Girassol escrita por they call me hell


Capítulo 17
Novo Começo




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— 17 —

 

Quando as coisas se acalmam depois do final de ano, me concentro em procurar um trabalho adequado nos classificados do Profeta Diário. Ainda tenho algumas economias de emergência, então não estou desesperada, o que me permite ser mais criteriosa em minha escolha. Enquanto não encontro nada que me agrade, Fred me convida para ajudá-lo na loja, mesmo que não seja necessário no momento, e fico feliz em ser útil.

Ao contrário do imaginado, ele não me coloca para ajudar no atendimento aos clientes. Ao invés disso, me mostra alguns projetos engavetados e tento ajudá-lo da melhor forma possível, recomendando feitiços, observando testes e dando algumas ideias que acabam resultando em outros projetos. Por mais que tenha sido contra a sua definição de diversão por muitos anos, agora acho tudo muito engraçado e inofensivo.

Ao longo da semana vejo mais explosões do que vi em toda a minha vida e quando bebemos juntos na sexta-feira, estou tão empolgada quanto estava ao trabalhar no DDM, o que apenas me prova que posso ser feliz mesmo sem estar fazendo aquilo que sempre sonhei. Conto isso para Fred entre uma caneca e outra, e ele ri.

— Fico feliz em poder ajudar de alguma forma.

— Me sinto muito melhor sobre o que aconteceu, agora que os dias se passaram e estou ocupando minha mente com coisas novas.

Ele me olha com uma expressão satisfeita e, de repente, estou satisfeita também.

— Eu achei que estava perdida, mas as coisas estão indo tão bem que me sinto mais leve agora. Obrigada, Fred.

— Não precisa agradecer. Na verdade, eu é que deveria agradecer por ter me ajudado com tantos projetos essa semana, então: obrigado, Hermione.

Penso em dizer algo, mas meu relógio de pulso apita e perco minha linha de pensamento ao pará-lo. Vejo que já são oito e meia, e isso soa estranho.

— Gina e Harry estão atrasados, isso nunca aconteceu antes. Eu deveria checar se estão bem.

Fred quase engasga com a própria cerveja, me fazendo gargalhar.

— Não há razão para se preocupar, eles estão bem.

— E como você sabe disso?

— Eu pedi para que demorassem um pouco.

Ergo uma das sobrancelhas para ele, sem entender.

Ele termina sua caneca, limpa os lábios com um guarnadapo e ajeita os cabelos teimosos com a mão, muito tranquilo.

— Não sei se essa é a melhor hora, mas quem realmente sabe quando é a melhor hora? — ele diz, mexendo em algo por baixo da mesa que suponho ser o bolso da calça. — Eu apenas senti que deveria fazer isso.

O vejo levantar e parar ao meu lado, me pegando pela mão e me ajudando a levantar também. Meus olhos focam nos seus e, depois, em suas mãos, onde está uma caixinha preta que ele abre devagar, revelando um anel de prata.

— Estive pensando nisso desde a véspera do natal, mas decidi esperar um pouco mais para que você se sentisse confortável. Eu sei que estamos juntos há apenas alguns meses, mas sinto que não poderia ter alguém melhor na minha vida.

As pessoas nas mesas ao redor começam a nos olhar, sorrindo e apontando. Eu estou tão surpresa que não me importo com isso, olhando para Fred e ouvindo cuidadosamente cada uma das suas palavras.

— Eu entendo se ainda for cedo para você, então não precisa se sentir pressionada a algo, ficaremos bem independente disso. Porém, eu preciso perguntar: Hermione, você quer namorar comigo?

Meu coração acelera de tal forma que parece ser capaz de sair correndo pela minha boca.

— Sim! — eu praticamente grito, muito emocionada, e o abraço apertado.

Ele parece aliviado e um pouco incrédulo, rindo com nervosismo e o que suponho ser um pouco de vergonha pela atenção que estamos recebendo. As pessoas ao redor batem palmas e eu o solto, o vendo colocar o anel no meu dedo. O abraço mais uma vez e quando nos sentamos, um atendente se aproxima e nos traz dois copos de espumante para a celebração. Por mais que não goste de misturar bebidas, abro uma exceção pelo momento e brindamos, felizes.

— Eu comprei esse anel junto com o colar na véspera de natal, foi inevitável. Quando o vi, sabia que precisava fazer isso.

Eu o olho, vendo os pequenos brilhos que refletem a sua luz em mim. É belíssimo.

— Isso explica o que disse sobre o segundo presente.

Fred ri, concordando com um aceno.

— Eu sei que você não gosta de surpresas, mas achei que seria melhor se você não estivesse esperando por isso.

— Eu não teria te impedido se me contasse, mas ser pega de surpresa realmente tornou tudo ainda mais emocionante — digo, bebendo minha espumante. — Gina sabia disso?

— Sim, contei para ela na festa de natal.

— Eu não acredito que pela primeira vez ela guardou um segredo!

Fred ri alto, pois ele adora implicar com seus irmãos, principalmente com os mais novos.

— Agora eu estou devendo um favor para ela, então não a lembre disso, por favor.

— Desde que você seja um bom menino, ficarei em silêncio.

Ele finge surpresa, mas ela não dura muito, pois logo avistamos Harry e Gina se aproximando. Ela vê o anel no meu dedo e fica eufórica, o mostrando para o marido. Eles nos parabenizam e pedimos quatro cervejas para brindarmos.

O resto da noite é muito divertida e falo sobre a procura de trabalho e a loja, enquanto Gina conta sobre a seleção dos jogadores para a Copa de Quadribol e Harry nos diz como estão as coisas no Ministério.

 

Quando chego em casa com Fred no final da noite, o convido para entrar e nos jogamos no meu sofá. Já está se tornando um hábito tê-lo comigo nos finais de semana e gosto disso. Me faz sentir menos solitária.

Não conversamos muito, pois já o fizemos o suficiente ao longo do dia, então apenas o puxo para mim e o beijo, um beijo que faz as borboletas finalmente levantar vôo no meu estômago. É uma sensação nova, mas agradável, e com ela percebo que fiz a escolha correta.

Não demora muito para que nos tornemos um emaranhado no meu sofá, onde o calor do momento nos faz remover as roupas com certa urgência. Essa não é a minha primeira vez, mas ainda assim me sinto um pouco nervosa e sei que ele se sente da mesma forma.

Porém, esse não é um conto de fadas como você deve estar esperando. Aqui, na vida real, rapazes não te olham nos olhos quando vocês estão enroscados no sofá e dizem coisas como “vamos para a cama, quero fazer isso ser bom para você” ou qualquer outra coisa que você tenha lido em um romance. Eu li muitos deles antes da minha primeira vez e então entendi que eles não refletiam em nada a realidade.

Não, não. Na vida real os homens estão tão preocupados com o que está latejando dentro das calças que as funções primordiais do cérebro se desligam e eles só pensam em saciar essa vontade o quanto antes. Num sofá desconfortável, se for o caso, com o cotovelo deles na sua testa e o movimento fazendo sua lombar sentir o arco de madeira que mantém o sofá em pé. E azar o seu se não foi tão bom assim. Quem sabe numa próxima vez vocês não bebem um pouco mais, fiquem mais desinibidos e conversem sobre coisas que gostam no sexo. Você poderá finalmente fazê-lo saber – o que ele não é obrigado a saber sozinho, convenhamos, já que não existe um manual para esse tipo de coisa e cada pessoa é diferente – que você precisa de um pouco mais de esforço e paciência para chegar lá, e que o sexo não acaba quando ele goza se você não gozou. Se ele for um bom rapaz, do tipo que não leva para o lado pessoal e se dispõe a te fazer um agrado, há a chance de você chegar lá sem precisar usar os seus próprios dedos enquanto ele bebe água na cozinha, fingindo que foi a melhor noite da sua vida.

Enquanto Fred ronca no espaço ao meu lado, descubro porque não consegui me render facilmente à ideia de amá-lo. Eu gosto dele mais do que já gostei de qualquer outra pessoa, mas não é um amor completo, puro, incondicional. Não se trata apenas de flores ou de um anel, amar custa caro. Me envolver traz uma porção de coisas boas como os seus risos e surpresas, mas também trazem frustrações como sexo decepcionante e seus roncos no meu colchão quando eu gostaria mesmo é de estar olhando para o teto e conversando sobre algo interessante até o sono chegar, como o que aconteceria se você viajasse para o passado e matasse o seu pai.

Deve ser por isso que existem tantos fumantes no mundo. Eu adoraria sentar perto da janela nesse momento, apenas com a luz que vem da rua, e fumar dois ou três cigarros pensando sobre isso.

No dia seguinte, Fred está pleno. Ele me encontra na cozinha quando estou terminando de fazer chá e o sorriso no seu rosto sonolento é tão bonito que, mais uma vez, quero amá-lo. Eu poderia resmungar todas as noites pelos seus roncos malditos que me fazem acordar várias vezes, mas eu adoro esse sorriso bonito, definitivamente.

— Como está a minha garota nessa manhã? — ele se aproxima de mim, depositando um beijo na curva do meu pescoço. — Dormiu bem?

Sua pergunta parece ir muito além do dormir. Parece o seu jeito de perguntar se foi satisfatório na noite anterior, porque temos essa visão estúpida de que sexo bom é aquele que cansa nossos músculos como se tivéssemos corrido uma maratona, nos fazendo apagar na cama em seguida. Sabendo disso, não entendo o que me motiva, mas sinto que preciso mentir.

— Muito bem, como um bebê — sorrio em resposta.

Levo o chá para a minha pequena mesa de jantar e faço um gesto com a cabeça para que ele venha e traga os biscoitos.

— Ótimo — diz, servindo-se uma xícara. — Você acabou comigo ontem, apaguei como se tivesse levado um nocaute.

Dou um risinho bobo, enchendo a boca de biscoitos para não responder. Gostaria de dizer que, em primeiro lugar, eu não fiz nada para acabar com ele. Realmente nada. Apenas fiquei deitada entre o sofá e o seu corpo, respirando fundo. Em segundo lugar, acho isso uma grande baboseira. A desculpa do milênio. “Você é tão bonita/boa/etc que eu não consegui aguentar muito tempo”. Querem nos transferir culpa até nisso. Não é o cúmulo? Você pode me chamar de amarga e dizer que é por isso que eu fiquei sozinha tanto tempo, mas, sabe, eu cansei de me esforçar para ver beleza onde, na verdade, não existe tanta beleza assim.

Fred parece sentir que algo está errado e isso me preocupa.

— Você está calada hoje — ele me olha com estranheza, sei que está me analisando. — Você sabe que pode me dizer qualquer coisa, não sabe? Se eu estiver cruzando a linha, basta dizer. Está tudo bem.

Eu sinto o pânico dentro de mim. As pessoas costumam implorar para ouvir a verdade a todo custo, mas nós sabemos que não é bem assim que funciona, não é mesmo? Quando a desejada verdade sai, ela é rude e nós nem sempre concordamos com ela. Fred está quase tirando o peso das minhas costas, mas eu não sei se ele está pronto para assumi-lo. Talvez eu só vire uma grande vadia má porque nenhuma garota antes ousou reclamar das coisas que ele fez. Será que eu sou mesmo uma grande vadia má ou nós mulheres é que relevamos coisas o tempo todo?

Respiro fundo com seus olhos sobre mim. Não terei paz no meu espírito se não falar, então falo. Falo sobre tudo com o máximo da minha educação como ser humano e carinho pela nossa relação existente, mas também com a sinceridade que habita o meu coração como mulher.

Começo pelo início de tudo e planejo dizer tudo o que habita minha mente, então a conversa acaba sendo um tanto longa e dividida em alguns tópicos principais:

Adoro sua companhia, seu jeito divertido, sua inteligência e a maturidade que os anos trouxeram com tantas coisas acontecendo. Ele torna meus dias mais leves, me faz levar a vida menos a sério e evita que eu pense demais. Com ele, estou aprendendo a deixar a vida me levar sem a necessidade de planejar cada novo passo meticulosamente.

A conversa vai muito bem até aí. Apesar de eu ser a que mais fala nessa mesa, ele parece profundamente de acordo e sempre acena positivamente para mim. É aí que a coisa fica complicada.

Digo a Fred que, na verdade, a noite não foi tão boa assim. Ele questiona se eu me arrependo, provavelmente supondo que eu considere um erro termos nos envolvido dessa forma tão cedo. Bobo. Fred bobo. Eu penso mais uma vez se devo falar sobre isso, mas já cheguei até aqui, então o falo. Digo que seus beijos foram ótimos e suas mãos quentes passeando pelo meu corpo definitivamente provocaram o inferno dentro de mim, mas que depois disso foi tudo muito estranho e confuso. Ele se movendo sobre mim, eu olhando o teto pedindo aos deuses que acabasse logo e nossos barulhos desajeitados. Foi péssimo, na verdade, mas está tudo bem. A garota que já teve um primeiro encontro fantástico nesse aspecto que me atire uma pedra porque desconheço esse tipo de sorte. Às vezes só falta um pouco de comunicação, saber o que o outro gosta, e nós não costumamos fazer essas perguntas e dar essas respostas tão facilmente. É quase como dar ao outro a arma secreta capaz de nos destruir.

Confesso também que não dormi direito depois pensando sobre tudo isso, porque essa sou eu. Às vezes perco o sono até o sol nascer pensando em algo que nem é tão importante, apenas porque preciso concluir o raciocínio. E é claro que os seus roncos não me ajudaram. Ou a forma como se move abruptamente pelo colchão, chacoalhando a cama toda e às vezes me batendo sem querer ao mover seus braços.

Ele termina o chá e o tanto que eu me sinto mais leve agora é inversamente proporcional à como ele está nesse momento. Eu consigo sentir o seu desconforto no ar. Ele se levanta, veste as calças que estavam esquecidas na sala até então, calça os sapatos e me olha quase que com desespero.

— Desculpe Hermione, eu preciso ir.

Não evito que ocorra, ainda que possa fazê-lo. Ele sai pela minha porta e me deixa ali, me sentindo o ser humano mais desprezível do mundo. Por que não posso ser como as outras garotas que focam nas coisas boas e ignoram as demais?

Me aconchego no sofá com alguns biscoitos em uma mão e a xícara na outra. Me sinto péssima por ter sido tão ruim com Fred, mas também me sinto ótima por não ter que ficar desconfortável no sofá outra vez com um corpo investindo acima de mim. Precisa haver um meio termo. Relacionamentos não podem ser todos sobre relevar coisas ruins e vangloriar as boas para que supram o déficit. Eu preciso de mais do que isso, mesmo que meu relacionamento com Fred tenha acabado de alcançar um novo patamar .

Na verdade, eu nem sei mais se ele existe agora.

Penso que poderia ter esperado até uma próxima vez e ter abordado isso de uma forma diferente. Poderia tê-lo ensinado na prática de um modo muito mais natural e evitado o constrangimento da conversa, tornando uma experiência positiva. Porém, já estava feito e não havia como voltar atrás. Eu poderia ir atrás dele ou mandar uma coruja, mas era melhor deixá-lo com seus pensamentos por hora, pois eu também precisava trabalhar nos meus.

Pedir desculpas nunca é fácil, principalmente quando se sabe que não agiu da melhor forma, mas que teve o motivo correto. Eu não queria retirar minhas palavras, elas eram importantes, mas também não havia razão para fingir que nada havia acontecido.

Gostaria de poder conversar sobre tudo isso com a minha mãe, já que ela sempre é uma pessoa muito prática e imparcial, o que preciso nesse instante. Porém, ela também é um tanto antiquada pela sua idade e criação, e acharia desrespeitoso da minha parte conversar sobre algo tão íntimo. É uma pena que a maioria de nós se sinta assim, pois sei que isso me traria uma experiência que só o tempo pode dar.

Bebendo meu chá, sei que terei mais uma noite em claro.

Dou a Fred algum tempo para refletir, assim como também me dedico a fazê-lo. Em um momento estou completamente confortável com sua distância momentânea, dizendo para mim mesma que ele apenas precisa processar isso e que está tudo bem, mas há horas onde desabo e sinto que destruí tudo por racionalizar demais. Ele pode nunca mais voltar e isso, talvez, seja um problema.

Sim, eu racionalizo demais. Principalmente emoções. Adoro convertê-las dessa forma, assim como algumas fórmulas matemáticas convertem letras em números. Consigo claramente tornar um sentimento racional e destrinchar cada mínima coisa sobre ele, e é por isso que eu sou a amiga a quem todos recorrem quando tem um problema difícil. Eu te darei a solução, a melhor delas. E eu nunca erro, ainda que nem sempre concordem com isso, pois, adivinhe, há outros tantos sentimentos envolvidos.

No primeiro dia que se seguiu ao que Fred saiu pela minha porta, me martirizei. Devia ter apenas sentido ao invés de racionalizar, disse para mim mesma. Porém, não posso ser uma babaca e fingir que o sentimento era incrível. Não era. Mesmo que focasse apenas nele, não teria sido bom. “Mas e o amor?”, você me pergunta. Bem, eu sei que há algum tipo de amor sendo construído aqui, aos poucos, mas não se trata de amor pleno ainda e, cá entre nós, todos deveríamos parar de achar que o amor é um band-aid universal. Problemas são como pequenas estruturas de tijolos instáveis que apresentam falhas. Acreditando que o amor é a maior e a melhor das coisas, que tudo suporta, construímos uma casa inteira de amor em cima dessas pequenas estruturas falhas e no dia em que desmoronam, nos achamos no direito de reclamar. Como somos estúpidos.

Em represália por minha atitude, me afogo na tarefa de procurar um novo trabalho e faxinar toda a casa. Não me permito respirar um segundo sequer durante o dia sem absorver tarefas. Isso funciona bem durante oito horas, mas quando termino não há mais nada que eu possa fazer. Assim, faço a única coisa que me resta por hora antes de tentar o ousado movimento de ir atrás de Fred: chamo pela sua irmã.

Ginevra vem até mim como uma mãe cujo filho ralou o joelho. Ela sabe que não é nada assim tão sério, do tipo fim do mundo, mas reconhece a dor existente e me conforta. Ela não precisa ser brusca e invalidar meu sofrimento nesse momento apenas porque há gente sofrendo de coisas piores por aí. Qualquer outra pessoa diria “Hermione, apenas vá lá e fale com ele”, mas Gina entende que eu preciso pensar um pouco mais antes de recorrer a isso.

Conto tudo para ela, cada mínimo detalhe, e apesar de estar horrorizada por imaginar seu irmão nessa dada situação, ela se mantém como uma profissional. Minha conselheira profissional, afinal, se ela levasse isso tudo de outra forma eu nunca a chamaria nesse momento. Apenas confio nela, pois sei que é a minha melhor amiga.

— Hermione, querida... o que eu posso dizer? — ela move as mãos em círculos por alguns instantes. — Bem vinda aos problemas de todas as mulheres. Ou da maioria delas, ao menos. Todas nós que já temos idade suficiente já passamos por isso pelo menos uma vez.

Eu sei e isso me dói ainda mais, ao invés de me confortar. Por que passamos por isso? Por que nossas ancestrais passaram por isso? Eu quero parar o mundo, quebrá-lo em mil pedaços e montá-lo de novo depois de uma boa limpeza. Ele não deveria funcionar do jeito que funciona.

— Eu já sabia que corria esse risco ao dizer, mas não tive escolha. Se ele ficasse furioso ou chateado, bem, isso precisa acontecer. Ele tem que saber — pequenas rugas surgem em minha testa e sei que tenho uma expressão muito inconformada ao dizer. — Por que eu posso ficar furiosa e chateada com isso, mas ele precisa ser poupado? Eu não sei quem escreveu essas regras, Ginevra, mas eu não vou segui-las.

Ela ergue ambas as sobrancelhas, mas não está olhando para mim. Olha para o nada, muito perdida em seus pensamentos.

— Infelizmente, a maioria das mulheres segue essas regras por medo, por não saber como dizer ou por achar que, na verdade, o problema está nelas. Então entenda que Fred pode estar muito magoado e confuso por causa disso, não necessariamente por causa da sua escolha de palavras.

Isso não faz muito sentido na minha cabeça.

— Como assim?

Ela gesticula para que eu sirva chá e depois de um longo gole, começa:

— Bem, imagine que Fred já teve pelo menos dois ou três relacionamentos de algum tipo na vida. Mais sérios ou não, independente disso nenhuma mulher se queixou de nada ou se queixou de uma forma não muito... compreensível. Entende o que quero dizer? — balanço a cabeça para que prossiga. — Então, de repente, ele está muito interessado em uma garota e ao ter algo com ela, ouve essas críticas. Ele, que até então nunca ouviu nenhuma, ou, pelo contrário, só recebeu elogios. Há confusão e vergonha aí. Você o deixou sem rumo, mas com muito o que pensar.

Me sinto mal por isso, de verdade.

— Não podemos aprender sozinhos sobre essas coisas. Existem livros, revistas, filmes... mas eles não refletem a realidade e cada pessoa é singular. Logo, vocês só podem resolver isso juntos — ela me olha, sugerindo o que eu mais temia. — Sinto muito, Hermione, mas você precisa falar com ele se quer continuar isso. Se é o que você quer, deixe claro que está disposta a guiá-lo para descobrirem coisas ótimas juntos. É não ter a coragem de fazer isso que faz com que a maioria das mulheres nunca tenha tido um orgasmo ou tenha um mísero por ano em relações. E isso é verdade, eu li em uma matéria.

Dou risada das suas últimas palavras, agradecendo por aliviar para mim em um momento tão constrangedor. Sou grata por ter Ginevra em minha vida para conversar sobre isso, algumas mulheres não têm tanta sorte.

Quando ela vai embora, apesar de ter prometido agir, sinto que não estou completamente pronta ainda. Sento em minha cama pensando com cuidado nas palavras que quero dizer. Ainda que seja impossível prever o rumo exato de uma conversa e antecipar cada uma das suas falas, quero estar o mais preparada que eu puder. Sinto que será uma grande coisa.

Primeiro, sinto que preciso deixar muito claro que eu estou disposta a termos nosso relacionamento mesmo assim. Não o estou expulsando da minha vida de qualquer forma, por Merlin, nem o acho inferior sob algum aspecto. Ele só não soube me fazer gozar e eu mesma levei alguns anos de prática para estar no ponto em que me deito e preciso de, no máximo, dois minutos para chegar lá. Nem sempre soube como fazê-lo, foi uma série de tentativas e acertos. Sexo e prazer são instintivos, mas não são algo que nascemos dominando, ainda assim.

Depois, quero dizer que também tenho muito a aprender com ele. O que ele gosta? Como quer ser tocado? O que mais o excita ouvir? Eu não sei a resposta dessas perguntas e tampouco saberia fazer algo de acordo caso fosse necessário. Se ele deitasse e me dissesse para arrancar alguns gemidos seus, nem saberia como começar. Há homens que gostam de lambidas nos mamilos e outros acham que isso é quase como tentar colocar um dedo entre as suas nádegas. Alguns nunca nem vão saber como é a sensação, se gostam ou não, porque mulheres que saíram com os que detestam isso em absoluto podem nunca tentar repeti-lo com outros. É tudo tão complexo, céus.

Quero que ele me diga o que acha e sente, e que esteja aberto para ouvir o mesmo de mim. Quando penso nos possíveis caminhos para alcançar o nirvana, esse é o mais promissor deles: perguntar e ouvir respostas, ser questionado e responder. Por que não facilitamos as coisas? Isso deveria ser tão simples.

Quando decido que já tive uma boa porção de esclarecimentos sobre o assunto, atraio minha coruja e a sirvo água fresca antes de pedir que entregue um pergaminho para Fred por mim. Está tarde, eu sei, mas preciso fazê-lo. Ela levanta voo pela noite com satisfação, são suas entregas preferidas. Então, me sento na cama outra vez e começo a me preparar para dormir. Descobrirei a resposta de Fred amanhã cedo, sem pressa.

* * *

Acordo com a conhecida coruja de Hermione sobre minha cômoda, bicando a cabeceira da cama. Me sento sonolento e acendo o abajur para encontrar o pergaminho deixado ali. Não tenho coragem de desenrolá-lo. Ela provavelmente deve estar pedindo desculpas porque percebeu como me distanciei após suas palavras, mas não quero que ela se desculpe apenas por achar que eu estou mal. Ela me explicou pacientemente cada motivo que a fizera concluir o que me disse naquela manhã, então não é como se houvesse algum mal-entendido.

Ainda assim, não a odeio. E é por isso que leio seu pergaminho com o coração acelerado. Ele diz: “1. Desculpas, não quis chateá-lo. 2. Preciso e quero descobrir coisas incríveis e loucas para fazermos juntos. 3. Quero aprender a ver estrelas. E te fazer ver estrelas. 4. Comida chinesa na sexta? Então desenvolverei melhor os tópicos”. Eu adoro a facilidade com a qual Hermione expõe o que pensa, às vezes. Só consigo rir com suas palavras.

Penso em responder de imediato, mas ela merece alguma tortura depois de tudo, então apenas desligo o abajur, coloco a cabeça no travesseiro outra vez e sorrio de volta ao sono.

Só acordo de novo quando já está de manhã. George já preparou o café e abrirá a loja em dez minutos, segundo o relógio. Me junto a ele para o desjejum e carrego o pergaminho de Hermione para responder quando terminar de comer.

— Como vocês estão? Você me deixou completamente no escuro nos últimos dias.

Dou de ombros para ele. Não vou contar nada do que aconteceu em nosso último encontro, não é algo que possamos discutir abertamente. Eu provavelmente me mataria antes de debater com meu irmão ou outro cara sobre esse tipo de coisa. É pessoal demais.

— Estamos bem — minto, bebendo meu chá. — Ela aceitou meu pedido de namoro, mas estamos indo com calma. Hermione quer seu espaço e não é como se eu estivesse particularmente animado com a hipótese de me casar com ela agora, ainda que brinque com isso ocasionalmente.

George não desconfia de nada que há por detrás, felizmente.

— Apenas tome cuidado para não acabar se apegando demais e ser o único nessa — ele me diz, levantando e dando tapinhas em minhas costas ao longo do processo.

Eu e o vejo descer para abrir a loja, resmungando pelas escadas. Não estamos mais absurdamente sobrecarregados, por sorte, mas ainda há muito a ser feito. Um dia cheio fará maravilhas ao meu cérebro, deixando de lado toda essa coisa.

Quando desço, encontro George no caixa. Gina está ao seu lado, atendendo outra cliente apressada. As mães detestam comprar logros para os seus filhos, mas é melhor fazê-lo do que ter uma criança contrariada dentro de casa, tenho certeza.

— Como estão as coisas com Hermione? — minha irmã questiona, ao deixar o caixa pouco depois e juntar-se a mim nas prateleiras. São muitas caixas para abrir, pois precisamos repor o estoque do natal.

— Ótimas, eu diria.

Ela bate o cotovelo em mim e eu a olho sem entender.

— Não minta para mim, Fred. Eu te conheço desde que nasci.

Bem, ela realmente conhece. E conhece Hermione muito bem também, talvez tenham conversado sobre isso.

— Não a vejo há alguns dias, mas ela me mandou uma coruja hoje. Marcamos de comer algo na sexta-feira.

Ela ri, repondo os produtos nas prateleiras.

— Isso é ótimo. Torço muito para que as coisas deem certo entre vocês, sabe.

Eu também torço. E como.


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