O frio de Londres, as ruas sujas e cada pessoa com a face assustadora e intimidadora, nenhuma delas afugentou Alice do seu objetivo naquela noite, nem mesmo as lembranças de que logo deveria estar na casa de sua adorável tia para não ser ameaçada em ser levada ao bordel e pagar cada tustão gasto para alimentá-la, ser desprezível de existência e que Alice não tinha um pingo de afeição ou sentimento a não ser o total desprezo.  

Mas ela ainda custava em ir até o local da sua adorável amiga. Fran era a garota mais honesta que conhecia, mesmo que trabalhando em um lugar imundo e que faria mal aos pensamentos da própria, Alice ainda pensava que poderia de alguma forma escapar do inferno que passava na própria mente para auxiliar a mesma, ver o rosto dela outra vez... Mesmo que nos momentos em que a olhava, seu olhar estivesse perdido. 

Estava anoitecendo e pelos céus, o cinza mostrava que a escuridão e breu da noite eram comuns antes da hora, mas não a intimidando.  

Passando pelos frequentadores do bordel, dos marinheiros e policiais, dando a volta para chegar aos fundos do "estabelecimentos" e entrar pelo que deveria ser a despensa, andando e seguindo apressada pelas escadas e do caminho já decorado, bateu na porta fechada, sendo convidada a entrar. 

Na cama, estava ela. Cabelos negros e presos em um penteado que poderia se assemelhar a aristocracia, mas um pouco torto e com enfeites gastos. Da roupa, vestia apenas as intimas e Alice tinha conhecimento de que Fran pagou para ainda vestir a mesmas, mostrando o corpo volumoso e pálido.  

"Alice?"  

A luz de velas e da cor do quarto, o olhar da sua amiga brilhava ao vê-la, alegre em ver um rosto conhecido entre tantos outros. Sorriu e se sentou ao lado de Fran, lhe segurando as mãos e a entregando uma caixinha pequena de papel.  

"Trouxe para você... A última vez em que vim aqui, comentou comigo que sentia falta de casa" e enquanto explicava, Fran abriu a caixinha com delicadeza e tomou o pequeno doce que se tinha ali, o mesmo tremendo em sua mão "Não se sinta ofendida, por favor" 

"Como poderia me ofender? É a única pessoa que se preocupa comigo..." sussurrou, como se fosse um segredo. 

Mordendo o doce, Fran deixou a caixinha de lado e ofereceu a outra metade para Alice que mesmo recusando, acabou por morder um pedaço e provar o gosto cítrico. O gosto e o momento, tudo remetia a Fran, ao cheiro que sempre marcava o ambiente da qual ela tinha, das cores e trejeitos, dos gestos. O cítrico era Fran. 

"Eu não posso nem beijar você sem passar uma doença..."  

A lamentação era um dos vários detalhes que conseguia se mostrar na face jovem de Fran, o tormento da amante da qual não teria o toque, o quão depravado que era considerado apenas por pisar ali. 

"E eu não posso ser vista contigo para não pensarem que é louca também" 

Mas em uma simples atitude, Alice se aproximou devagar e de sua iniciativa, seus lábios tocaram com delicadeza a pele de Fran, sentindo o calor se sua bochecha e ao se afastar, contemplar o corar se mostrar tão belo com os pontinhos doces e espalhados em sua pele. 

Passaria a eternidade ali... Passaria as horas. 

Mas sempre estava tarde.  

E Alice? Estava atrasada.