Negra-Luz escrita por Lesath


Capítulo 3
Capitulo 2 - Banho de Mar


Notas iniciais do capítulo

Sei que não tem ninguem acompanhando isso aqui, normal kkkkk mas caso você seja um novo visitante e esteja só de passagem, quero avisar que não tenho datas para postar, mas se tiver fé, algum dia eu posto capitulos novos ♥



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"Jormungand, a serpente de Midgard"

Era quase início do verão e Zilma nunca se sentira tão sozinha... tão seca. Deitada na cama, acompanhou a invasão do sol pela janela de seu quarto, obrigando-a a tirar a coberta. Seria mais um dia quente, um ótimo dia para visitar o litoral (rotina frequente da jovem feiticeira nos últimos meses). Espalhados pelo quarto, estavam o objetos que ela coletava durante suas caminhadas pela praia. De alguma forma, sentia que precisava apanha-los, até encontrar o objeto perfeito.

Ao contrário do clima ameno que invadia o condado de Lavin, Zilma estava gelada como as terras de Biflhem. Sua cachoeira de emoções agora parecia um pequeno poço, sedento por água. Durante meses, não ouvira nem mesmo um sussurro de Segyn, não sentira nenhuma emoção. Nada. Se não fosse pela força que às unia, acreditaria que Segyn a havia deixado.

O aniversário de Zilma passara há tempos. Todos os preparativos correram como de costume: os amigos da família foram convidados, havia muita comida, música e conversas animadas. Zilma tentou ficar feliz na maior parte da festa, mas não conseguia disfarçar a falta que Segyn lhe fazia. Em mais de uma década, não houve um aniversário se quer que passara sem ela, sem seus presentes encantados e suas risadas envolventes (raridades de dias muito felizes que Zilma adorava contemplar). Os meses passavam sem vida para Zilma e especialmente no seu aniversário, ela sentiu um gosto de vento, estranhamente, o gosto de um passado bom que não voltaria mais. Sentiu saudade da emoção. Sentiu falta de Segyn e tudo que ela representava.

Tentou inúmeras vezes fazer contato através de sussurros, mas não obteve respostas. Até mesmo iniciou um ritual antigo que encontrou enquanto lia um livro que Segyn lhe dera no aniversário de doze anos. Sem sucesso. Não tinha concentração e experiência o suficiente para canalizar a energia necessária. Decidiu então que esperaria a magoa da amiga passar, mesmo que levasse anos.

Não demorou até sentir o cheiro do café da manhã com mesa farta. Seria mais um dia de trabalho. Levantou-se da cama, vestiu o “uniforme” de costume, calçou botas confortáveis e prendeu o cabelo, rumando para a cozinha, onde encontraria a família já reunida. Todos estavam sempre tão felizes e isso nunca fora um problema para Zilma. Entretanto, nos últimos meses ela andara pensando sobre o quão egoísta havia sido com Segyn, desfrutando de refeições felizes com sua família, enquanto a amiga só podia sonhar com um momento parecido.

— Querida, está tudo bem? — Aura era sempre a primeira a perceber os conflitos internos das crianças. Percebera Zilma estranha há semanas e havia decidido esperar ela querer desabafar. Aparentemente, não seria uma decisão espontânea.

— Sim, mãe. O café da manhã está ótimo, como sempre. Você é a melhor. — Zilma disse, mordendo mais um pedaço de pão e tentando disfarçar o sorriso amarelo.

— Vamos meninos? Temos muito que fazer hoje. — Disse Yorick, levantando-se.

As migalhas de pão caíam pela barba de Yorick, que rumava em direção à porta, puxando uma fila. Ivarr não se levantou antes de guardar pelo menos dois pedaços de pão no bolso para a caminhada — Hammers eram sempre precavidos —, e Zilma já estava se levantando para segui-lo. Também exercia a profissão da família agora, ganhando o título de aprendiz, junto com o irmão. A ferraria a distraia, já até tinha feito uma lamina sozinha (tudo bem que não era perfeita, mas parecia boa para um projeto amador).

— Pode ficar comigo hoje, Zilma? Preciso de ajuda com alguns afazeres. — Aura apressou-se em pedir, antes que ela sumisse pela porta.

Zilma não gostou muito da ideia, ficar em casa a deixava nostálgica, mas a mãe não era de pedir coisas a não ser que precisasse muito. Então, balançou a cabeça afirmativamente e foi até a porta, explicar ao pai que não iria a ferraria hoje, deixando Yorick guiar Ivarr no caminho do trabalho. Voltou à cozinha já pronta para fazer qualquer que fosse a atividade que Aura a pediria para dividir com Idney. Mas, encontrou-a sentada sozinha à mesa, com um olhar complacente. O irmão fora ao jardim buscar temperos frescos e Aura apressou-se a puxar uma cadeira para que Zilma sentasse ao seu lado.

— Aconteceu alguma coisa? — Zilma já não estava entendendo nada, como sempre.

— Não, eu só queria conversar com você a sós. Sente aqui, eu serei breve. — e apontou para a cadeira ao seu lado. Esperou Zilma aconchegar-se a cadeira e voltou a falar. — Já faz semanas que percebo você triste. Não tem mais brilho nos seus olhos, vive suspirando pelos cantos... O que está acontecendo, querida? Eu conheço você, não adianta tentar me dar uma desculpa qualquer para correr daqui.

O primeiro ímpeto de Zilma foi fingir que nada de anormal havia acontecido. Todavia, percebeu cedo que não seria suficiente. Após pensar um pouco, até agradeceu internamente por Aura estar praticamente obrigando-a a ter aquela conversa.

— Mãe, o que você estaria disposta a fazer por alguém que você ama muito?

— Você está apaixonada?

— Não, mãe! Não é nada disso, apenas me responda.

— Eu faria qualquer coisa pelas pessoas que eu amo. Arriscaria tudo pela minha família.

— Mesmo que isso te distanciasse de outras pessoas que você também ama?

— Você quis dizer distanciar para sempre ou por um breve período? Porque a saudade às vezes dói e decisões muitas vezes exigem sacrifícios.

— Distanciar apenas o tempo necessário.

— Se a pessoa que você vai precisar se afastar amar você igual você a ama, não existe distância que a fará deixar de ser seu lar. Quando amamos algo ou alguém, cultivamos um pequeno jardim, assim como o do meu quintal. Ele precisa ser regado, adubado, protegido de pragas... Tudo para que cresça forte e saudável. Assim, crescendo forte o bastante, ele suportará o tempo de negligência, sabendo que você voltará para cuidá-lo de novo. — Os olhos de Aura sempre brilhavam quando ela falava de seu jardim. Talvez fosse o feito do qual ela mais se orgulhava. — Mas ainda não entendi como essa conversa nos leva ao motivo da sua tristeza.

— Eu magoei uma amiga, mamãe. Não fui companheira quando ela precisou e agora preciso consertar esse erro, porque eu a amo e sinto falta dela.

— Se ela é realmente tão importante para você, faça o que for necessário para que ela a perdoe e fique feliz, minha filha.

Zilma sentiu o gelo de seu interior derreter aos poucos. Entendia o que precisaria fazer e agora tinha certeza que não perderia sua família com aquela decisão.

— Obrigado, mãe! Você sempre sabe quando eu preciso de ajuda, mesmo que eu não peça. — E Zilma levantou-se para abraçá-la apertado, se encolhendo no conforto de um abraço amável.

...

Aproveitando o calor do verão, na primeira semana de agosto, os Hammer decidiram ir à praia. Colocaram suas roupas leves de verão e organizaram-se. Yorick arrumou a cesta de piquenique, os meninos carregaram alguns brinquedos e Zilma pegou um livro. Era um caminho curto, então foram andando devagar, conversando sobre o clima, o trabalho, contando piadas e vendo os gêmeos sumirem na densidade da floresta vez ou outra. Zilma adorava a praia, aquela imensidão azul a trazia calma. Gostava de pisar na areia com os grãos encontrando espaço entre seus dedos e principalmente, gostava de molhar os pés na água gelada, como uma conexão entre ela e o mar.

Não demorou até chegarem. O mar estava calmo, com ventos leves e pouca maresia. Havia rochas cinzentas em boa parte da vista, acompanhadas de uma areia alvinha e a relva verde escuro ao fundo. Próximo á agua, ainda na areia, podia-se notar pequenas conchas e parasitas, que eram cobertos e descobertos conforme o vai e vem das ondas. Olhando para cima, Zilma podia ver a colina com a amoreira. Há dias não visitava seu lugar de paz e olhar para ele não lhe trouxe boas lembranças.

Estenderam o pano na areia, colocaram as comidas e cada um decidiu o que iria fazer: Aura deitou-se ao sol (que não era o suficiente para queimar, mas a aqueceria enquanto estivessem ali), o senhor Hammer pegou alguns brinquedos com os meninos e resolveu mostrar que além de ótimo ferreiro, também era um bom construtor (digamos que as construções não paravam em pé, mas pelo menos ele tentou), e os irmãos corriam pela areia rindo e se estabanando no chão. Já Zilma, pegou seu livro e foi andar pela praia, a fim de encontrar uma rocha confortável onde pudesse ler.

Como em boa parte das outras visitas, os olhos da jovem feiticeira ficavam sedentos por objetos que pareciam brilhar em meio a areia. Ora uma pequena pedra, ora uma concha, os objetos pareciam brilhar vez após outra, como uma trilha guiando ao “precioso”. Passou alguns minutos andando, absorta a beleza da paisagem, o caminho de brilhantes e as pegadas deixadas na areia. Até que olhou para trás e percebeu que já havia se distanciado muito de sua família, mas lembrou-se que só iriam embora ao final da tarde, então decidiu ficar por ali mesmo, recostada numa rocha, lendo seu livro. Segyn realmente a conhecia, pois a cada pagina, ela ficava mais encantada e não conseguia parar de ler.

Assim, seguiu Zilma, concentrada, por mais de uma hora. De repente, algo brilhante chamou sua atenção na linha do horizonte. Algo que a convidava a entrar, algo que a chamava para perto. Não era um brilho como os outros. Esse objeto brilhava a ponto de fazer os outros parecerem meras velas. A água estava gelada, ela sabia, porém não conseguia controlar o desejo de entrar e ver exatamente de onde vinha aquele brilho. Largou o livro num canto, junto às conchas e pedras que havia coletado aquele dia, e caminhou até a areia molhada. Sentiu a água gelada tocar seus pés e lentamente foi adentrando o oceano. Um passo de cada vez, á água já se encontrava na altura de seus ombros. Sem ter nada a perder, decidiu mergulhar de vez e descobrir que surpresa o mar lhe reservava.

Prendendo a respiração, Zilma nadava em direção ao fundo, que se tornava cada vez mais escuro, com a pressão da água apertando o ar acumulado em seus pulmões. Depois de alguns minutos ela já havia descido tanto que mal conseguia enxergar um palmo á sua frente e o fôlego começava a faltar. Forçou-se a permanecer ali, sabia que se insistisse, encontraria o que veio procurar. Bem lá no fundo, ainda muito longe, ela conseguia ver a luz e queria tocá-la. Assim, tentava fazer o mínimo possível de movimentos bruscos, para poupar energia, mas sua visão já começava a ficar turva, devido à falta de oxigênio.

Escondida nos confins do ser, Segyn percebeu que ela morreria afogada caso ninguém intervisse e por mais que estivesse magoada, não gostaria de ver o pulmão de Zilma encher de água e seu corpo debater numa morte cheia de agonia. Resolveu, então, cessar sua solidão, desocupando seu espaço no âmago de Zilma, para puxá-la a superfície. A silhueta prateada, saindo do corpo de Zilma, iluminou as profundezas do oceano, revelando uma sombra monstruosa ao fundo. Só então Segyn viu o brilho que o subconsciente de Zilma repetia continuamente. Não conseguia distinguir do que se tratava, mas tinha certeza que não iriam ficar ali esperando a criatura sentir a presença delas, para descobrir.

Depois de tantos meses, Zilma finalmente sentira a presença de Segyn novamente. Queria gritar de felicidade, porem o oxigênio chegando ao seu cérebro era tão pouco que mal conseguia manter os olhos abertos. Olhando para baixo, viu seu objeto brilhante e tentou, mais uma vez, nadar para alcançá-lo. Entretanto, foi puxada à lucidez por Segyn, fazendo-a perceber a criatura descansando lá em baixo. “Me desculpa, eu...” Zilma tentou sussurrar, mas engoliu tanta água que começou a se debater, esforçando-se para subir à superfície.

Segyn, vendo que sua força não seria capaz de levá-la para fora, pegou-a nos braços e carregou. Assim que o rosto de Zilma chegou a superfície, ela começou a tossir, deixando a água sair por todos os seus poros. Sentia-se fraca, logo agarrou-se ao pescoço de Segyn, que levou-a a areia da praia, recostando sua cabeça em uma pedra.

Ao longe, Segyn percebeu que a família de Zilma a procurava. Talvez as duas não tivessem percebido, mas já havia passado duas horas que Zilma não dava noticias. Segyn, então, voltou para o seu cantinho, esperando os Hammer levarem-na para casa.

...

Mais tarde, naquele mesmo dia, Zilma se encontrava no conforto de sua cama, tendo que insistir para Aura que a mãe não precisaria dar-lhe o guisado na boca. Todos ficaram muito preocupados, tinham encontrando-a toda molhada, inconsciente e recostada numa pedra. Zilma repetia constantemente que não se lembrava de nada, que devia ter ido dar um mergulho e acabou se atrapalhando. Claramente era mentira, mas não houveram mais perguntas sobre o assunto depois que Zilma entrou para seu quarto.

Deixou o guisado num canto, estava com um cheiro maravilhoso, mas teria que esperar. Estava aguardando esse momento desde a hora que acordou: estar sozinha no seu quarto, apenas com um candelabro aceso, para novamente tentar contato com Segyn. “Oi, eu sei que pode me ouvir. Por favor, apareça, eu preciso pedir desculpas”. Zilma sentou-se na beirada da cama e esperou, esperou tanto que achou que seria mais uma tentativa em vão. Todavia, num ultimo segundo, sentiu o sopro prateado deixando seu corpo e a personificação de Segyn tomou lugar ao seu lado na cama.

— Olá. Há quanto tempo?! — Disse Segyn num tom sarcástico que foi completamente ignorado por Zilma.

— Me perdoe! Eu falhei com você na nossa ultima conversa, falhei com a minha promessa. Fui egoísta demais ao pensar só no meu querer e não no quanto tudo a deixava machucada. — os olhos de Zilma se encheram de lagrimas. Pequenas gotas que escorriam das cachoeiras agora lotadas de emoções.

— Aonde quer chegar com isso?

— Eu só quero que entenda que eu irei com você onde for necessário, separarei nossas almas e cumprirei a promessa de deixa-la livre para seguir a sua vida.

— Não minta para mim, menina. Acho que não suporto nenhuma outra decepção nessa vida.

— Confie em mim, eu te guiarei onde você for. Serei sua morada segura. Vamos encontrar a sua casa e a pessoa por quem você espera há tantos anos.

— Isso é uma promessa?

Nesse momento, Zilma pega a mão de Segyn e a segura com muita força, fazendo um pequeno furo na palma tanto de sua mão, quanto da mão da amiga, seguidos de movimentos circulares e repetitivos em volta da união. Rapidamente, no vão entre as mãos começou a surgir uma aura avermelhada. Um pacto de sangue.

— Eu, Zilma Wormud, juro a você Segyn, todo o meu comprometimento e lealdade. Serei sua morada até o ritual de separação, enfrentarei todos os obstáculos com você e por você. Selo agora esse juramento perante os deuses por livre e espontânea vontade, dando minha vida como garantia.

— Finalmente começou a ler os livros que te dei, mocinha teimosa. — Disse Segyn. A essa altura, seus olhos já marejavam pequenas lágrimas de alegria, escorrendo por seu rosto até encontrar o sorriso reconfortante que Zilma não via há alguns meses. — Sim, eu perdoo você e aceito seu juramento perante os deuses.

A aura avermelhada se dissipou e as duas soltaram as mãos, partindo para um abraço caloroso, vívido e cheio de saudade. Zilma nunca mais iria ficar sem sua amiga, não suportaria perdê-la de novo. Passaram a noite conversando sobre tudo que vinha acontecendo: as frequentes aulas de adaga com o seu pai, a nova coleção de pinheiros do jardim e os estranhos objetos brilhantes, formando uma trilha direto para ‘o fundo do oceano.

Zilma pegou alguns dos objetos da sua nova coleção para mostrar a Segyn o quanto eram similares. Ainda assim, ela não compreendia o que poderia estar causando toda aquela confusão. Poderia ser algum Deus maior, ou um espírito da natureza pregando peças, poderia ser ate mesmo um humano testando novas habilidades. O leque de possibilidades era enorme.

— Desde quando vê esses objetos brilhantes? — Perguntou Segyn.

— Um pouco depois daquela conversa sob a amoreira. Os dias tem sido estranhos desde então.

— Bom, vamos esperar até amanha. Aí decidimos o que fazer sobre isso. Agora me parece uma ótima hora para dormir. — falando isso, Segyn voltou a ser energia, contida dentro do corpo de Zilma. Aninhou um cantinho para seu aconchego e dormiu, torcendo para sonhar com sua casa, sua família, sua antiga vida.

Zilma também não se demorou acordada, pegou o prato de guisado (agora frio) e comeu-o todo, preparando-se para dormir logo em seguida. Seria uma noite longa e feliz, como há muito Zilma não experimentava. A noite corria bem: fresca e tão iluminada que Zilma ligou seu lampião apenas por capricho. Deitou-se e pegou logo no sono, um sono profundo, acompanhado de sonhos tão profundos quanto.

Primeiro sonhou que estava no jardim de casa, acompanhada por seu pai. Era mais um de seus treinos no fim de semana. Zilma empunhava a adaga com maestria, e esta, era como metal celeste reluzindo em suas mãos. Tudo estava em seu devido lugar e agindo normalmente, exceto seu pai. Estranhamente, ele tinha um olhar sanguinário e não parecia estar feliz em treiná-la. Quando ele correu e sua direção para deferir-lhe o primeiro golpe, ela teve certeza de que aquele não era um treinamento e que teria que lutar por sua vida. Por sorte, o sonho não durou tempo o suficiente para que a luta terminasse.

Depois, sonhou com um lindo pomar, a grama verdinha, arvores para todos os lados e pássaros, ditando o ritmo da canção matinal. Havia macieiras, amoreiras, ciprestes, pinheiros e outra leva de arvores que Zilma desconhecia. Andando pelo jardim, bem em seu centro, Zilma encontrou uma arvore frondosa, com um enorme tronco – seria necessário um batalhão para abraçá-lo – e altura inimaginável. Sentado sob sua sombra estava um homem, de aparência desconhecida, porem muito bonito. Zilma chegou mais perto e percebeu que ele chorava. Tentou falar algo ou abraçá-lo, mas era como se não estivesse ali, pois ele nada percebia. Só então Zilma pode notar que das lagrimas que ele derramava, brotavam pequenas plantas que reluziam como os objetos brilhantes da praia, às quais o homem acarinhava como filhas.

La pelas tantas da madrugada, Zilma teve o terceiro e último sonho. Estava na beira da praia, chutando a areia  e sentindo a brisa leve do mar quando de repente uma onda a puxou. Mal teve tempo de prender a respiração e foi sendo levada ao fundo, como se Zilma fosse parte das profundezas e nunca devesse sair de lá. Novamente a pressão da água lhe apertava os pulmões, Zilma tentava voltar à superfície, mas não conseguia, estava sendo sugada por algo maior. Quando estava a apenas um segundo de morrer afogada, viu uma enorme boca cheia de dentes abrindo-se em sua frente, engolindo-a. E Zilma acordou completamente suada, aterrorizada com os sonhos daquela noite.

Levantou-se da cama e olhou em volta, havia um brilho incomum em seu quarto. Não era de sua luminária, pois o combustível há muito havia acabado. A luz vinha de uma caixa ao lado da arara de roupas, a caixa onde Zilma guardava as conchas e pedras que recolhia. Estranho, os objetos normalmente paravam de brilhar depois de alguns minutos em sua mão, mas agora reluziam como se ela nunca os tivesse tocado.

Foi então que ela se lembrou da praia, do que havia ido buscar no fundo do oceano. Sua coleção não estava completa e ela sentia que necessitava daquela peça. Mais que depressa, colocou uma roupa e pulou pela janela, sendo guiada pela luz da lua até seu destino.

Não demorou até que sentisse a areia gelada cedendo ao peso de seu corpo, conhecia aquela trilha como ninguém e como já esperava, ao longe, lá no fundo, podia ver o brilho do que viera buscar. Seus olhos brilhavam de excitação. Sem pestanejar, mergulhou rumo ao desconhecido. A água gelada acordando cada membro do seu corpo, inclusive Segyn, que até então dormia como um bebê na sua caminha.

“O que veio fazer aqui, garota? Está maluca?” Segyn não fazia ideia de quando ou como Zilma havia chegado até ali, mas tinha certeza de que não era uma boa hora para um mergulho refrescante. “Eu não sei, vi algo brilhante e senti que precisava seguir. Eu precisava estar aqui agora” Respondeu Zilma. Nesse momento Segyn entendeu do que se tratava, era o chamado, parte do destino dela se manifestando. Desvencilhou-se, então, do corpo de Zilma, para proporcionar alguma luz aquele breu no qual se encontravam.

Zilma podia ver a sua cada vez mais perto, nadando em sua direção. Seu contentamento era tanto, que nem se importava com a respiração, obrigando Segyn a conjurar uma bolha de oxigênio para ela.

“Obrigado, realmente é muito melhor que prender a respiração” Disse Zlma. “Vamos acabar logo com isso. Pegue o que veio buscar para que voltemos. Está muito frio aqui em baixo”. Segyn com certeza achava que aquela busca poderia esperar algumas horas de sono, mas já que já estavam ali, iriam até o fim. Continuaram a nadar para o fundo e a silhueta monstruosa que haviam notado mais cedo se tornava cada vez mais palpável. Não demorou até que Segyn lembra-se quem era, ou melhor, o que era.

As duas estavam frente a frente com Jormungand a serpente de Midgard, mais perigoso de todos os monstros que ouvira falar. Uma enorme serpente, que parecia abraçar o mundo. Tentaram ver seu comprimento, mas sua cauda não tinha fim, o farfalhar de suas escamas e barbatanas pareciam uma valsa fúnebre e Segyn sentia que aproximava-se cada vez mais da morte.

Bem no topo da cabeça de Jormungand, Segyn viu o brilho. Não era nada menos que uma das escamas da serpente, que por sorte estava adormecida nesse momento. Zilma viu-se deslumbrada pelo que acreditava ser a ultima peça do quebra cabeças e já estava prestes a nadar em direção a serpente quando Segyn a interrompeu: “Zilma, você se lembra da sua mensagem? O chamado do alto feiticeiro?” perguntou o mais rápido que pode. “Agora é hora de decidir se aceita ou não”.

Zilma vinha pensando muito sobre aquele chamado ultimamente, então não teve duvidas sobre sua resposta: “Sim, eu aceito o chamado”. Assim, nadou em direção ao topo da cabeça de Jormungand e puxou a escama brilhante. Ela só não esperava que a serpente acordasse com a pequena pinicada.

Assim que Jormungand abriu o olho, Segyn soube que estavam numa enrascada. Tentou puxar Zilma a superfície o mais rápido que pode, mas sabia que não seria o suficiente, elas iriam morrer. A serpente já as distinguira em meio a escuridão, e mais rápido que uma flecha, nadava em direção ás duas. “Mas que porcaria de chamado é esse? Não da pra aceitar e permanecer vivo?” Disse Segyn, claramente reclamando aos deuses da situação.

Zilma permanecia atônita, segurando a escama como um sexto dedo. Tinha feito várias aulas de defesa pessoal com uso da adaga e de artes da magia com Segyn, mas duvidava que seus conhecimentos fossem úteis naquele momento. Jormungand nadava em círculos ao redor das duas – não era bem um circulo, pois não tinha fim, mas era o suficiente para aprisioná-las. Num primeiro momento, tentou abocanha-las, mas Segyn empurrou Zilma e a cabeça da serpente passou bem no meio entre as duas, que continuavam tentando nadar a superfície.

Jormungand percebendo que as duas tentavam fugir, nadou velozmente para o lado de Segyn e deu-lhe uma cabeçada forte o suficiente para ouvir um de seus ossos estralando, deixando Segyn afundar desacordada pelo impacto. Zilma pôde sentir a dor, assistindo sua amiga afundar para o desconhecido.

Foi assim que a ira de Zilma eriçou-se e seu corpo começou a brilhar mais que a lua refletida sob a água do mar. Olhou para Jormungand com coragem e ódio, não se deixaria morrer num lugar escuro por uma serpente a muito desconhecida. Vagarosamente levantou sua mão em direção ao monstro e um sopro prateado foi deixando o corpo escamoso, rumando em direção á Zilma como ondas que obedecem as marés. Lentamente Zilma sentia a vitalidade de Jormungand invadindo seu corpo. Mas a serpente não se deixava vencer, apesar de estar mais fraca, o poder de Zilma não era páreo para um monstro ancestral destinado ao fim do mundo.

A jovem feiticeira manteve seus braços levantados e discernimento suficiente para desviar das investidas de Jormungand o quanto pôde. Mas não conseguiria vencê-lo, já estava fraca demais, sentia sua visão ficar turva e seu corpo amolecer. “Me perdoe amiga, eu resisti o quanto pude” Disse em pensamento, esperando que Segyn lhe ouvisse.

Nesse momento, os olhos de Zilma ficaram pesados e ela cedeu ao cansaço, desmaiando em águas profundas. Ultima cena que viu de relance foi um enorme clarão entre elas e a serpente, seguido por um barulho estrondoso.


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