Embaixo da mesa escrita por Apaixonada sama


Capítulo 1
O pano da mesa.


Notas iniciais do capítulo

+ História de terror de Undertale.
+ Happy Halloween atraso de pelo menos 5 minutos.
+ Postada no Amino.
+ Contém violência descrita, prossigam com cuidado! ♥



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— Está com você, Chara!

 A voz de Asriel ecoou por todo o corredor da casa grande, além de seus passos que chegavam logo em seguida no andar de cima. Asgore bebericava seu chá com leve desdém, enquanto lia o jornal. Já Toriel, lia um livro, enquanto se acalorava com o som do fogo crepitando a madeira dentro da lareira de tijolos cetrinos. O mutismo sobrevoava a região entre o casal, que trocavam olhares com discrição, sem incomodar ou apoquentar se iria obstaculizar a leitura.

 Os dias têm sido assim, desde que Chara apareceu na residência.

 Enquanto os ventos se comparavam a lobos uivantes, a chuva caía como uma precipitada decisão intolerável. As árvores bruxuleavam graças à forte tempestade, além de estar a muito tempo aguentando todo aquele temporal. Geralmente, era comum a aluvião avizinhar durante aquele mês, em todos os anos. Porém, jamais fora um incômodo para a pequena família, que agora tinha um novo integrante: Chara.

 Chara era uma pequena criança com um cabelo castanho Chanel, que lhe cobria os olhos. O roupão branco era longo em suas mangas, além de alegar uma recente chuva que havia pegado. Não falava assim como não gesticulava. As perguntas sempre eram terminadas em um enfado inconfortável, por mais que os familiares não quisessem fazê-las.

Isso era estranho, nada mais justo.

 Não comparecia aos jantares, não fazia questão de degustar de algo. A pele pálida era descrita facilmente por Asriel, que não se incomodava com a coloração daquela criança. Ele apenas queria um amigo, já que era novo na região. E não se daria ao luxo de perder apenas por uma simples policromia heteróclita. A família ao menos, ainda jantava junto. Chara não.

 — Você... Quer mais chá? — Toriel inqueriu em um tom de murmúrio, vendo seu esposo desviar o olhar para fitá-la com atenção. A barba loura se destacava claramente naquela iluminação que era preenchida com uma flama, queimando como labaredas.

 — Estou satisfeito, meu bem. Irei dormir agora.

 Levantou-se, alojando o jornal fechado na pequena mesinha de centro. Bocejou preguiçosamente, depondo um beijo à testa da mulher, que rira baixinho. Dirigiu-se ao quarto, deixando-a ali, observando o fogo espumar suas faíscas ferozmente, graças ao frio que se estendia. Decidiu dormir também.

 

 Antes, apagou a lareira. Alevantou-se, encaminhando seu corpo com passos leves até o quarto de Asriel, abrindo a porta devagarinho, observando-o deitado no chão, perto de uma mesa coberta com um estofo vermelho, conversando e rindo. A risada soava tacanha, como se fosse um segredo. O pano remexeu rapidamente, fazendo o pequeno bode olhar para a porta.

 — Oi, mãe. — Disse, encarando com antojo e descontentamento para a mulher, que mantinha a mão próxima à boca. — Você assustou Chara, sabe?

 — O-oh... D-desculpe, pequena Chara... — Enunciou hesitantemente, olhando com suas íris rubras para outra direção, que não fosse às crianças. Um suspiro entediado escapou do filho.

 — “Chara” é um menino. — Pronunciou com desprazer. — A senhora está indo dormir, é isso?

 — A-ah... Perdoe a minha inconveniência. É falta de costume. — Deu um sorriso tímido, passando a mão atrás da nuca, um pouco desconcentrada. — Estou indo dormir, s-sim. Queria dizer para não ficar... Hum, ficarem, acordados até tarde. Você... Tem aula amanhã. E Chara, bem... Ainda não dei um jeitinho na sua vaga escolar.

 — Claro, claro... Está tudo bem. — Pôs a mão embaixo da mesa, que seus pés amadeirados estavam escondidos pelo pano rubro, parecendo fuxicar algo, com certa dificuldade. — Você tem sorte, Chara! Eu preciso estudar, enquanto tu dormes.

 Apenas Asriel riu, mas de uma forma contagiante, como se tivesse acabado de ouvir uma piada cômica. Toriel se afastou, desejando um mero “boa noite”, fechando a porta vagarosamente, até que deixasse de espiar pela fresta seu filho, conversando com a outra criança embaixo do pano. Destinou-se ao seu próprio quarto, vedando a porta. Asgore espiava com o canto do olho, até que se ajeitou na cama.

 — Como eles estão? — Ele indagou.

 — Os mesmos de sempre. — A cabra respondeu com um suspiro inconformado, deitando no colchão. Estendeu a coberta até a altura do ombro, virando o rosto para o marido que lhe oferecia um olhar malcontente.

 — Não se preocupe... Tenho certeza que essa fase vai passar brevemente.

 — Que o Anjo da Profecia lhe ouça... — Murmurou pesarosa, fechando os olhos e dormindo. Asgore em seguida, reproduziu a mesma ação, não deixando de pegar no sono.

 

 O dia seguinte já se despontava na janela do cômodo da saleta, acompanhado de nuvens cinzentas e amarguradas, anunciando uma precipitação que provavelmente chegaria durante ao entardecer. Asriel já estava terminando de vestir seu uniforme, pois só isso faltara, quando resolvera olhar para baixo da mesa. Ofereceu um sorriso gentil.

 — Não se preocupe, o papai e a mamãe são legais. Estarei de volta logo! — Disse, acenando. Saiu do quarto, se despedindo dos pais. Não demorou muito para atravessar pela porta, desaparecendo na multidão de alunos.

 A taciturnidade e o silêncio se fizeram presentes novamente no ambiente. Com um breve receio, Toriel retornou a assistir o noticiário na televisão, enquanto seu esposo analisava silenciosamente pequenos projetos dispostos na prancheta amarela. Anotava com caneta, deixando apenas o som de rabiscos preencherem o recinto. Toriel engoliu a seco, abaixando o volume do televisor e logo se expressando:

 — Acho que precisamos conversar com ele.

 — Você acha que ele vai entender? — Questionou, desviando o olhar detrás dos óculos de grau. — Asriel está mais cabeça dura que uma pedra. Além de contar sua teimosia, o fato de estar se tornando cada vez mais irascível.

 — Asgore, nós dois somos os pais dele. “Chara” é apenas uma criança. Onde eu estava com a cabeça, ao o deixar entrar aqui?

 — Hum... — Bebericou o café, olhando a prancheta. — Eu não sei.

 — Eu também não sei, isso é frustrante. Só estou cansada.

 Ambos retomaram o silêncio definitivo. Enquanto um tentava forçadamente entender o projeto que havia esboçado, outra estava desesperadamente tentando recobrar sua calmaria sempre visível. Olhou para Asgore, que a observava preocupado, sinalizando para aumentar o volume do programa.

 — O que foi? — Ela indagou, murmurando.

 — Você... Sabe onde está Chara? — Respondeu com um sussurro.

 — Não o vi saindo. Mas não escuto nada lá em cima.

 — Ele sabe mesmo como ser silencioso.

 Mas seus murmúrios era em vão, afinal ele sempre esteve ali, observando com cautela.

 

 Durante mais tarde, Asriel já havia retornado para casa. Com um grande sorriso alargado em seus lábios, quase dizendo de passagem: “De orelha a orelha”. Desceu às escadas, parando no penúltimo degrau, para descender totalmente à sala.

 — Como vocês trataram o Chara? — Ele questionou, fazendo ambos os pais arquearem os ombros assustadiços. Toriel pôs a mão no peito, arfando com um ar de assustada. Asgore riu inibido, olhando para o filho que se aproximava com os braços cruzados.

 — Oras, bem! — A figura paterna respondeu, com um tom natural. — Foi quase exatamente a mesma coisa dos outros dias... Oferecemos café da manhã, assistir um programa conosco na sala... Hoje até fui diferente: Tentei fazer com que ele me ajudasse neste projeto, mas... Você sabe. Ele é tímido.

 — E você, mãe?

 — O mesmo que seu pai, meu querido! Deixei para tentar fazer algo inovador amanhã. Um passo de cada vez...

 — Não foi isso que ele me disse. — Expressou mal-humorado. — Chara disse que vocês estão cochichando e fazendo segredinhos sobre ele. Vocês não sabem o quanto isso é um incômodo? Eu estou ficando farto disso toda hora acontecendo.

 — Asriel, pare já com isso! — Toriel ordenou com um tom de voz que se bradava como um trovão das redondezas.

 — Vocês só me irritam! Toda hora ficam magoando Chara!

 O olhar do casal se vasculhou, desesperadamente. Ambos estavam pálidos e temerosos, não pelo fato de Asriel estar dando-lhes uma bronca, mas sim por Chara estar pombeando a conversa, mesmo sem o conhecimento deles, além da total discrição. O pequeno bode rangeu os dentes, estendendo a mão e fechando os dedos, subindo as escadas com pressa, sem mais nem menos.

 — Isso está ficando pior do que eu pensei. — Asgore discorreu, apreensivo pela atitude do garoto.

 — Ele está perdendo a noção...

 A noite encerrou por ali mesmo para o casal.

 

 Já para Asriel, não poderia dizer o mesmo. Rabiscava furiosamente uma folha de papel em branco, deitado no chão e perto da mesa de seu quarto. Resmungava, mas de forma inaudível.

 — Eles não entendem, Chara. Desculpe-me por eles te chatearem tanto... — Exclamou, quebrando a ponta do giz de cera. — Eu fico irritado com isso, mas não posso fazer nada... Se eles pudessem aprender uma lição... Ah, que raiva! Eu os odeio!

 Ergueu a cabeça, olhando para a criança silenciosa. Não conseguia manter a feição raivosa, que aos poucos se amenizava. Começou a desenhar calmamente, esboçando um rosto. A calmaria que sentia, perto de seu amigo, era inexplicável. Como se toda apreensão e medo, ódio e fúria se esvaísse aos poucos, apenas pelo fato de estar ali.

 Era isso que Asriel gostava em Chara.

 

 

 No dia seguinte, a mesma coisa se sucedeu.

 Asriel saía de seu quarto, terminando de ajeitar seu próprio uniforme, enquanto carregava com pressa sua mochila semiaberta, derrubando alguns materiais. Despediu-se rapidamente, exprimindo o quão estava atrasado. Seus pais, no entanto, não reagiram o repreendendo. Apenas se lançou um no ar: “Boa aula, filho.”, naturalmente.

 E quando a porta bateu, Toriel levantou rapidamente do sofá. Asgore repetiu o gesto, fechando as cortinas da sala e ambos subiram ao quarto de seu primogênito, abrindo brevemente a porta de madeira, contemplando o silêncio absoluto e sinistro que se fazia presente. De forma desavisada, uma tesoura voou na direção do homem, que desviara por pouco.

 — Mas o quê?! — Questionou, vendo o objeto cortante enfincado na parede, como se fosse à força mais bruta do ódio. — V-você viu isso?

 Não houve resposta de Toriel. Estranhando a mudez súbita da esposa, olhou para o lado, apenas podendo contemplar o corpo desfalecido nos degraus inferiores, repleto de tesouras afiadas e esquadros em suas costas. O carmesim puro escorria por todo o carpete que adornava a sala, além de seus olhos rubros estarem arregalados.

 Asgore estava horrorizado assistindo a cena, mas quando se dera conta, apenas uma cadeira atingiu sua cabeça, fazendo-o se agachar dolorosamente, murmurando diversos praguejamentos. Olhou para cima, vendo se aproximar um vulto negro com o rosto sorridente em vermelho puro, carregando em seus braços o lençol vermelho da mesa. Antes que pudesse reagir, seu rosto fora vendado com todo o domínio e robustez, impossibilitando-o de respirar. Seu coração batia forte, enquanto se contorcia tentando se livrar do pano.

 Um minuto se passou, logo em seguida, mais dois. Dando um último suspiro, deixou com a que a pesada mão repousasse bruscamente no chão de xilema.

 Quando Asriel retornou ao lar, deixou com que caísse de joelhos, olhando aterrado para a cena. O pânico era evidente em seus olhos esmeraldinos, além de que o ar lhe faltara. Pôs a mão na garganta, tentando impedir-se de regurgitar. Seus orbes se dirigiram ao vulto que mantinha a face sorridente. Planava, mas o bode não evitou se arrastar até encostar à porta, vendo a criatura bizarra em sua frente.

 O cabelo castanho não realçava mais a franja caída no rosto, mas sim um rosto horrendo com um espesso fluído negro escorrendo por forames oculares, acrescentando um sorriso insolitamente atípico. Andava calmamente, até se aproximar totalmente de seu amigo.

 — O... Que... Você... Fez? — Questionou, desacreditado com a cena, tampando as mãos com a boca, segurando as lágrimas que se formavam nos cantos dos olhos com desespero iminente.

 — Você os odiava, certo? Eu simplesmente os matei. Nada mais vai nos irritar.

Silêncio. A criatura anômala estendeu a mão ao garoto, afagando sua cabeça.

 — Eu dei a lição neles que você tanto queria. Vamos a outro lugar, eu estou enojado de ficar aqui durante centenas de anos.

— Centenas... De anos...?


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