CRY BABY - The Storyfic escrita por puremelodrama


Capítulo 1
Cry Baby




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/784997/chapter/1

Baldwin, Nova Iorque

1865

 

Embora cada pequeno choro ou grito que se ouvisse nas salas de parto significasse o surgimento de uma vida, o lugar aparentava mais morto do que nunca. Hospital Rutledge: Atendimento Médico, Centro de Operações e Clínica Privada, o maior e melhor hospital da região, ou pelo menos esperavam que fosse. Era estruturado com salas de cirurgia, maternidade, alas psiquiátricas e, talvez propositalmente (de qualquer forma, uma grande ironia), construído ao lado de um orfanato de tamanho razoável que esbanjava tristeza e proporcionava um sentimento de pena a qualquer um que punha os olhos nele. Seu jardim era lindamente decorado com uma plantação encantadora de rosas brancas. Os corredores de cor branca do hospital eram preenchidos unicamente pelo silêncio enquanto o ar cinzento do ambiente causava arrepios em qualquer um.

 No entanto, instantes depois, era possível ouvir um som baixo de pequenos batuques constantes caminhando pelo chão, que logo foi ficando mais alto. E mais alto. Até que se pudesse identificar os sons dos saltos altos de uma mulher andando apressadamente. Indo até um quarto bastante específico, a enfermeira levava grandes toalhas em seus braços enquanto tentava localizar o número certo nas várias portas do longo corredor. O encontrou bem ao final, o último quarto.

 Assim que a porta fora aberta, o médico imediatamente depositou a pequena criaturinha chorona em seus braços. Ela o segurou firmemente e ao mesmo tempo com delicadeza, temendo que qualquer movimento pudesse machucá-lo. O médico saíra rapidamente para limpar os braços cobertos de sangue. O bebê não parava de berrar um segundo sequer. Seu choro se misturava ao tique-taque do relógio de pêndulo fixado ao lado da porta.

 Toda a barulheira parecia irritar profundamente a mulher deitada na cama de parto. Os cabelos louros estavam tão emaranhados que um pente poderia arrancar-lhe um bom punhado de tufos caso ousasse entrar ali. Nas bochechas, as lágrimas se misturavam aos resquícios de maquiagem que pintavam seu rosto numa cachoeira de cores. As partes interiores de suas pernas estavam ensopadas de sangue, consequentemente manchando os lençóis a qual se encontrava deitada. Seus olhos estavam fortemente fechados e as sobrancelhas franzidas enquanto pressionava firmemente as mãos aos seus ouvidos.

 Ao lado da cama, numa poltrona, jazia um menino de aparentes oito anos de idade. Os cabelinhos castanhos eram perfeitamente repartidos de lado e a camisa social amarela era bem arrumada, com um bonito laço azul marinho rodeando a gola. Uma enorme bolsa de cor rosa bebê repousava em seu colo. O rosto do garoto era indiferente, era perceptível que preferia estar em qualquer outro lugar que não fosse naquela poltrona.

 A enfermeira Moira Callum fitou o pequeno bebê chorão, tentando identificar seu sexo. Numa tentativa de acalmá-lo, ela o balançou muito levemente, mas infelizmente não funcionara. Aproximou-se da mãe da criança, que ainda concentrava todos os seus esforços em não ouvir os berros da recém-nascida.

 — É uma menina — disse, mas a mulher não parecia tão feliz com as novas notícias, parecia prestes a arrancar as cordas vocais da filha a qualquer segundo.

 — Ai, meu Deus. É um bebê chorão — A mulher finalmente destampou os ouvidos e brutalmente arrancou a bolsa do colo do menino ao lado, retirando lá de dentro um maço de cigarros e lançando novamente a bolsa a seu devido lugar. — Eu não suporto isso, tire logo essa praga daqui.

 Depositou o cigarro entre os lábios e estalou os dedos frente ao rosto do garoto, que retirou da bolsa um isqueiro e ergueu-se na ponta dos pés para acendê-lo para a mulher. Moira fitou com pena o rostinho da bebezinha em seus braços. Seus olhos marejavam e seu coração se partia vendo-a chorar descontroladamente diante de sua infeliz recepção ao mundo. “Eu sinto muito”, lamentou mentalmente pela criança, que berrou ainda mais alto. Ainda agitando-a levemente, deixou o quarto.

 O menino do laço azul marinho depositou a grande bolsa rosa em cima de um pequeno armarinho na extremidade do quarto, seus olhinhos castanhos localizaram uma certidão de nascimento ao lado. Ele a pegou e correu os olhos pela quantidade razoável de palavras que já sabia ler, pediam-se dados sobre o bebê. No alto da folha, as palavras diziam “Olá, meu nome é...”, havia um espaço para completá-las. O garotinho se virou para a mãe.

 — Ela vai morar conosco?

 — Pois é, né — respondeu a mulher, totalmente indiferente enquanto tragava.

 — Como vamos chamá-la?

 A mãe riu debochadamente.

 — Que tipo de nome se dá a um bebê chorão?

 O menino fitou o papel. Que tipo de nome se dá a um bebê chorão? O garoto não conhecia muitos nomes femininos. Suas poucas amigas da escola lhe passaram pela mente. Rachel. Anna. Dolores. Clementine. Claire. Pensou então em batizar-lhe com o mesmo nome da mãe. Talvez alguma personagem fictícia famosa? Nada parecia ser adequado o suficiente. Por fim, pegou uma caneta na bolsa da mãe e começou a escrever em uma caligrafia desajeitada.

 “Bebê Chorão”.

♠ ♠ ♠

1876

 

O mês de abril era marcado pelo início da primavera. Era comum que as pessoas mais novas, com o pouco tempo de vivência e com suas imaginações férteis e inocentes, esperassem que um sol radiante surgisse no meio do céu azul limpo. Folhas verdes e fortes nos galhos das árvores. Flores desabrochando e esquilos correndo das perseguições de crianças sorridentes e enérgicas. Porém, o mundo real não era um país das maravilhas, pelo menos não em Baldwin, não para Melanie.

 Mesmo com apenas quase onze anos de idade, a menina sentia que já havia vivido cem. Sua rotina repetitiva e sem graça tornava sua vida facilmente insuportável, a monotonia dos seus dias dificultava a se levantar da cama, o que era preocupante para uma pessoa de tão pouca idade. Não havia nada o que pudesse fazer. As crianças da escola frequentemente se mostravam idiotas e insuportáveis. Sua família estava sempre ocupada e distante, e o tempo que lhe prestavam atenção era dedicado a criticar cada, em todos os mínimos, mesmo microscópicos, detalhes de sua pessoa. Sem amigos e sem qualquer propósito, a sua vida se baseava em se afundar na magia que o seu próprio pensamento podia proporcionar.

 Sentia que com toda aquela solidão, aprisionada no quarto ao longo dos anos, estava ficando doente. Saía de casa somente quando necessário, às vezes passava longos meses pondo os pés para fora de casa somente para ir à escola. De qualquer forma, não gostava nem um pouco do mundo do lado de fora de seu quarto. Sentia algo que poderia se aproximar do medo. Não medo do mundo e das pessoas em si, mas sim do que eles poderiam causar a ela. Qualquer um que conhecesse basicamente os males do mundo poderia concordar que era um lugar cruel demais para uma criança como aquela. Continuar imersa em sua fantasia era sua melhor e mais segura opção.

 Mas ela sabia que sua magia não poderia protegê-la do mundo para sempre. Em algum momento, todos devem abandonar para sempre seu país das maravilhas, devem acordar e crescer, isso a apavorava. Ela não queria acordar, nunca. Costumava imaginar como seria ser criança para sempre, era o que mais desejava, a salvaria desse desastre desenfreado que caracterizava a vida adulta.

 — Acorde logo, menina preguiçosa! Levante antes que eu entre aí! — a manhã começava com o doce som da voz de sua mãe gritando na porta de seu quarto, seguido de fortes socos.

 Levantou-se assim que chamada, mesmo já tendo acordado há vários minutos, não havia pressa alguma em enfrentar o circo de horrores do lado de fora. Andou a passos lentos até o pequeno banheiro que continha dentro do quarto, limpou-se e se aprontou, evitando a todo custo o espelho. Antes de sair escolheu um livro qualquer da sua estante e o enfiou na mochila. O sortudo livro teria a honra de acompanhar a garota durante longas horas solitárias até a hora de voltar para casa.

 Desceu as escadas e adentrou a cozinha, onde a família já reunida comia em silêncio. Ninguém trocava uma só palavra, nem ao menos tinha o prazer de presenciar algumas olhadelas discretas entre eles. Nada. O pai focava inteiramente em seu jornal, já bem vestido para o trabalho e realizando o impulso de empurrar para cima os óculos que insistiam em escorregar pelo nariz. A mãe apenas saboreava alguns goles do café quente com seus olhos tediosos fitando as unhas recém-pintadas, mesmo àquela hora da manhã, seu rosto já concentrava mais cores do que qualquer outra coisa no campo de visão de Melanie. Seu irmão fazia apressadamente seu dever de casa, como se tivesse deixado para a última hora, levava um lápis em uma mão e uma torrada na outra, a qual tirava pedaços em grandes intervalos.

 A cena era tão frequentemente presenciada por Melanie todas as manhãs que aos seus olhos havia se tornado uma fotografia. Todos os mínimos detalhes e movimentos dos membros da família já estavam gravados em sua memória. Sentou-se à mesa, preparando leite com chocolate para si, não costumava ter muita fome durante a manhã, então assim que largou o copo vazio na mesa jogou sua mochila de volta nas costas e saiu de casa sem dizer uma palavra.

 Apesar dos pesares, não ousava se queixar muito. Ter uma casa, uma cama quente, quatro refeições ao dia e uma educação adequada em uma boa escola lhe proporcionava algum conforto quando se pegava pensando na piada que era a sua vida familiar, ou pelo menos se esforçava para parecer que era um conforto. Se não funcionasse, se obrigava a pensar nas milhões de crianças abandonadas nas ruas, vasculhando o lixo em busca de algo que pudessem mastigar, nesses momentos, talvez se sentisse um pouco melhor. “Mas se eu tenho tudo para ter uma vida digna, por que eu me sinto tão vazia?”.

 A escola era suficientemente perto para caminhar até lá (para a grandiosa felicidade da garota, assim como a de seu pai, que não precisaria tomar um caminho diferente ao do trabalho para levá-la ao local), o que certamente não era um incômodo. Sua escola era uma das mais prestigiadas da cidade, de três grandes andares, possuía um enorme refeitório, um playground dos mais variados brinquedos e uma quadra de esportes gigantes, além de laboratórios e salas bem equipadas com as melhores ferramentas de ensino. Porém, aquele lugar de prestígio abrigava mais crianças ricas do que inteligentes, não importava se eram grandes cabeças ocas, qualquer um passava pelo portão se carregasse um título ou sobrenome nobre.

 Chegara cedo demais e a aula estava longe de começar. Foi até um dos banquinhos situados no pátio, onde as crianças que chegavam mais cedo geralmente ficavam correndo, gritando ou fazendo os deveres de casa atrasados. Tirou o honrado livro de dentro da mochila e começou a ler. Era o que normalmente fazia quando não estava em aula. Sentar e ler. Tinha certeza absoluta de que também se tornara uma fotografia nas mentes alheias. Porém, qualquer tempo longe de sua família era um tempo que valia a pena.

 Infelizmente, sua paz não durava muito. Um dos garotos mais velhos, Francis Walter, começava a encher-lhe a paciência quase todos os dias sempre que a via. O brutamontes normalmente vinha-lhe encher de xingamentos e provocações, mas não chegava a encostar-lhe um dedo. De qualquer forma, as palavras do menino doíam como um soco no rosto.

 O garoto aproximou-se dela com o seu grupinho de amigos (ou serviçais, como Melanie costumava chamá-los) em sua cola. Melanie continuou fitando as páginas do livro na esperança de que fossem embora, mas continuaram parados de pé bem ali. De má vontade, fechou o livro e encarou os trogloditas à sua frente.

 — O que é que vocês querem hoje? — perguntou Melanie com impaciência.

 — Veja lá como fala comigo, garota. Mais uma palavra e você não conseguirá levantar da cama amanhã de manhã. — respondeu Walter.

 Melanie arqueou uma das sobrancelhas. O garoto com seus míseros treze anos agia como se fosse o dono do lugar. Era até forte demais para a sua idade, o que não compensava a burrice, mas ela sabia que ele nunca batia em mulheres, só ameaçava. No máximo era visto socando alguns garotos das séries abaixo da dele.

 — Eu duvido você tentar algo — Melanie arriscou uma provocação, mas temendo que ele realmente pudesse tentar algo. — Se o tempo que passa enchendo a paciência dos outros gastasse lendo, talvez não fosse tão burro.

 O garoto cerrou os punhos e seu rosto adquiriu um tom tão avermelhado que parecia prestes a explodir. Um de seus “escravos” tomou a frente e disse:

 — Cuidado com o que diz, vaca. Não bato em meninas, mas para você posso abrir uma exceção.

 — Cale a boca, Harris — Francis empurrou o menino para trás e se aproximou de Melanie, fazendo-a levantar a cabeça para conseguir olhar o rosto feio do garoto. — Está agressiva hoje. Será que é porque tomou coragem ou foram somente as palavras que finalmente conseguiram fugir dessa porta no meio dos seus dentes?

 Walter e os outros meninos desataram a gargalhar no mesmo instante. O garoto chamado Harris riu como se fosse a coisa mais engraçada que ouvira na vida. Melanie abaixou a cabeça sentindo-se constrangida.

 Um dos maiores motivos que levavam as outras crianças a atormentá-la todos os dias era o fato de que era a única da escola que possuía dentes defeituosos, seus dois dentes da frente eram demasiado separados e os de baixo eram tortos. Aquilo a tornava motivo de chacota diariamente, e lhe rendia apelidos como “abridor de latas” e “castor”. Nessas situações, obrigava-se a fingir que não ouvia, mas é claro que não conseguia ignorar quando estava sozinha em seu quarto.

 — Talvez você não saiba, mas existe algo chamado dentista — continuou Francis. — Devem cobrar mais caro para o seu caso. Precisariam usar martelos para juntar essa coisa.

 Os meninos riram ainda mais. Melanie escondia seu rosto numa tentativa de segurar as lágrimas involuntárias. “Por favor, não chore”, disse a si mesma.

 — Ei, Martinez — outro dos meninos chamava Melanie. — Deve ser legal, né? Para comer não precisa nem de abrir a boca.

 “Diga alguma coisa, vamos”. Mas não conseguia, sentia suas lágrimas implorando para sair. Melanie odiava demonstrar fraqueza na presença de outras pessoas.

 — O que foi? — dizia Francis com o rosto próximo ao dela. — Quer dizer alguma coisa, bebê chorão?

 — E-eu... Eu...

— “Eu... Eu...” — Francis respondeu debochadamente. — Você é só uma menina esquisita e boba, por isso não tem amigos. Ninguém quer ser amigo de uma estranha igual a você.

 E então as lágrimas de bebê chorão saíram da escuridão, derramando onde todos podiam ver e a tornando ainda mais vulnerável. Era em momentos como esse que o ódio por si mesma vinha à tona, o modo como ela se deixava facilmente ser dominada pelas lágrimas lhe irritava. No entanto, não compreendia o porquê daquelas pessoas lhe fazerem mal, o porquê insistiam em abrir as torneiras de seus olhos. Seria algo que lhes dava prazer, ou apenas um passatempo, uma maneira de liberar o ódio e angústia que carregavam em seus corações?

 — Ai, coitadinha. Ela está chorando — disse Francis. — Agradeça porque ainda não lhe demos boas razões para chorar, bebê chorão. Porque não pede a sua mamãe uma chupeta de presente?

 — E tente se parecer como uma garota — Harris tornou a falar. — Seu cabelo está pior que os nossos juntos.

 — Cale a boca, Harris — Francis revirou os olhos e em seguida arrancou o livro da garota e o atirou longe.

 O livro atingiu em cheio uma pequena poça d’água que fora deixada pela fina chuva da madrugada. Os trogloditas riram mais um pouco e enfim se afastaram ao toque do sinal da primeira aula.

 Ainda com as lágrimas salgadas escorrendo-lhe pelo rosto, Melanie correu até o seu livro e o pegou com cuidado. Levou-o estendido nas mãos para dentro da escola, enquanto pedia com toda a sua alma que aquele dia passasse o mais rápido possível para trancar-se em seu quarto até o dia seguinte. Mas ela sabia que não seria assim. Não seria tão fácil. Nada era tão fácil para a bebê chorão.

♠ ♠ ♠

 — Menina, bata a porta mais uma vez e eu vou fechá-la no seu braço!

 Ignorando o sermão da mãe, subiu batendo os pés na escada para o segundo andar. Correu até o seu quarto e trancou a porta. Quase como um remédio, a atmosfera de seu quarto a relaxou completamente e ela soltou um suspiro de alívio. “Ninguém pode me machucar aqui”. Jogou a mochila de lado e foi verificar o estado de seu livro. As folhas estavam enrugadas e ainda meio molhadas, a tinta no papel borrara e havia vestígios de lama e terra entre as páginas.

 Melanie arremessou o livro para o outro canto do quarto com força e enterrou o rosto no travesseiro, deixando que as lágrimas se libertassem outra vez. Talvez pudesse estar sendo dramática, talvez fosse somente sensível demais, talvez seus sentimentos fossem precipitados, porém nada ali era tão real quanto o seu ódio. Odiava sua vida, odiava a escola, odiava a sua família, odiava as pessoas e como elas eram malvadas, egoístas e cruéis. E odiava ter de enfrentar aquele mundo desprezível diariamente.

 Um dos piores pesadelos era os da escola, eram grandes, fortes e invencíveis. Melanie costumava sonhar com eles, sonhos horríveis, onde tomavam formas desumanas e a puxavam para um grande buraco no chão, onde era queimada viva enquanto rasgavam-lhe a carne do rosto. Já pensara várias vezes se conseguiria enfrentá-los, mas se nos sonhos era impossível, quem diria no mundo real. Mesmo antes de começar a falar, as suas lágrimas de bebê chorão surgem e os seus sentimentos se escondem em seu coração.

 No entanto, havia algo dentro dela, alguma vozinha que talvez fosse o mais próximo que podia chamar de amigo, que lhe convencia o contrário do que as pessoas insistiam em lhe dizer. “E se forem os outros que precisam de um conserto?”. “E se não for eu de cabeça para baixo, mas sim o resto do mundo?”. Então se pegava imaginando sendo uma garota normal, vivendo uma vida normal. Aqueles pensamentos, tão distantes da realidade, lhe faziam mais uma vez marejar os olhos.

 Entraria sorrateiramente no quarto da mãe, onde longe dos olhos do papai, ela lhe ensinaria requintadas dicas de maquiagem (numa fantasia distante da realidade, a mãe saberia se maquiar) e a fenomenal arte do flerte.

 Numa praça qualquer da cidade, o pai impulsionaria levemente a bicicleta já sem rodinhas na qual Melanie estaria aprendendo a pedalar (fora da fantasia, uma quantidade absurdamente grande de tombos foi necessária até que aprendesse a andar sozinha).

 O irmão entraria furtivo em seu quarto lhe trazendo algum doce proibido ou alguma travessura planejada na mente, dividindo toda a sua sabedoria travessurística com a irmãzinha.

 Às refeições, todos conversariam alegremente e olhariam diretamente nos olhos uns dos outros, papai acariciaria a mão de mamãe como se ela realmente fosse a única mulher de sua vida.

 Na escola, seria recebida por seu grupinho de amigas que lhe segredavam maliciosamente ao ouvido que um dos garotos mais velhos estaria interessado nela e queria ver-lhe atrás da escola após a aula.

 E, aos fins de semana, passearia pelas ruas ou tomaria sorvete com algumas de suas amigas ou até mesmo algum dos garotos mais velhos (o que o pai reprovaria, fuzilando o garoto com os olhos).

 Seu país das maravilhas era mesmo incrível, tão promissor e esperançoso, e tão impossível. Sua família era uma piada. A escola era uma piada. A vida era uma piada. Vez ou outra observava de longe algumas famílias vizinhas vivenciando tudo que só lhe era permitido fazê-lo em sua mente. Como algo tão comum e habitual para outras garotas era um sonho tão distante para ela própria? Surpreendentemente, odiava sentir pena de si mesma, mas aquilo tudo era somente cruel demais, causava-lhe tristeza. Inveja. Raiva. Ódio.

 Eles a chamavam de bebê chorão. Ela dizia não se importar, mas o fazia para se convencer de que estava tudo bem. Nada estava bem, nada nunca estaria bem, isso a deixava com medo do que quer que viesse pela frente. Medo do incerto. Futuro. Se ao menos algo lhe trouxesse alguma esperança, uma mensagem, uma certeza, qualquer coisa que lhe dissesse que não precisava se preocupar, que nem tudo estava perdido e que nunca mais precisaria chorar. Mas não havia nada nem ninguém que a fizesse acreditar que poderia acabar bem. Afinal, ela era a bebê chorão. A garota mais triste cujo coração era maior que o seu corpo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "CRY BABY - The Storyfic" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.