Forever escrita por Saturn san


Capítulo 1
Capítulo 1 - Terça de verão


Notas iniciais do capítulo

A história não tem intenção nenhuma de ofender qualquer gênero, raça, religião, orientação sexual, classe social, distúrbios e etc. Apenas aborda diversos temas para mostrar as diferentes reações das pessoas e um pouco da realidade em diferentes visões.

Aviso: Críticas construtivas são bem aceitas, qualquer crítica ofensiva e insulto dirigido a autora ou a história será denunciada.



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 Wendy J. Sumner sempre desgostou que sua mãe passasse perfumes extremamente doces e enjoativos, especialmente no verão, quando deixava seu pescoço coçando e suado. Não importava onde e quando, os filhos de Christine J. Sumner tinham sempre que estarem bem apresentados. Talvez fosse pelo fato dela fazer parte do comitê da boa vizinhança, ou talvez porque ela tinha uma leve mania de perfeição e nada poderia estar fora do seu controle. Wendy não sabia ao certo, mas também nunca perguntou.

 Era uma terça-feira à noite, abafada e quente. A última semana das férias de verão chegava ao fim e todos os adolescentes da cidade de Lightpool pareciam ter pressa em dar sentido a aqueles últimos sete dias. Anthony, irmão mais velho de Wendy, não era diferente. Ela tentou nos últimos três dias convencer Wendy a ir a lanchonete no centro da cidade comemorar com ele e os amigos do grupinho “popular” dele. Wendy relutou nos dois primeiros dias, mas aceitou de muita má vontade quando o irmão escondeu o celular dela. Depois sentiu-se humilhada quando descobriu que era apenas procurar na primeira gaveta da cômoda. Agora, às 18:00 de uma terça de verão, ela estava parada em frente a um grande espelho em seu quarto, vestindo apenas uma camisa branca folgada e um short’s escuro.

Wendy não era muito ligada à moda, exceto a da que ela achava bonita: se restringia a blusas, shorts e tênis. Ela havia se esquecido da última vez que se sentiu feliz ao colocar um vestido, há dois anos atrás.

 - Essa blusa rosa ficará linda em você!

 Sua mãe, com a voz alta de sempre, entrou no quarto segurando um cabide na mão esquerda, com uma blusa rosa de mangas bufantes e caídas nos ombros. A mulher posicionou o cabide sobre o peito coberto da menina, em frente ao espelho, mostrando como ficaria.

 - Vamos apenas à lanchonete. – Wendy respondeu calmamente. – Não preciso ir toda arrumada.

— Francamente, eu desisto de você.

 A mãe bufou, jogando a blusa sobre a cama junto a mais outras quatro blusas do mesmo padrão. Nas raras vezes que Wendy decidia sair, era sempre uma declaração de guerra contra a mãe, os gostos nunca se batiam. Ao menos, Wendy deixava que sua mãe penteasse seu cabelo, como ela fazia quando a garota ainda era criança.

 Demorou longos dez minutos para Wendy convencer a mãe que não queria vestir ou se arrumar exageradamente, no final, ela saiu vitoriosa dessa batalha por lembrar que estava se atrasando para sair. A jovem abandonou o quarto balançando a mão em despedida.

 Desceu as escadas calmamente, a casa estando com um ar pacífico e quieto naquela noite. Passou pela porta da sala, onde o pai assistia o episódio de algum reality show de culinária. Notou que ele cochilava, roncando, puxando de volta a ideia de o cumprimentar. Ela abriu e fechou a porta da casa, atravessando o jardim com flamingos e gnomos, o grande portão branco com violetas e rosas decorando a parte de dentro, com a grama verde.

 Anthony a esperava do lado de fora da casa, com sua caminhonete preta. O irmão trabalhou em uma oficina de mecânica e uma loja de CD’s por cerca de três meses, apenas economizando para conseguir dinheiro para o tão amado carro, no fim das contas, o pai dele acabou ajudando por ver os esforços do rapaz. Agora completava um mês desde que Anthony conseguia comprar o seu “bebezinho”. Wendy ainda conseguia se lembrar quando ele mostrou o carro para a família, eles pensaram que a mãe teria um infarto de tanto escândalo que ela havia feito, afirmando que aquele não era o carro decente para um menino de boa família como ele. Para Anthony, aquela cena chegou a ser cômica, mas ele se negou a vender a caminhonete.

— Estou atrasada? – Wendy perguntou, olhando para o irmão.

— Essa é minha fala. – Ele sorriu, exibindo as covinhas nas bochechas.

 Wendy entrou no banco de passageiro, puxando e prendendo o cinto de segurança. O rádio se ligou automaticamente quando Anthony girou a chave na ignição e pisou no acelerador, os pneus passando por pedregulhos no asfalto e provocando um leve barulho. A paisagem da rua era algo agradável: no lado direito haviam casas de cores pasteis, enfileiradas uma ao lado da outra, com gramas verde nos jardins. No lado esquerdo diversas árvores que desciam até o final de uma pequena depressão¹, onde a rua se localizava junto a vizinhança. Com o laranja do pôr do sol e a chegada do anoitecer, aquilo era uma bela e até melancólica cena.

— Vamos passar para pegar a Lana. – Anthony disse sem rodeios, abrindo a janela do seu lado e apoiando o cotovelo para fora.

 Wendy segurou uma revirada de olhos. Lana era a namorada de Anthony há cerca de meio ano, ela era considerada uma garota de fama na escola e querida por todos, sua mãe era a chefe do comitê que a mãe de Wendy participava. No início, Wendy não tinha nada contra ela e parecia ter uma relação boa, mas com o tempo a garota demonstrou ter uma obsessão em tornar a vida de Wendy um caos, ela sempre tinha uma maneira passiva-agressiva de falar com a garota, os insultos eram sempre implícitos, Anthony parecia nunca perceber e não notava o desconforto da irmã.

 O carro freou abruptamente em frente a uma casa totalmente branca, com o jardim de grama verde com pequenos vira-ventos decorando em meio flores alamandas amarelas. Wendy apressou-se em soltar o cinto e pular para o banco de trás quando avistou uma figura loira descer os degraus de concreto pelo jardim e abrir seu portãozinho. Wendy escutou o som da porta de abrir e pôde jurar que sentiu uma mão empurrar suas costas, fazendo com que ela batesse a cara no banco de trás. Nos segundos seguintes, uma boca de batom vermelho beijava em estalos a boca de seu irmão, ignorando completamente a existência de uma terceira pessoa ali. Quando terminaram, a loira puxou o quebra-sol para ajeitar o cabelo, só então olhando para o reflexo da garota que estava atrás de si

— Oi, Wendy. – Ela disse, prendendo seu cinto. – Não te vi aí.

 Lana era apenas um ano mais velha que Wendy, com a mesma idade que Anthony. Ela era alta e bonita. O cabelo liso e curto no pescoço, com um castanho escuro nas raízes capilares. Lana era uma mistura de garota malvada dos anos 80 com uma patricinha atual, sempre andando com blusas curtas ou apertadas, com uma jaqueta por cima.

 Anthony era jogador de críquete e hóquei há anos e fazia parte do time de futebol americano da escola. Não era difícil ligar os pontos de porquê eles namoravam, Lana era uma garota popular na escola e Anthony um esportista talentoso, o típico e tão conservado clichê.

 Não havia nem mesmo dez minutos que eles continuaram o percurso, Lana e Anthony já discutiam por um motivo bobo: Anthony pedia para que o rádio continuasse na estação em que tocava Rock n’ roll, enquanto Lana exigia que ele trocasse para alguma estação de rádio que tocasse música pop ou então desligasse. A conversa se encerrou em poucos minutos, quando Anthony desligou o rádio e continuo a viagem com poucas e curtas palavras, não aumentando nem diminuindo o tom de voz.

 Em pouco tempo o carro estacionou em frente a lanchonete Big Joe, no centro da cidade. A lanchonete era o local favorito de Wendy para tomar um milk-shake ou comer um hambúrguer grande com fritas. A lanchonete era personalizada com piso xadrez e luzes vermelhas em volta dos balcões. Uma jukebox meio velha encostada em um canto, junto a quadros de cantores antigos. Wendy sentiu uma ponta de alegria quando escutou o icônico som do sininho acima da porta tocar toda vez que era aberta. O dono do local, Joe, como era o nome da lanchonete, cumprimentou Wendy por trás do pequeno quadrado na parede atrás do balcão, dando uma pequena vista para a cozinha. Wendy retribui o gesto, puxando os lábios em um rápido e leve sorriso.

 Eles sentaram-se em uma mesa redonda com estofamento vermelho, onde mais cinco pessoas já o esperavam: três garotos e duas garotas. Wendy sentou-se em uma das bordas do banco, um pouco apertada. Ela conhecia só de vista aquelas pessoas na mesa, amigos de Anthony e Lana, que ela raramente via pela escola. Ela pôde notar o olhar das outras duas garotas: claro, ela era apenas a irmãzinha de Anthony, não havia motivo para estar ali. Ela sabia disso, sabia e era por isso que não queria estar ali. Deveria ter sido mais esperta e pego o celular antes que Anthony o escondesse para usar como chantagem.

 As conversas eram repletas de risadas e gargalhadas fortes vindos dos rapazes, enquanto as garotas cochichavam entre si. Lana se curvou no ouvido de uma das garotas, observando Wendy com o canto do olho e cochichando algo ao mesmo tempo. A outra garota segurou um riso abafado com a mão, negando com a cabeça enquanto olhava para Wendy e depois para Lana. Wendy fingiu estar interessada na embalagem de papel de um canudinho, mas ela podia sentir os olhares e risadas sobre si. Após algum tempo atrás, desde que isso virou algo constante na vida dela, deixou de se importar com isso e apenas ignorar.

 Enquanto o grupo estava decidindo entre asas de frango com molho picante ou agridoce, Wendy sentou-se em um dos bancos giratórios em frente ao balcão, um pouco à frente da mesa em que estava. Ela fechou os braços a frente de si e ficou encarando a cor vermelha do balcão.

 - O de sempre, Joe. – Ela disse sem levantar a cabeça, notando o homem que havia saído da cozinha para falar com ela.

 - Está com uma carinha triste dessa vez. – A voz grossa, porém gentil, saltou com o sotaque que ele carregava. – Alguma coisa se passou com esse coraçãozinho?

— Estou apenas com fome. – Era mentira. O que Wendy J. Sumner mais sabia fazer nos últimos dois anos era mentir sobre si.

 Bem, ela estava com fome. Mas aquele estava longe de ser o motivo que a deixava tão deslocada do mundo naquele instante.

 Joe partiu para a cozinha sem dizer mais nada, ele sabia o que ela sempre pedia quando queria o seu prato favorito da lanchonete. “O de sempre” era o que ela dizia.

 Ao fundo da lanchonete, na jukebox tocava Jailhouse Rock do Elvis Presley. Wendy curtia esse tipo de música, na verdade ela nunca teve um gosto exato, sempre gostou um pouco de tudo. Mas claro, seus pais sempre a influenciavam a músicas clássicas e insistiram que ela fizesse balé, mas ela sempre preferia quando seu irmão a levava para alguma quadra desocupada em um dos clubes da cidade e a ensinava jogar críquete. Claro que aquilo fazia quase cinco anos, mas ela ainda conseguia sentir a sensação do bastão firme em suas mãos.

 Wendy tentou batucar os dedos no balcão ao ritmo da música, se perdendo pelo menos umas três vezes. Ela suspirou e abaixou a cabeça, buscando um conforto entre seus braços. O sininho sobre a porta foi tocado outra vez, indicando novos clientes. Ela não levantou a cabeça, mas pelo vão entre os braços e o balcão, observou calças de couro masculinas e botas esfarrapadas.

— Joe, meu parceiro. – Uma voz soou, calma, mas rouca. – Me traz três hambúrgueres tradicionais da casa e uma porção grande de fritas com queijo.

 Wendy reconheceu a risada rouca de cigarro do grande Joe, ele estava na cozinha e parecia muito entretido em fritar algo.

— Faz um tempo que eu não vejo vocês aqui, rapazes. – Joe disse, com o tom brincalhão e descontraído. – Mas está faltando dois do grupo.

— O Leo teve que colocar o pé na estrada e visitar os avôs em outra cidade, pelo visto a avó dele quebrou a bacia. Deve estar de volta daqui uma semana. – Uma segunda voz, um pouco mais alterada e bêbada que a primeira disse.

 Agora dava para perceber que se tratavam de duas calças de couro e dois pares de pés com botas gastas. Uma das pessoas sentou-se ao lado esquerdo de Wendy, no balcão.

 - Já o Reve... – A voz mais calma pausou. – Ele ficou no carro, tá com dor de cabeça e vomitando.

— Entendo, entendo. – Disse Joe. – Os jovens de hoje, como vocês tem muito apetite. Aqui está.

 Wendy sentiu a mão grande e pesada de Joe pousar em sua cabeça e chacoalhar um pouco. Quando ela levantou, havia um prato com um grande hambúrguer com bacon e anéis de cebola empanados. Batatas fritas apetitosas e um grande copo de milk-shake de chocolate.

 A jovem desejou ter um buraco para cavar e enfiar sua cabeça, os dois garotos ao seu lado que usavam calças de couro – que agora ela podia ver perfeitamente quem eram – trocavam olhares entre ela e seu prato, parecendo confusos.

 Um dos garotos, o que estava sentado ao seu lado, era alto e magro. O cabelo preto e médio na altura no pescoço, penteado para trás. Ele vestia uma camiseta do Bon Jovi e uma jaqueta de couro marrom por cima. Os olhos azuis como oceano pareciam confusos, mas misteriosamente brilhavam.

 Atrás dele, havia um garoto um pouco mais baixo. O cabelo laranja e extremamente bagunçado. Ele usava apenas uma regata cinza e uma corrente de prata. Ele tinha os dedos da mão direita cheios de anéis de prata e alguns com bijuterias vermelhas. Os olhos escuros se concentravam com fome nas batatas fritas de Wendy, embora ele disfarçasse tentando fingir estar concentrado nas luzes do teto.

 Naquele exato momento, ela sentiu-se uma atração de circo, o grupo de amigos de seu irmão haviam se calado há algum tempo e só agora ela notava o porquê: eles encaravam pálidos a cena que acontecia a sua frente. Anthony, mesmo que não assustado, parecia hesitante em levantar ou não, enquanto uma das amigas de Lana segurava firmemente no braço dela, tremendo.

 O ambiente chegou a ter um ar cômico quando Joe começou a cantarolar uma música francesa na cozinha, parecendo estar desconectado do clima tenso que se formava em sua instalação. Exceto sua cantoria, a jukebox e os carros que passavam pela rua eram o único som que se escutava. O silêncio se instalou, Wendy até pensou sem seguir com sua refeição, mas ela nunca conseguia comer com um clima tenso como aquele.

 Joe saiu da cozinha trazendo dois sacos de papel com o emblema da lanchonete neles. Entregou os sacos para o menino de olhos azuis, ele deu uma última olhada para Wendy, depois de olhar para seu amigo. O ruivo apenas deu de ombros e virou as costas, abrindo a porta e saindo da lanchonete.

— Porra! O filho da mãe está com os pés no meu painel de novo! – O ruivo rugiu olhando para algo na calçada, recebendo uma risada seca do garoto de olhos azuis que o seguia.

As vozes foram abafadas quando a porta de vidro se fechou, agora podendo apenas escutar o ruivo alterado e o moreno responder algo calmamente, então duas batidas de porta de carro. Wendy sentiu uma necessidade de olhar para entender o que acontecia, ela inclinou seu corpo para trás no banco, tentando ver a rua por umas das enormes janelas da lanchonete.

 - Wendy. – Anthony a chamou, ela quase pulando com o susto. – Senta aqui com a gente.

 Ela apenas afirmou com a cabeça, pegando seu prato e copo, sentando-se onde estava antes, em uma das pontas da cadeira ao lado de Lana. Notou o olhar da loira sobre si, mas decidiu que ignoraria, como as outras vezes.

 Na rua, um carro ligou e acelerou lentamente. Wendy olhou por cima dos ombros para a porta, onde um Opala 1970 passava. Ela notou, muito rapidamente, um par de botas debruçadas sobre o painel do carro, sacudindo da esquerda para a direita em ritmo de música.

 Em segundos, o carro desapareceu naquela noite que havia acabado de começar. Um arrepio repentino coçou o pescoço de Wendy, não era algo desagradável, mas eletrizante e animador. Como se avisasse que alguma coisa boa estava prestes a acontecer.

 Mordeu seu hambúrguer com impaciência, o bacon crocante e as cebolas recheadas com queijo estavam deliciosos como sempre. Joe nunca errava na comida.


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Notas finais do capítulo

1 Depressão (geografia) - A depressão é uma forma de relevo com irregularidades, que possui leve inclinação por conta do desgaste sofrido devido à ação do vento e da água



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