Como todas as manhãs dos últimos 20 anos, o casal Peterson acordou com o som irritantemente alto do despertador de Helena. Devagar, começaram a rotina daquela sexta-feira. Mal sabiam eles que esse dia seria totalmente diferente de todos os ouros.

Café para Helena, panquecas para Joe. Escovar os dentes. Trocar de roupa. Acordar as crianças. Preparar o café da manhã das crianças. Dar um beijo de despedida. E cada um seguir com o resto de suas rotinas. Helena levava as crianças para a escola e depois ia para o trabalho. Joe ficava em casa por mais algumas horas antes de ir trabalhar.

Entretanto, Joe não apenas ficava algumas horas a mais em casa à toa. Esse era seu tempo precioso para realizar suas fantasias, fetiches que em 20 anos de casado nunca conseguiu juntar coragem para contar à esposa. Joe, por fora, era um homem gorducho na casa dos 40 anos e completamente comum. Por dentro, ele sentia uma estranha satisfação em usar as roupas íntimas da esposa.

Todo dia, após Helena ir trabalhar, Joe voltava para o quarto e revirava as gavetas de lingerie de sua querida mulher. Achava as peças que mais gostava e as vestia, admirando-se no espelho. Não era gay, nem travesti, nem transexual. Ele apenas se sentia completo quando usava aquelas roupas específicas. Mesmo que se sentisse seguro em relação à sua sexualidade, Joe não tinha coragem de contar para Helena seu maior segredo, tinha medo que ela o rejeitasse e o abandonasse.

Naquela sexta-feira, como sempre, Joe despediu-se da esposa com um beijo e acenou para as crianças antes de voltar para dentro de casa e realizar seu fetiche. Foi em direção ao armário e começou a procurar as peças especiais que colocaria naquele dia.

Enquanto isso, Helena levava as crianças para a escola, sempre correndo, sempre atrasada. Parava na frente da entrada da escola e despedia-se de seus filhos, um menino e uma menina, os amores de sua vida, seus bens mais preciosos.

Naquela sexta-feira, Helena percebeu que havia esquecido o projeto de uma casa em que estava trabalhando. Não poderia ir para o escritório sem aquele projeto, o que mais iria fazer o dia todo? Seu chefe gostava de encarregar os engenheiros com apenas um projeto por vez, então precisava daquelas plantas. Suspirou e deu meia-volta, teria que passar em casa.

— Querido – começou ela, entrando em casa –, você não vai acreditar que eu estou atrasada e ainda esqueci... – Ela parou de falar de repente quando ouviu música vindo do andar de cima. O que será que seu marido estava aprontando?

Subiu as escadas intrigada, nunca soube que Joe gostava daquele tipo de música. Parecia... sexy?

Abriu a porta do quarto lentamente, esquecendo-se totalmente que estava atrasada, e não conseguia acreditar no que seus olhos estavam vendo. Era seu marido, mas ele estava totalmente diferente da pessoa que Helena conhecia. Ficou observando a cena boquiaberta.

Joe vestia sua calcinha vermelha de renda, com seu sutiã conjunto, luvas pretas até os cotovelos, e seu par de meias-calças arrastão, juntamente com sapatos de salto que ele tinha tirado vai saber de onde, já que eles não calçavam o mesmo número. O chocante não era só as roupas que Joe usava, era o fato de ele estar dançando sensualmente em frente ao espelho enquanto seus olhos brilhavam de luxúria pela imagem refletida.

Helena sentiu uma leve inveja daquele olhar, ele nunca havia olhado para ela daquele jeito, nem em suas noites mais quentes. Mas aquela pontada de inveja não foi nada comparado ao desejo que sentiu ao ver seu marido usando suas roupas e dançando daquele jeito. Ela se sentiu intrigada, curiosa, esperançosa até.

Finalmente, Joe a viu pelo espelho, e levou o maior susto, tentando cobrir-se imediatamente com a coberta de cima da cama. Sua expressão era puro choque, e seu olhar era de puro medo. Fora descoberto. Após 20 anos de casados mantendo esse segredo tão bem escondido, Joe fora descoberto. Sua vida estava arruinada, ele pensou. Era o fim.

— H-Helena... O-o que está fazendo aqui a essa hora? – Perguntou ele, totalmente envergonhado e aterrorizado. Mas não conseguia decifrar o que significava a expressão da mulher.

— Joe – Helena começou pausadamente –, o que está acontecendo aqui? Por que você está vestido desse jeito?

Ela entrou no quarto, aproximando-se do marido, que só sabia se encolher cada vez mais.

— E-eu não sei o que dizer... – Ele não sabia de onde tirava força para falar. – Por favor, desculpe-me, Helena. Eu...

— Desculpar você pelo quê? – Ela o interrompeu.

— Por isso – ele apontou para si. Helena viu que lágrimas surgiam nos olhos do homem a sua frente. Ela se sentiu um monstro. Como o marido poderia se sentir inseguro e intimidado desse jeito perto dela?

— Venha aqui – disse ela, sentando-se na cama e batendo ao seu lado no colchão. – Amor, quero que me explique o que é isso. Por que está usando minhas roupas? E por que você nunca me contou sobre isso?

Ele olhou nos olhos dela, sentando-se ao seu lado na cama, totalmente confuso.

— Você não está brava?

— Por que eu estaria?

Ele não conseguia acreditar que a esposa estivesse tão calma, mas resolveu aproveitar e contou tudo. Contou como descobriu que sentia prazer em usar roupas íntimas femininas e dançar em frente ao espelho desde a adolescência. Contou que achou uma experiência ainda melhor vestir as roupas dela, da mulher que ele amava. Contou como isso o fazia sentir mais ligado à esposa, e como isso fazia seu amor por ela crescer cada vez mais.

Helena ouviu tudo calada, perguntando alguns detalhes aqui e ali. Estava surpresa com o que estava ouvindo do marido, nunca imaginara que ele tivesse um fetiche desses, ele nunca demostrara nada nesses últimos vinte e poucos anos juntos. Porém, ficou extremamente emocionada e até satisfeita quando ouviu que ele se sentia mais próximo a ela usando suas lingeries.

Quando percebeu, estava se jogando para cima do marido, abraçando-o e beijando-o. Amava aquele homem ainda mais depois do que lhe fora contado, e admitia que não achava a situação totalmente esquisita; achava até um tanto excitante.

Joe estava radiante com a atitude de Helena. Nunca imaginara que a esposa seria tão receptiva com seu fetiche. Estava ainda mais apaixonado.

— Eu te amo tanto. – Ele murmurou entre beijos. Helena encostou suas testas e olhou bem no fundo dos olhos de Joe.

— Eu também te amo. Com todas as suas peculiaridades. Com todas as nossas diferenças. Com todas as minhas forças.

E eles passaram o resto da manhã fazendo amor, um amor finalmente sincero, um amor puro.

Fim