Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada escrita por Eddie Stoff


Capítulo 8
Aceitamos ajuda de estranhos


Notas iniciais do capítulo

É, demorou para ser publicado.
enfim, a lerdeza do autor



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Eu não sei qual é a desse povo que tenta começar uma conversa com "Você vai morrer", ou até mesmo "Venham conosco se quiserem sobreviver". Não seria mais fácil falar "Oi. Tudo bem?" e depois ir à parte drástica da conversa.

Logo de cara não demos muita atenção para quem tinha dito aquilo. Sue e eu estávamos focados em tentar entender o que estava se passando. Ela estava visivelmente abalada, talvez até mais do que eu. Estávamos cobertos de poeira, o cabelo dela estava cinza em vez de castanho. Seus joelhos estavam avermelhados pelo empurrão que Galiofeu, havia dado nela. Tirando alguns arranhões, ela parecia bem fisicamente. Os maiores ferimentos eram psicológicos.

Já eu, as coisas estavam um pouco piores: minha perna esquerda estava quebrada, o braço esquerdo estava com hematomas graves e cortes por toda sua extensão, bem como no braço direito e em quase todo o corpo, e duas costelas quebradas. A dor começou a dar as caras lentamente, pois a adrenalina que sentia estava se esvaindo do meu corpo. O corpo fraquejou, me senti tonto e quase ia caindo de cara no chão se não fosse Sue ter me segurado.

Mesmo estando fraco, vi que duas pessoas se aproximavam de nós, poderiam ser qualquer um. Alunos. Monstros. Nunca se sabe. Era um garoto e uma garota. O garoto parecia ter por volta dos dezesseis anos. A pele era morena, os olhos eram grandes na cor castanho claro, tinha a cara fechada. Já a garota era totalmente diferente: primeiro pela coloração da roupa que era muito chamativa. O cabelo era louro e seus olhos eram de um azul eletrizante. Diferente do grandalhão, ela não carregava uma espada, apenas o arco dourado.

— Quem são vocês? - Perguntou Sue, tomado a iniciativa. - O que vocês querem?

— Não sei se você ouviu, mas estamos aqui pra ajudar. — rebateu a garota — Meu nome é Candence e o grandão ali é o Ferdinand. — Apontou para o garoto que ficou um pouco mais recuado de nós, de braços cruzados olhando para todos os lados como um guarda-costas.

— Se estão aqui para ajudar... — Disse Sue — Adrian precisa de ajuda. Ele está bastante machucado e mal respira direito.

Minha visão ficou preta. Única coisa que ainda funcionava — e bem pouco — era minha audição. Ouvi passos se aproximando ainda mais de nós.

— Tenho uma coisinha que fará com que ele se sinta bem. — Disse a garota, abrindo a mochila. -  Faz ele comer isso.

— E o que é? — Perguntou Sue receosa.

— Ora, não há tempo. Se quiser que ele fique bem dê isso pra ele comer. Agora! — Enfatizou.

Contrariada, Sue colocou o quer que fosse à minha boca. E tinha um gosto horrível. Eu estava fraco demais para poder cuspir aquele negócio.

— Ei, coma isso, Adrian. Vai fazer você se sentir melhor. Eu acho... — Sua voz falhou por um breve momento. Não sabia o que aconteceria comigo, caso eu comesse aquilo. Mas não havia opção.

Tentei comer aquilo, sério, eu fiz de tudo, mas não tinha força pra mastigar. Até mandei mensagem para meu cérebro: "Colabora comigo, camarada, vai ser bom pra nós dois". Parece que ele entendeu o recado. Comecei a mastigar bem lentamente e a cada mordida que dava o gosto ficava um pouco melhor. Tinha gosto de bolo de chocolate depois mudou para pipoca com bastante manteiga. Como um choque, a vitalidade voltava pra mim. Meus ferimentos começaram a cicatrizar. Senti os ossos voltando ao lugar (Isso, sim, doeu. MUITO), os cortes sendo fechados. Abri meus olhos e a garota, Candence, estava acocorada na minha frente com aquela variante de cor que estava usando. Foi demais para meus olhos.

— Por que o arco-íris está parado na minha frente? — Murmurei.

— Como se sente Adrian? — Sue parecia mais relaxada agora que eu estava aparentemente bem.

— Como se tivesse acabado de sair de um pesadelo em que o colégio era destruído... — Olhei ao redor e me dei conta que era tudo real. - O.k. Talvez não tenha sido um pesadelo, afinal... Foram vocês que flecharam Galiofeu, não foram?

Candence assentiu.

— Obrigado pela ajuda. — Agradeci, me levantando sem dificuldades aparentes. — Aquela coisa que eu comi tinha um gosto estranho.

— O que foi isso que você deu pra ele? — Sue olhava para a garota multicolorida.

— É um pedaço de bolo que contem quase todos os nutrientes que ajudam na saúde e que fazem milagre. Basicamente, eles curam tudo: ferimentos, dor de cabeça, gripe, coração partido...

Quase tudo. — O grandalhão Ferdinand, se aproximou interrompendo a conversa. — Já que o garotinho está bem, é melhor irmos andando, o caminho até o Q.G é um pouco distante.

— Q.G? — Perguntei, mas o garoto apenas agiu como se eu não existisse.

Neste momento, o direito do colégio, o senhor Perry, veio até nós perguntar se estávamos bem e estranhou a presença deles dois, já que não eram alunos de lá.

— Fer — Chamou Candence. — Acho que seria bom usar aquele presentinho que o Paul nos deu.

Nós nos olhamos sem entender nada, Candence apenas deu um sorriso e garantiu:

— Apenas observem. É hilário.

Ferdinand tirou um pacotinho roxo do bolso esquerdo, enfiou a mão lá dentro e tirou um punhado de pó. O senhor Perry não entendeu nada e ficou confuso:

— Mas... Mas o que é isso?

— Fica tranquilo, meu velho, é para seu próprio bem. — Disse Ferdinand assoprando o pó no rosto do senhor Perry.

No primeiro momento nada aconteceu. Depois, o senhor Perry começou a tossir incessantemente. Até que parou. Seus olhos corriam por todos os cantos como se não se lembrasse de onde estivesse.

— Agora, você não se lembrará de mim ou daqueles três ali. — Apontou pra nós. — E se alguém perguntar, você não sabe quem somos. O que aconteceu aqui foi um desastre natural. Um princípio de terremoto ou algo parecido. Está bem?

O senhor Perry assentiu.

— Ótimo. Agora pode voltar pra lá de onde veio.

Nosso diretor, ou ex-diretor, voltou para o lado dos outros professores e alunos que estavam apavorados com o acontecido. Ao fundo podiam-se ouvir sirenes se aproximando do local, alguns curiosos e moradores perto do colégio chegaram aos montes para tentar ajudar enquanto os médicos não chegavam.

— Eu nunca me canso disso. — Gargalhou Candence.

— O que acabou de acontecer? — Perguntou Sue. — O que foi aquilo que ele jogou no senhor Perry?

— Ah, aquilo é o pó do esquecimento. É usado para, bom, fazer as pessoas esquecerem o que acabaram de presenciar. Funciona em nós e nos mortais comuns também. Nestes funcionam com o dobro da eficácia.

— Espera aí. Mortais comuns? — Estranhei. — E não somos mortais comuns?

— Eu não deveria explicar agora, mas tudo bem... — Candence foi interrompida por Ferdinand que parecia estar um pouco agitado demais.

— Candy, tem alguma coisa errada por aqui. Nós precisamos mesmo sair daqui. — A urgência transparecia em sua voz. — É como se estivéssemos sendo observados.

— Ahhh! Está bem, Ferdinand. Jamais me interrompa de novo, você sabe que gosto de dar as boas notícias para os novatos — Bufou Candence. E então ela apontou para Sue e eu — Eles virão com a gente?

— Sim. O Q.G. espera que a gente os leve em segurança até lá.

— Levar a gente? Q.G? Que conversa é essa? — Sue estava ficando impaciente e se levantou. — Não vou sair daqui até contarem tudo. — Ela cruzou os braços e bateu pé.

— Não temos tempo pra isso. — Ferdinand ficou um pouco mordido. — Vocês não entendem o perigoso que nos metemos pra ajudar vocês. Vocês têm duas opções: Ou vêm por boa vontade ou deixamos vocês aqui à mercê de quem quer que esteja tentando capturar vocês.

— É um bom ponto de vista. — Concordei. — Sue, nós temos que ir.

— Você confia neles, Adrian?

— Olha, queridinha — Candence se adiantou a falar —, Você deveria nos agradecer por dois motivos: O primeiro, nós ajudamos a matar aquela coisa horrenda lá. Qual era mesmo aquela coisa que atacou vocês? Enfim, não importa. Por fim, salvamos a vida do seu amiguinho ao dar um pedaço do bolo. Então, sim, acho que ele tem que confiar em nós. Você também deveria. Somos os mocinhos.

Sue ficou vermelha de raiva, estava prestes a explodir quando seu celular tocou. Sue pegou o celular da mochila, estava escrito "Papai está ligando". Ela se esqueceu da discussão que havia entrado com a Candence. Susan se levantou e andou um pouco até ficar numa certa distância de nós.

— Alô? — Disse Sue — Oi, pai. Sim, pai, eu estou bem. Terremoto? — Sue demorou alguns segundos para raciocinar direito. — Ah, sim, o terremoto. Desculpe é que estou um pouco abalada com tudo que aconteceu.

Ela parou de falar frases completas e ficou só respondendo "ahãm, ahãm, ahãm, ahãm, eu sei" por uns cinco minutos.

— Eu... eu não vou colocar na chamada de vídeo. — Sussurrou ela, envergonhada.

Não estávamos entendendo nada. Candence e Ferdinand reviravam os olhos de insatisfação, como se tempo fosse algo precioso e que não o tínhamos.

— Não temos tempo pra isso. — Explicou Ferdinand, impaciente e explodindo de irritação. - Quanto mais tempo ficamos aqui, mais rápidos eles chegarão aqui e isso vai virar um banho de sangue.

Bom, se tem uma coisa que eu digo sempre é: Se puder evitar banhos de sangue, faça. (Sim, eu digo isso sempre).

Mesmo um pouco distante da Sue, deu para ouvir o pai dela gritando do outro lado da linha: "quem é esse aí? banho de sangue? Susan Regina, chamada de vídeo agora!"

O segundo nome dela é Regina? Pensei.

Ela olhou pra nós como quem diz: Valeu pela ajuda. Realmente deixou tudo mais tranquilo. Sue mexeu no celular e em poucos segundos estávamos de frente para o pai dela (Não preciso explicar né?).

— Quem são esses daí? - O pai dela parecia ter uns cinquenta anos. Tinha os cabelos castanhos dela, só que com um toque grisalho.

Sue não respondeu de imediato, o que fez seu pai perguntar de novo, só que agora mais alto:

— Quem são esses daí?

— São meus... Amigos, pai. — Respondeu Susan, com a cabeça baixa.

Fiquei tentado em levantar a mão e dizer: E aí? Mas acho que seria um pouco exagerado. Por isso, então, não me aproximei ou tentei fazer contato direto com o Sr. McMenning. Os dois recém-chegados, Candence e Ferdinand, ainda impacientes, começaram a andar de um lado para o outro, como se estivessem fazendo uma varredura do perímetro.

— Primeiro dia de aula e já fez amiguinhos? - Seu tom de voz ficou mais ameno, quase como se estivesse deixando de lado que sua filha acabara de escapar de um “terremoto”. — É a garotinha do papai.

Susan ficou mais vermelha que um morango.

Hora da confissão: Admito que me segurei muito para não rir. Ela se voltou pra mim e fez uma cara bem intimidadora, que meu deu um leve frio na espinha. De repente, não havia mais graça em ser chamada de garotinha do papai.

— Filha, e esse daí, o trevosinho? — Ele apontou pra mim, o que foi estranho numa chamada de vídeo pelo celular. — Acho que o reconheço. Não é aquele que destruiu a antiga escola?

Ótimo. Logo agora que a conversa estava indo bem ele tinha que se lembrar deste pequeno detalhe.

— Ahá! Lembrei! — Gritou do outro lado da tela do celular. — Adrian de alguma coisa. Não foi por ele que você quis ir para o Castelo Branco? Você só ficava falando como ele havia sido acusado injustamente, como não era possível ele ter feito aquilo. Até fez uma maquete de isopor mostrando como era impossível ter explodido a sala de aula. Até hoje não sei como ela descobriu para qual colégio você foi transferido. E ainda: não sei por que me deixei ser convencido de mudá-la para este novo colégio. Claramente eles não têm normas de segurança contra terremotos.

— PAAAI! — Sue gritou tão alto que o pessoal do outro lado da rua se virou pra ver o que era. — Não é hora de tocar no assunto.

— Tá, tudo bem. Como você quiser, anjinho. - Disse ele, simplesmente. - Então... - Mudou de assunto - que história é essa de BANHO DE SANGUE?

— Olha — Ferdinand de aproximou irritado dela, pegando o celular de sua mão. —, não temos tempo pra isso, está bem?

— Ora, quem é você pra falar assim comigo? — Questionou o pai da Susan.

— Não importa quem eu sou. — Rebateu Ferdinand. — Sua filha e o amiguinho idiota dela foram atacados por um Chacáh. Não um terremoto. Há mais monstros vindo. Então, eu sugiro que acabe logo o papinho desnecessário, porque eu não perder minha vida por causa de vocês.

Nós três — Sue, eu e Candence estávamos incrédulos. Nos entreolhamos para saber se tínhamos escutado direito o que ele acabou de falar.

Olha, eu descobri que monstros são reais há o quê, trinta minutos? Mais? Até eu sei que contar isso para as pessoas não vai adiantar, elas simplesmente não entendem. Como eu sei disso? Não sei explicar. Meu cérebro está inundando com tantas informações novas a respeito sobre essas coisas.

Passou cinco minutos, e o Sr. McMenning, ficou em silêncio, tentando compreender o que acabara de ouvir. Provavelmente deve pensado que o grandalhão é maluco ou algo do tipo. Eu também pensaria se não tivesse presenciado.

— Monstros? — Por fim, ele falou. Sua voz parecia menos agitada. — Eu sabia que este dia chegaria.

— Como? — Sue pegou o celular de volta da mão do Ferdinand. Sua expressão era de surpresa, assim como a de todos nós. — O senhor sabia?

— Será que posso ter um minuto a sós com minha filha? — O Sr.McMenning gritou do outro lado da chamada.

Relutantes, nós três recuamos mais ainda para deixá-los conversar. Mas não longe o bastante para não poder escutar o que diziam. Só consegui ouvir pedaços da conversa, tinha algo relacionado com a mãe da Sue, sobre ela ter avisado que este dia chegaria mais cedo ou mais tarde.

Ele disse também que Sue deveria ir conosco. Que ela estaria segura, como sua mãe havia dito anos atrás. Depois disso, Susan desligou o celular e veio até nós com os olhos vermelhos.

— O que houve? — Perguntei, tentando ser solidário.

— Nada... — Ela falou. — Vamos, tenho que ir.

Susan fitou os outros dois.

— Meu pai... — Fez uma pausa. — Ele disse que vocês sabem um lugar seguro.

— Sim, oras! — Disse Candence. — Estamos falando a uns quinhentos anos que vamos levar você até lá. É um dos únicos refúgios seguros. Agora, vamos logo.

— É... Candy? — Chamou Ferdinand — O Q.G. fica uns oito quilômetros daqui, em outra cidade. E não tem mais nenhum ônibus que vá até lá nas próximas três horas.

— Ahhh, ótimo! Era só o que faltava: estar presa nesta cidadezinha com dois novatos e podendo ser atacada por monstros a qualquer instante.

Ela saiu bufando de raiva descendo a rua.

E agora? — Questionei, mas o grandalhão decidiu me ignorar (Mais uma vez) e ir atrás dela.

Olhei pra Sue, ela estava abalada com toda aquela reviravolta familiar que acabara de ter. Mas ao mesmo tempo ela demonstrava estar confiante, como se a conversa com o pai tivesse sido esclarecedora ou algo do tipo.

— Vamos ir com eles? — Falei para quebrar o gelo.

— Sim. — Respondeu simplesmente, e foi atrás dele.

Bom, eu tive que ir também, não queria ficar sozinho caso outro monstro aparecesse. Olhei para trás e vi o antigo Colégio Castelo Branco com a frente destruída, pessoas ao redor chorando, gritando e aliviadas por estarem vivas.

De longe, ouvi as sirenes dos bombeiros e das ambulâncias se aproximando mais ainda. Peguei a mochila que estava no chão. Espanei-a. Coloquei nas costas. Pensei no meu pai e na Marie, o que eles estariam achando disso tudo? Será que estavam preocupados?

Respirei fundo. E fui andando até meus novos companheiros de viagem, para um lugar desconhecido.

***

[Vocês podem estar se perguntando: Adrian, você realmente confia nesses dois para segui-los até um lugar que você nunca ouviu falar? Olha, em ocasiões normais, eu não confiaria. Meu pai (assim como todos os outros pais do mundo) sempre disse para não aceitar ajuda de estranhos. Mas, quando esses estranhos salvam sua vida duas vezes, é bom dar um voto de confiança.]

Nós quatro percorremos o centro de Sempre Noite, ziguezagueando entre as ruas, para não facilitar que fossemos encontrados por algum monstro que tivesse atrás de nós. O sol estava muito quente, fazendo-nos ficar desidratados bem mais rápido que o normal. Contudo, acho que foi apenas minha imaginação, porque os outros não disseram nada a respeito.

Não tínhamos um plano para chegar até o Q.G, que descobri que fica em Bahuessi, uma cidade vizinha a Sempre Noite. Ferdinand e Candence não faziam a gentileza de nos contar como chegaríamos até lá, tudo que diziam era para continuar andando que, em algum momento, a ideia iria surgir.

Sue estava do meu lado, com a cabeça baixa, não dissera mais uma palavra desde que saímos do colégio. Vez ou outra, pude a ouvir chorando baixinho, mas quando percebia que eu notava, ela limpava o rosto e continuava andando como se nada tivesse acontecido.

Essa garota continua sendo um mistério pra mim. Mas, aos poucos, consigo entendê-la. Hoje cedo, no ônibus, ela foi bastante simpática comigo, até então, tudo bem. Só que minutos atrás, descobri que ela estava lá no colégio novo por minha causa. Pode parecer estranho, mas é até legal saber que você é famoso. Ela tinha acreditado em mim, mesmo quando eu era o primeiro a me questionar. (Mas nunca deixei transparecer isso pra ninguém). Eu a conhecia há poucas horas, mas já sentia uma afeição por ela, havia se tornado minha única amiga em anos.

[Tá, eu a coloquei em perigo algumas vezes hoje pela manhã, quando quase fui sequestrdo por Galiofeu. Mas saímos vivos. Ninguém se machucou gravemente (Bom, talvez as minhas costas, minha perna e os braços antes de ser curado pelo bolo, mas é um mero detalhe) além do colégio, mas não conta.]

Estávamos cruzando a Avenida Lincoln Sheppard quando me dei conta de que ali perto havia um lugar para descansarmos e, ao mesmo tempo, comer alguma coisa. Olhei para meu relógio, dava meio dia, a hora perfeita para estar comendo.

— Ei! — Chamei a atenção deles. — Conheço um lugar aqui perto para comermos alguma coisa e pensar numa maneira de ir para esse tal Q.G.

— Não temos tempo para lanchinhos. — Disparou Ferdinand, sua voz era ríspida e grave.

— Na verdade, Fer — Disse Candence. —, comer alguma coisa até que seria uma boa.

Sue nada disse, apenas assentiu.

Ferdinand bufou de desaprovação, mas ele era voto vencido. Era três contra um.

— Está bem. — Concordou vendo que era voto vencido. — Só quinze minutos e voltamos a andar.

Tomei à frente do grupo, liderando-os até o Confins de Júpiter, minha lanchonete favorita. Eu ia lá com meu pai toda vez que ele arrumava tempo no trabalho. Além de ser uma das mais conceituadas de Sempre Noite. Eles fazem o melhor pão de centeio do universo. (Não que eu tenha provado de outros mundos)

Lá dentro, não demorou muito até que uma garçonete veio até nossa mesa, era a Maggie. Maggie é uma garota de vinte e cinco anos que sempre fazia questão de nos atender – meu pai e eu. Certo dia disse a ele que a Maggie era a fim dele, mas ele não acreditou. Quando ela chegava à nossa mesa, ela ficava vidrada nele, suspirando. (Ah, o amor!).

— Oi, Adrian. — Cumprimentou Maggie, sorridente. — Faz tempo que você não vem aqui. Como está seu pai, ocupado como sempre? — Quando ela falou dele soltou um suspiro óbvio demais, seus olhos brilharam. Ela percebeu que deu bandeira e foi logo se apressando. — Então... São seus amigos?

— Sim. Acho que posso chamá-los assim. — Respondi.

— Bom, se são amigos do Adrian — Disse Maggie. — São sempre bem-vindos a retornar quando quiser.

— Maggie! – Gritou o gerente, o Sr. Pallel.

— Tenho que ir ou Sr. Pallel vai querer comer meu fígado se eu demorar. Vai ser o de sempre, Adrian?

— Sim. E com porções extras. Meus amigos aqui estão com fome.

— Pode deixar. — Ela deu um sorriso e foi até o Sr. Pallel que ficava gritando e agitando os braços.

— Qual a história dela com seu pai? — Disparou Candence, obviamente notando o comportamento da Maggie.

— Não tem nenhuma, na verdade. Ela dá bandeira de que gosta dele, mas meu pai é concentrado demais no trabalho, mesmo eu dizendo pra ele que a Maggie era a fim dele. Mas, sinceramente, acharia estranho eles dois... Sabe, namorarem ou algo do tipo.

— É, deve ser mesmo. — disse Candence, encerrando o assunto.

Ferdinand continuava com aquela de olhar para todos os cantos da lanchonete, esperando uma armadilha, como se os clientes dali fossem monstros disfarçados de pessoas comendo rosquinha. Susan continuava de cabeça baixa, vidrada no chão. Eu queria ajudá-la de alguma, mas não sabia como. Talvez ela precisasse de um tempo para processar tudo aquilo.

Enquanto esperávamos nosso pedido, ficamos conversando mais profundamente sobre este mundo de monstros, deuses e afins. Candence contava a história como se já tivesse ouvido aquilo dezenas de vezes:

— Olha — Falou Candence —, só sei o que me contaram e que li nos livros.

Fez uma pausa e começou a falar a história.

— Foi há uns milhões de anos, não tinha nada, além do vasto espaço. Antes que perguntem, a questão temporal entre nós e os deuses são bem distintas; o que pra nós parece muito tempo, para eles é um piscar de olhos. — Fez mais uma pausa, tomando fôlego. A história parecia ser longa e complexa — Tudo começou com o primeiro Ser: Umnus. E até os deuses devem se cansar da solidão, por isso Umnus, a partir de sua essência, criou Kanda, a Deusa Mãe. Eles tiveram filhos, dando origem a uma nova espécie: os Primevos. O curioso é que todos os seis filhos servem complementos um do outro. Os primogênitos foram Heloz, o Deus Céu e do Ar, e Cahã, a Terra e a Deusa dos seres viventes; algumas lendas dizem que ela também é Deusa da natureza. Depois os gêmeos: Call’uh, a Escuridão e o céu além do que podemos ver e Kahliz, a Noite, a forjadora de todas as estrelas. E por último Magãda e Ornarc. Resumindo, eles foram criados para comandar o Universo após a partida dos pais. — Candence fez outra pausa para respirar.

E não por coincidência, nosso lanche chegou: pães de centeio, rosquinhas, donuts, bolos de laranja e refrigerante. Servimo-nos com um pouco de cada, até Ferdinand não resistiu o doce sabor dos bolinhos. Sue pegou um pedaço do bolo e colocou em seu prato. Candence pegou porções de doces e rosquinhas e jogou em seu prato, formando uma pilha de comida, o que foi engraçado. E eu, peguei meu pão de centeio.

— Outra hora eu termino a história - Candence estava de boca cheia.

Depois de comermos, a vontade de chegar até Bahuessi parecia mais ávida em nós, só não sabíamos como.

— Precisamos chegar a Bahuessi o mais rápido. – Lançou Candence, tentando terminar de engolir. — Temos que pensar em algum meio.

— Roubar um carro, talvez? — Sugeriu Ferdinand.

— Não! — Rebati na mesma hora. — Não vamos roubar nenhum carro. Temos que achar outro jeito.

— Posso ligar para meu pai. — Dispôs Sue, enquanto limpava a boca. — Ele me deve muita explicação e essa seria uma boa oportunidade pra isso.

— Sue, não acho bom envolver seu pai nisso. — Disse eu. — Ele pode se tornar um alvo se estiver conosco.

A garota pareceu estar pensando melhor naquela possibilidade, e concordou apenas abaixando a cabeça

Até que uma ideia clareou minha cabeça. Poderia ser um tiro no escuro, mas era bem melhor que roubar um carro. Se as notícias do acontecido no colégio tivessem chegado à imprensa, é possível que Marie esteja morrendo de preocupação.

— Ei, pessoal, acho que sei um jeito de irmos até Bahuessi. — Comentei. — Meu pai tem outro carro na garagem, que ele usa mais para sair. O carro ainda deve estar lá, se algum de vocês dois souber dirigir será ótimo e vamos chegar até o Q.G. em menos tempo do que ir andando ou esperar um ônibus.

— Bom, parece ser o plano mais razoável até agora — Exclamou Candence. — Eu topo!

— Eu também. — Concordou Sue. Uma das coisas que não achei que veriam: elas duas concordando em algo.

E mais uma vez, Ferdinand era voto vencido, mas ele nem pareceu se importar.

— Ótimo. — Falei. — Minha casa não é mais do que dez minutos daqui, dá para irmos andando sossegado e, possivelmente, sem nenhum ataque.

Fui até o caixa, o Sr. Pallel parecia mais tranquilo, paguei a conta e fui embora. Passei pela Maggie e me despedi dela. Tinha a sensação de que não voltaria ali tão cedo. Dei uma boa olhada para o Confins de Júpiter.

Comecei em ir de encontro com os outros. O sol quente reinava soberano lá no céu. Pensei no que Candence havia dito, sobre os deuses. Será que há um que Deus Sol?, pensei. De uma forma ou de outra, eu acabaria sabendo a resposta.

E, de repente, quando dei por mim, estava seguindo o caminho de casa com aquelas pessoas, na esperança de ver a Marie e ela decidir que eu não iria a lugar algum.


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