Vinte anos escrita por cecimaria
Notas iniciais do capítulo
As vezes no silêncio da noite eu fico imaginando eles dois.
O silêncio da casa incomodava Elisabeta. Afinal, sendo filha de Ofélia Benedito e irmã de Lídia silêncio não era algo com o que se podia contar.
Em São Paulo era sempre mais tranquilo do que no Vale, mas aquela semana estava sendo bastante atípica. Com Thomas em Cambridge, Laura e Arthur passavam cada vez menos tempo em casa, procurando suprir a falta do irmão com os amigos e ocupações. Francesca era a única que ainda fazia companhia à mãe, mas dormia cedo demais. E agora Elisabeta estava entediada. Darcy estava no Rio há três dias e ela não aguentava mais de saudades do marido. Elisa e Darcy sempre tiveram uma vida, digamos, agitada, principalmente depois da chegada dos filhos. Mas agora tudo parecia quieto demais, e Elisabeta Benedito odiava quietude.
Passava pouco das oito da noite e até os empregados já haviam se retirado. Elisa já havia passado do sofá para a poltrona do piano seis vezes em vinte minutos. Tentara escrever, mas nada que ela colocava no papel parecia bom o suficiente. Quando a porta da frente abriu ela deu um sobressalto. Darcy!
— Você não ia chegar só amanhã? - ela perguntou realmente surpresa ao marido.
— Posso dar meia volta, dormir em um hotel e aparecer aqui só amanhã. - ele respondeu bem humorado, já colocando os braços ao redor da esposa.
— Acho uma ótima ideia. Me leve junto!
— Dias estressantes em casa? - ele beijou o topo da cabeça dela.
— Dias tediosos! Não foi o que você me prometeu quando casamos. Eu quero um pouco de ação, Darcy!
— Não já tivemos "ação" o suficiente para toda uma vida? - ele sorriu, sentando-se com Elisa no sofá, os dedos dele acariciando o rosto dela. - Eu estava com saudades desse rosto.
— E eu com saudades de você. Da próxima vez você me leva!
— E deixar as crianças sozinhas e correr o risco de não encontrar a casa de pé ao voltar?
— Se seus filhos ao menos parassem em casa...
— Meus filhos? - ele ri - Meu amor, Laura e Arthur tem tanto sangue Benedito nas veias que se não fosse por Francesca eu acharia que gastei todo meu DNA com o Thomas.
— Ai que saudade de Thomas!
— Podemos visitá-lo no próximo mês e de lá seguimos para a Itália. Uma semana só nós dois, o que acha?
— Por mim iríamos agora. Aventura, Darcy!
— Muito me admira você reclamando de tédio justo com os dois mais espoletinhas em casa.
— Eles não querem mais saber de mim, agora eles tem amigos. A Mãe perdeu a utilidade. Não sei se Arthur lembra o caminho de volta para o próprio quarto.
— Elisabeta Benedito Williamson, você virou sua mãe!
— Eu não tenho pressa para casar Laura. - ela deu de ombros e empurrou de leve o ombro do marido.
Os dois ficaram abraços em silêncio pelo que parceu três minutos inteiros. Então Elisabeta suspirou e se aconchegou mais ao esposo.
— Quando brigamos por aquela calça você imaginou que acabaríamos assim?
— Assim como? Felizes? Apaixonados?
— Com uma família. Sofrendo pela saída dos filhos de casa. Eu arrumando seus fios grisalhos com a mão...
— Quando brigamos pela calça não. Mas quando lhe vi só de roupa de baixo em cima do morro eu tive um pequeno vislumbre.
— Sei bem o tipo de vislumbre que você teve, Darcy Williamson!
— Elisabeta Benedito! Estou falando a verdade.
— Você mente mal, meu marido.
— Nunca menti pra você nesses vinte anos.
— Você não conseguiria. - ela brincou e ele roubou um selinho.
— É sério, naquele dia no morro, quando eu lhe vi pelo binóculo, os cabelos soltos, ao vento, vestindo apenas a roupa de baixo, toda linda, eu imaginei por alguns minutos como seria casar com você.
— E tem sido como você imaginou?
— Com você nunca é. É sempre melhor, surpreendente. Você nunca me deixa entediado.
— Engraçado, quando eu o beijei naquele dia do sarau eu pensei que você seria um tédio completo.
— Agora foi você que não soube mentir, sra Williamson!
— Você é muito prepotente mesmo, Darcy Williamson! Como ousa dizer que estou mentindo?
— Você estava fascinada comigo. Dava pra ver nos seus olhos.
— Eu achava você tolerável.
— Tolerável? Elisabeta, Elisabeta... Vou mostrar quem é o tolerável agora! - Darcy a puxou pela cintura sem avisar e a beijou.
— Finalmente! Achei que eu teria que implorar.
— Comigo você não tem que implorar por nada, meu amor.
— Eu o pedi para se casar comigo.
— Mas não precisou implorar. Meu plano era ter casado com você bem antes. Nunca duvidei que acabaríamos aqui, assim.
— Nem o episódio das cartas fez você duvidar?
— Eu estava atordoado demais ali. Foi, talvez, o momento em que mais precisei de você e acabei a afastando. Mas saiba que eu nunca, nunca duvidei que me casaria com você. Seria com você ou não seria com mais ninguém.
— Mas você quase casou com Susana.
— Por Deus, Elisa, isso é algo que se lembre? E você veio correndo aqui, nessa mesma sala, me impedir de fazer essa loucura. Mesmo sendo por você, ainda era loucura.
— Era. E das grandes. Felizmente eu sempre soube reivindicar o que era meu de direito. Como aquela calça!
— E voltamos a calça!
— Sempre voltaremos a ela, foi quando tudo começou.
— Vinte anos atrás... E sigo amando você ardentemente.
— Então prove! Nossa cama também sentiu sua falta...
— Ah, é? Ela lhe contou? - Darcy passou o nariz por todo o pescoço de Elisa, finalizando com uma leve mordida.
— Eu reclamava de um lado e ela de outro. Era bem chato.
— Precisamos avisá-la que estou de volta, então! Não vamos deixá-la esperando ainda mais, seria muito deselegante de nossa parte.
— Muitíssimo!
Elisabeta puxou o marido pela mão e os dois subiram para o quarto entre beijos. Vinte anos e quatro filhos depois, os Williamson ainda permaneciam o casal mais apaixonado de São Paulo; sentiam a mesma urgência pelo corpo um do outro; a mesma paixão no olhar. O amor dos dois era cada vez mais agradável aos olhos e ao coração de quem os via, seja na intimidade de seu lar ou nas frequentes aparições em público. Todos haviam de concordar: mais bonito não há.
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