o que dizer. Eu só passo os meus dias sozinha no meu quarto, eu não costumo sair. E eu não tenho muitos amigos — "Nenhum, na verdade” — Digamos que... As crianças da escola não gostam muito de mim.

 — O quê? Mas por quê? — o tom com que Johnny falara fazia aquilo parecer a coisa mais absurda do mundo.

 — Ah, eu não sei exatamente, eu achava que era por que eu tiro as notas mais altas, mas agora acho que é por causa da minha aparência e dos meus dentes. — Melanie dizia tudo aquilo sem mesmo pensar se Johnny seria de tamanha confiança. Nada poderia lhe garantir que ele não achasse graça naquilo tudo, ou que já a teria zombado antes na escola, sem ela ter sabido.

 — Então, você não tem amigos?

 Melanie balançou a cabeça.

 — Nunca teve? — Johnny tornou a perguntar e Melanie repetiu o gesto. — Nenhum mesmo? Nem um melhor amigo? Ou melhor amiga? Ou um namorado?

 Melanie, sutilmente, franziu a testa. Namorado? Será que ele estaria escutando bem ao que ela estava dizendo?

 — Nossa... — Johnny parecia com pena. A última coisa que Melanie desejava era pena, ainda mais vindo de seu "recém-amigo". — Eu nem consigo imaginar o quanto deve ser difícil para você. Imagino que deva ser bem... Solitário.

 Conte. "O quê?". Conte. "Contar o quê?". Você sabe o quê.

 — Sabe, Johnny, tem outra coisa...

 "Eu não posso contar isso". Você pode, você deve. "De que adiantaria contar? Se eu contar coisas desse tipo, eu vou afastá-lo...". Conte.

 — O que é? — Johnny permanecia atento.

 "Ele vai zombar de mim". Conte. "Não posso fazer isso". Conte. “Eu vou perdê-lo". Conte.

 — Eles me chamam de... Bebê chorão.

 Melanie abaixou a cabeça, sentindo-se constrangida. Não conseguia nem mesmo encarar o garoto. Não sabia o que esperar ouvir de Johnny numa situação daquelas, talvez nem mesmo ele soubesse, pois ficou calado durante algum tempo.

 — Ah... Isso é... Horrível — disse finalmente. — Por que te chamariam assim?

 — É porque eu choro facilmente.

 O silêncio perdurou novamente por mais alguns minutos. Melanie daria tudo para saber o que se passava na cabeça dele. Agora que ele havia descoberto tudo aquilo sobre ela, o que faria? Fugiria? Riria dela? Mel não sabia dizer.

 — Mas... E aquele garoto com quem você estava no festival há uns dias atrás? — perguntou, por fim. — Ele é seu amigo, não é?

 O tom com que ele fizera a última pergunta gerou alguma confusão na cabeça de Melanie. Dissera como se, no fundo, desejasse que não fosse verdade. Havia certo ciúme naquele tom de voz.

 — Não! — respondera rapidamente. — Não. Ele... Ele não é ninguém. Esqueça ele, por favor — Mel decidira que Alexandre seria uma parte de sua vida a qual manteria em segredo para sempre. Esperava nunca mais ter que ouvir ou falar dele. E certamente não precisava assustar Johnny com mais de seus problemas. — Olha, não precisa se preocupar. As coisas são como são, e eu não posso fazer nada.

 — É claro que pode, Melanie! É horrível, isso não pode continuar, tem que contar a alguém! Por que não contou aos seus pais?

 Contar aos pais seria tão útil quanto contar a ninguém, Melanie nunca cogitara essa ideia.

 — Acho que... Eles não entenderiam — "Eles não se importariam", corrigiu mentalmente. — Vamos deixar isso para lá, vai, agora você responde a sua pergunta.

 — Não, nós vamos resolver isso — respondeu Johnny. — Vamos falar com eles, são seus pais, claro que vão se importar.

 "Não os meus", pensou novamente.

 — Johnny, é sério, deixa isso para lá, por favor.

 O homem do caminhão de sorvete havia saído e se juntado às crianças no playground, correndo e rindo alegremente em volta dos brinquedos. Por mais que fosse estranho, Melanie desejava juntar-se a ele, apenas para fugir daquela conversa.

 — Melanie, me escuta, eu não vou deixar fazerem isso com você, não vou! — respondeu ele, decidido.

 Melanie não conseguia compreender o garoto. Ele estava tão determinado a ajudá-la, mas por quê? Conheciam-se somente há pouco mais de um dia, o que a tornava tão importante para ele para que pudesse defendê-la de tal modo? Sentiu certa admiração pelo garoto, que nunca sentira por ninguém antes. Aquele garoto, que mal a conhecia, se mostrava realmente disposto a ajudá-la.

 — Por que você se importa? — Melanie o questionou, confusa.

 Johnny lhe deu um sorriso.

 — Essas crianças devem ser tontas para dizerem coisas tão horríveis de uma pessoa tão legal como você.

 O coração de Melanie disparou, ela encarava o menino sem saber o que dizer, enquanto ele a encarava de volta. "Legal". Legal. Aquilo era o mais próximo de um elogio que Melanie recebera na vida. Legal. A palavra certamente passara a ter importância e significado para ela. Uma palavra qualquer, uma palavra solta, que de repente lhe era designada. Seria ela digna daquela palavra? Melanie nunca se achara legal, ou nada perto disso.

 — E-eu não sou legal. Sou só a menina feia e sem amigos da escola.

 — Bom, para mim, você não é nada feia.

 Johnny segurou uma das mãos de Melanie. O toque dele a fez arrepiar, e em menos de um segundo ela já não sabia mais o que sentia. Era algo semelhante ao que sentira por Alexandre quando conversaram em seu quarto. Não, não, não poderia ser. Lembre-se do que aconteceu. Havia se encantado por Alexandre, mas, no fim, ele havia se tornado mais um de seus piores pesadelos. Nada garantia que Johnny não tomasse o mesmo caminho que seu primeiro e decepcionante amor tomara.

 Sentimentos contrários brigavam pelo espaço dentro de seu coração. Sabia bem que a sensação que invadia seu corpo naquele instante denunciava fortes indícios de paixão, além de uma forte pulsação no peito ao pensar que Johnny poderia sentir o mesmo que ela. Porém, havia algo a mais que lhe gritava para correr para casa imediatamente. Não se permitir. Não se deixar levar. Não cometer o mesmo erro. Como aquilo poderia ser um erro? “Como o amor poderia ser um erro?”

 — Você acha mesmo que sou maluca? — Melanie involuntariamente soltara a pergunta, o comentário de Johnny voltando à tona. Não era uma palavra solta. Ela mesma já lhe designara esta algumas vezes, embora os últimos minutos de sua conversa com Johnny pudesse estar expulsando a palavra de dentro de si.

 — Não — Johnny acariciou o lado esquerdo de seu rosto. Lá vinha a forte pulsação no peito outra vez. — Eu não acho.

 — Johnny... Eu... Eu acho que te amo.

 As palavras saíram de repente, tão rápidas que ela só as notou depois de dizê-las. Os dois arregalaram os olhos, espantados. Johnny não disse uma só palavra. Melanie morria de vergonha por dentro e por fora, desejando nada mais do que um buraco no chão para enfiar a cabeça, enquanto sentia seu rosto enrubescer. O que tinha na cabeça, afinal? Dizer a um menino que mal conhecia que o amava? Só porque ele havia sentido pena dela? O quão idiota parecia naquele momento?

 Fez a única coisa que lhe passou pela cabeça. A única saída. Correu. Correu para longe dali, direto para sua casa, sem esperar que Johnny dissesse algo. Certamente agora ele lhe acharia maluca. Melanie não queria ver o rosto dele nunca mais, seria muito vergonhoso. Jurou para si mesma nunca mais dizer aquelas palavras, nunca. Agora, a única coisa que lhe restava fazer era esconder-se em seu quarto e urgentemente tratar de lavar a boca com sabão.


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