Aletho escrita por Calisto
Ela não pisa na grama.
Ao menos, não quando está calçada. E eu rio, porque apesar daquele jeitão rebelde ela diz que as solas dos sapatos machucam as folhas. Ela diz que a terra foi feita pros pés.
Ela tem o mundo dela, as regras dela, e toda vez que eu a olho eu vejo o universo.
E eu juro, o universo me vê também.
E é como se um milhão de estrelas nascessem e morressem de uma vez. Eu me sinto doente com a radiação de mil quasares, ardo como perenes sóis, e nem a gravidade mantém meu corpo coeso. Ela não faz ideia, mas ela me desconjunta inteiro.
Minha língua adormece, meus olhos não piscam, o coração acelera. Minhas mãos querem desesperadamente envolvê-la em meu corpo e eu só quero estar dentro dela.
A melhor parte é que eu sei que ela também me quer.
Eu sei porque eu a flagro me olhando de soslaio. Porque um sorriso se desenha nos lábios dela quando eu digo seu nome. E porque as marcas de arranhões nas minhas costas se encaixam perfeitamente em suas mãos. Porque quando as minhas mãos passeiam por dentro de suas coxas ela fica molhada como o dia em que veio ao mundo.
E nessa hora, nós transamos com os olhos.
Os olhos dela são tão escuros que me sinto a beira de um abismo toda vez que os confronto. Fora, ela era uma rainha, mas ali, no colchão de espuma surrado e meio gasto, sob a luz de fim de tarde que invade o cômodo pela claraboia, nós travamos uma luta diária pela soberania, onde eu também tenho uma chance. Éramos dois leões, dois lobos disputando o domínio. Ela morde meu pescoço para abafar os maiores gritos, e os meus são abafados pelo seu sexo na minha boca.
Tudo sobre nós é natural. Orgânico. Entre os corpos suados, respiração entrecortada e risadas disfarçadas de gemidos, somos quem somos. Ela anda de mansinho, tem passos suaves como brisa de verão, e os quadris rebolam ao ritmo de uma canção que só ela ouve. Ela me hipnotiza toda vez que se move, exalando malte, sarcasmo e piadas ruins. Quando ela ri, se abre um furinho no queixo e pequenas rugas no canto dos olhos. Mesmo nua, ela está sempre coberta de verdade. Nua, ela é mais poesia que mulher.
Eu gosto de senti-la se encaixar em mim quando terminamos. Era como se nossos corpos fossem peças perdidas de um quebra cabeças. Ela faz pose pra fotos que não estão sendo tiradas, ela flerta com o barman para conseguir bebidas de graça, e tem a boca tão suja que deixaria George Carlin sem graça. Mas ela cora quando a beijo de surpresa.
Eu corro meus dedos pelos seus contornos, sentindo a pele beijada de sol, só pra depois afundar nos cabelos negros, cheirando a coco e Lucky Stryke.
E o sortudo* sou eu.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
*Lucky Stryke é uma marca de cigarros britânica. Lucky traduz-se para sortudo.