Dentro do Armário escrita por Beykatze


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥
Boa leitura



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/784557/chapter/1

—Por favor...

Os olhos brilhantes e castanhos da menina convenceram o pai a fazer o que ela queria: Ler mais uma história antes de dormir. Cléber tinha o costume de ler para a filha desde que a mãe dela, e sua esposa, falecera. Para que a menina não sentisse tanta solidão com aquilo, o homem tentava ao máximo passar tempo com ela.

—Só mais uma, senhorita- Advertiu fingindo seriedade- E daí vamos dormir.

—Certo- Sorriu exibindo uma boca banguela- Só mais uma.

O pai abriu um livro grande e cheio de desenhos coloridos, fadas, princesas, reis e rainhas, e folheou até o conto da Branca de Neve, o favorito da criança, iniciando a leitura fazendo uma voz grossa como um narrador, o que a fazia rir.

—“Há muito tempo, num reino distante, viviam um rei, uma rainha e sua filhinha, a princesa Branca de Neve. Sua pele era branca como a neve, os lábios vermelhos como o sangue e os cabelos pretos como o ébano.”

—Eu adoro essa parte- Sussurrou a pequena. O pai estava deitado ao seu lado em sua cama de lençóis cor de rosa, o livro grosso apoiado no colchão e a menina deitada no travesseiro com seus finos braços ao redor do homem barbudo.

—“Um dia, a rainha ficou muito doente e morreu.”

—Como a mamãe- Completou a menina. Cléber apenas seguiu a história, ainda não tinha a maturidade da filha para falar sobre a perda.

—“O rei, sentindo-se muito sozinho, casou-se novamente.”

—Oh, não!

—Tu não vai me deixar ler, não?- Questionou com um sorriso.

—Opa- A criança riu e se acomodou mais uma vez, desta vez, mantendo-se em silêncio.

—“O que ninguém sabia é que a nova rainha era uma feiticeira cruel, invejosa e muito vaidosa. Ela possuía um espelho mágico...”

***

Deixando o livro na cômoda branca ao lado da cama, Cléber depositou um beijo carinhoso na cabeça da filha, cobrindo-a bem com a coberta para que não sentisse frio. Saiu do local, fechou a porta do quarto cor de rosa e se afastou sonolento pelo corredor. Tudo o que queria naquele momento era sua cama para deitar e esquecer-se dos problemas em um sono profundo, entretanto, na metade do caminho, ouviu passos apressados e leves dentro do cômodo. Estranhou aquilo, pois Marjorie não era de desobedecer e, além do mais, ela já estava dormindo quando ele a deixou.

Voltou ao quarto e abriu a porta, a fim de mandar a filha dormir, mas, quando entrou novamente, viu que ela ainda estava na cama. Vasculhou o lugar, à procura de insetos grandes ou algum pequeno animal que pudesse ter invadido a casa.

Não encontrou nada e, assim que fez menção de sair, notou que os serenos olhos de Marjorie estavam arregalados e o encaravam friamente.

—Papai... - Sussurrou com a vozinha entrecortada- Tem alguém no meu armário.

O homem puxou a porta em suas costas, fechando-a e indo até a filha. Hora de ser pai.

—Meu amor, isso é bobagem- Falou acariciando os cachos escuros da cabeça da criança. Enquanto tranquilizava sua menina, sua mente inquieta logo pensava nos pequenos passos que tinha ouvido. Ou achava que tinha ouvido. Estava cansado, sonolento e devia estar imaginando coisas. Além disso, era apenas uma coincidência que Marjorie achasse naquele dia que havia um monstro em seu guarda roupa.

Mesmo que ela nunca imaginasse essas coisas. O homem nunca tinha visto uma criança que não acreditava em nenhum monstro, fantasma ou nada assim. Marjorie não tinha medo do sobrenatural, pois, como o pai explicava, eram coisas que não existiam e só eram ditas para assustar crianças levadas.

—Papai, tem alguém sim- A urgência no tom assustou Cléber, que se afastou da cama com um sobressalto.

—Está bem, vou olhar.

O homem caminhou devagar até a outra ponta do quarto, os pés descalços tocando o chão gelado e fazendo com que um calafrio passasse seu corpo. A passada até o armário tomou apenas alguns segundos, mas o tempo se arrastou, o cansaço dando um ar mais sombrio ao momento do que de fato tinha.

Tocou a porta do armário com a ponta dos dedos. A princesa loira desenhada o encarava com seus olhos azuis e vazios. Puxou a maçaneta suavemente, revelando os cabides com vestidos coloridos e uma criança exatamente igual à sua filha: os olhos castanhos, o cabelo crespo solto de forma bagunçada, as orelhas pequenas e o nariz achatado. Os olhos brilhantes da menina estavam apavorados e a pele negra empalidecera.

—Papai... Acho que tem alguém na minha cama- Sussurrou e a adrenalina correu pelas veias de Cléber.

O corpo de Cléber implorava para que ele corresse. Sua mente girava sem entender nada do que estava acontecendo. E seu coração o mandava ficar onde estava e retirar sua filha de lá bem.

O homem virou para olhar novamente para a criança da cama e, quando o fez, notou que a mesma agora corria em sua direção. Com um reflexo, saiu da frente empurrando o corpo magro na direção da janela e agarrou a mão de sua filha no armário e correu porta afora.

—Me espera, papai- Pediu aquela que ficou no quarto. Sua voz manhosa era idêntica à de Marjorie e seu coração relutou em correr, sendo ignorado pelas pernas urgentes. Marjorie, a verdadeira, corria aos tropeços tentando acompanhar o pai, em vão.

—Papai- Chamou a atenção de Cléber, que a pegou no colo e correu pelo corredor. Com um grito estridente da menina, ele virou para trás a fim de ver o que a assustava: a pequena cópia de Marjorie estava crescendo, seus membros se esticando até que a cabeça batesse no teto e os braços arrastassem no carpete. A criatura ainda vestia o pijama azul da Moana, que ficava ridiculamente grotesco naquelas pernas esguias e enormes. Com uma última olhada para o rosto da coisa, o homem notou que os olhos estavam fixos neles e a boca mordia o ar em expectativa.

—Não olhe, meu amor- Sugeriu baixando sua cabeça. Suas pernas eram rápidas, mas o monstro da cama as tinha mais compridas e logo os alcançaria. Pensou em sair da casa, mas a porta estava trancada e a chave ficava na cozinha, que tinha apenas uma saída. Se entrasse lá, ficariam encurralados.

Tinha que pensar logo o que fazer. Estava correndo parecia que fazia muito tempo, mesmo que a casa não fosse tão comprida.

—Papai- A criatura chamou. A voz não combinava com a aparência mais, pois ainda era o som de Marjorie. Um calafrio percorreu a espinha de Cléber ao ver que o corredor pequeno estava chegando ao fim e logo teria que tomar uma decisão.

—PAPAI- Marjorie gritou e ele soube que era ela pela proximidade do som. Assim que a menina clamou pela ajuda, Cléber sentiu o peso dela deixando dos seus ombros, um vazio onde antes estava o calor da menina.

—Marjorie?- Indagou se virando e parando de correr. Onde estava sua filha?

O monstro sorria com sua boca banguela como a da menina, na cabeça, alguns tufos de cabelo crespo repousavam loucamente. E nas mãos com dedos compridos, sua pequena filha esperneava chamando por ele.

—Solta ela- Ordenou. A criatura largou a criança no chão de qualquer jeito e, antes que pudesse pegá-la, foi apanhado. Levantado quase dois metros do chão e colocado de frente para o rosto horrendo.

—Papai- A voz de Marjorie ainda saia através da boca nojenta do monstro- Me conta uma história.

O pedido surpreendeu Cléber. Pensou que, talvez, o monstro só precisasse de alguns meses de terapia e não atacaria mais famílias nem mataria pais do coração. Bobagem, sim, mas talvez não fosse um ser tão ruim, apenas algum monstro maluco e sem família... A compaixão inundou o homem que começou uma história para tentar fugir:

—“Era uma vez uma bondosa princesa muito bonita, de cabelos curtos e cacheados que vivia num reino muito distante.”

Mesmo que tivesse sentido pena do monstro, pensava em uma forma de escapar enquanto ninava a criatura com a história.

—“Um dia, sem querer, a princesa deixou cair uma bola dentro de um lago. Pensando que a bola estivesse perdida, começou a chorar.”

Onde afinal estava sua filha? Depois que a coisa o levantara na altura dos olhos, ele não viu mais a filha. Um pânico começou a correr por sua pele: e se, depois que caiu, a menina não levantou mais? E se estivesse seriamente ferida? E se... Estivesse morta?

—“Princesa, não chore. Vou devolver-lhe a bola. Disse um sapo. Podes fazer-me esse favor? Perguntou a princesa. Claro, mas só farei em troca de um beijo.”

Notou que, da boca em que faltavam dentes, começaram a surgir ossos pontiagudos, rasgando a gengiva rosa lentamente entre uma palavra e outra que contava. Engolindo em seco, prosseguiu.

—“A princesa concordou. Então, o sapo apanhou a bola, levou-a até os pés da princesa e ficou esperando o beijo. Mas, a princesa pegou a bola e fugiu para o castelo.”

Ele não estava imaginando nada daquilo, a boca realmente estava criando dentes novos e muito pontudos enquanto ele falava.

—“O sapo gritou: Princesa, você deve cumprir com a sua palavra!”

A criatura aproximou a boca da cabeça dele, o cheiro do bafo da criatura inundou suas narinas e tudo ao redor ficou escuro.

***

—Papai! Papai!- Marjorie chamou balançando seu ombro e Cléber levantou a cabeça assustado. Estava na cama da filha, tinha pegado no sono enquanto lia a história.

—Marjorie?- Olhou a criança. Seus cabelos crespos bagunçados, seu pijama azul da Moana, sua boca sem dentes e as pequenas mãozinhas. Tudo estava completamente normal. Sorriu para a menina- Parece que eu peguei no sono.

—Tu roncou- Ela reclamou, tirando um sorriso do rosto barbudo.

—Me desculpe, papai está muito cansado.

—Podemos dormir- Ela sugeriu se acomodando melhor debaixo das cobertas. O pai levantou da cama, deixou o livro grosso na cômoda, cobriu a menina e depositou um beijo na testa escura.

—Eu te amo, minha flor- Cléber confidenciou, deixando o lugar. Fechou a porta e, no meio do corredor, ouviu passos apressados e leves dentro do quarto da menina.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :D
Qualquer erro podem me avisar que eu arrumo rapidinho ♥
Deixem um comentário ou me mande uma mensagem me contando o que acharam ♥ Adoro saber o que vocês estão pensando da história
Até uma próxima



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dentro do Armário" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.