O Azul do Céu escrita por Finholdt


Capítulo 1
Eu acordei, eu acordei...




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Acordei com uma brisa gelada me arrepiando. Pisquei atordoado algumas vezes, lentamente acordando e tentando raciocinar de onde raios veio essa brisa quando notei que eu havia deixado a janela do meu quarto aberta.

Fui até a janela para fechá-la e deliberadamente ignorei o calendário que dizia que meu aniversário de doze anos foi no dia anterior. Eu definitivamente não queria pensar sobre isso.

Olhei para o céu, ainda letárgico pelo sono e procurei o azul do céu, mas não achei. Tudo estava camuflado pela tímida neblina que espreitava por ali, fazendo-me começar a tremer pelo tempo frio. E falando em frieza…

Mesmo com a fina neblina, dava para ver o meu vizinho e aparentemente-não-mais-melhor-amigo, Kacchan, saindo de casa para correr pelo bairro. Encarei-o por todo o trajeto, até ele sair da minha vista. Mesmo assim, em nenhum momento sua cabeça se virou para a janela do meu quarto.

Suspirei, subitamente cansado mesmo tendo acabado de acordar.

Felizmente eu estava nas férias de verão, então não terei que ver Kacchan de novo cara-a-cara tão cedo.

— Uau. — Murmurei para mim mesmo. — Quem diria que chegaria o dia em que eu realmente não ficaria empolgado em ver Kacchan.

Mas as palavras cruéis que ele gritou para mim no meu aniversário ainda ressoavam em minha cabeça.

Olhei em volta do meu quarto, assimilando todos os merchan do All Might muito bem posicionados. À primeira olhada, isso seria apenas o visível, porém para qualquer um que realmente veja meu quarto, veria todos os céus coloridos de outra cor. Veria os mapas mal desenhados, e veria meu velho carrinho de madeira abandonado debaixo da escrivaninha.

Tentei ignorar a dor que atingiu-me de repente ao ver tantos traços de minha infância tão, tão compartilhada com o Kacchan e desviei o olhar de tudo aquilo.

Recusando-me a ficar no meu quarto remoendo as coisas que foram ditas e feitas ontem, me vesti para poder sair.

“Deku pelo amor de-, será que você ainda não acordou?! Se toca! Você acha mesmo que aos doze anos você vai magicamente começar a cuspir fogo?!”

Mamãe não quis comentar sobre os gritos que ela certamente ouviu de mim e Kacchan ontem e eu também não quis entrar no assunto. Felizmente, mamãe me deu várias tarefas domésticas para ocupar a cabeça e sai em direção ao mercado mais do que satisfeito.

Pelo menos, foi o que eu pensei.

Honestamente falando, não sei dizer se seria mais doloroso ficar no meu quarto sozinho com meus pensamentos ou realmente sair pelo bairro e em cada esquina ver memórias de mim crescendo com o Kacchan. Era inevitável, eu não conseguia parar.

Kacchan e eu sentados na calçada, contando histórias ou imaginando o nosso futuro como heróis. Kacchan e eu, roubando lençóis recém-lavados do varal de nossas mães para usar de capa, rindo o tempo todo.

Meu Deus, eu só queria poder voltar para quando as coisas eram mais simples. Para antes de o Kacchan ficar obcecado com si mesmo, para antes de dons e heróis. Voltar para quando erros eram perdoáveis e não uma expectativa para quando brincávamos na lama sem se preocupar.

No máximo, se preocupar com chegar tarde em casa e perder o jantar. Dançar na chuva como for, só nós e sem julgamentos.

Senti lágrimas traiçoeiras acumularem-se em meus olhos e pisquei várias vezes rapidamente, as dispersando. Era melhor ir logo comprar as coisas que mamãe pediu.

“Você… Você… Você tem que parar de agir desse jeito! Está se tornando um idiota, Kacchan!”

Há um grande morro perto do prédio em que moro. Um dia, quando eu e Kacchan estávamos sozinhos durante as férias de verão, nós dois resolvemos construir um carrinho de madeira para descer o morro. Gastamos quase o verão inteiro para isso, mas valeu a pena. O tempo todo, nós trocamos risadinhas e gritamos empolgados.

Kacchan usou suas explosões para dar impulso enquanto subíamos o morro e depois de novo na descida. Gritamos tão alto que metade do bairro se aproximou para ver qual era o motivo do estardalhaço.

Eu realmente só quero poder, de novo e de novo, descer esse morro com o carrinho de madeira, sem nunca se preocupar com a segunda-feira. Chamar o Kacchan e voltarmos a realmente agir como amigos. Parece que aquele verão que passamos juntos está tão longe… Será que realmente aconteceu? Será que ele sequer se lembra? Ou… Se importa?

Não acho que eu queira saber a resposta disso.

“Fica longe de mim! Eu não preciso de um fracassado como você me atrapalhando, tá!? Por que você insiste em ficar me seguindo por aí?! Para de zombar de mim!”

Mamãe tinha pedido para eu comprar tantas coisas que já senti meus braços dormentes com o peso das sacolas na metade do caminho.

A ardência nos braços era bem vinda, porque desvia o foco dos meus pensamentos que insistiam em voltar para o Kacchan. Nós já dissemos tudo que tínhamos para dizer ontem, certo? Não valia a pena continuar pensando nisso. Kacchan disse algumas coisas… Eu disse outras…

Então, a última coisa que eu queria aconteceu.

Kacchan dobrou a esquina e deu de cara comigo.

Por três segundos inteiros, eu nem respirei. Nós apenas nos encaramos de olhos arregalados.

Ele olhou para mim, depois para o meu rosto suado. Desceu o olhar para as sacolas enormes que eu carregava e revirou os olhos. Ora! Me desculpa se eu não sou todo forte igual você! Babaca.

Ignorando-me completamente, Kacchan continuou sua corrida e passou por mim, como se eu nem estivesse lá.

Babaca!

“Kacchan, por favor… Eu só… Eu só gosto de ficar perto de você!”

Resmungando baixo, tentei fazer a circulação dos meus ombros voltarem a funcionar antes de eu continuar a levar esses tijolos para casa. Infelizmente, isso só fez a sacola que estava em minha mão direita rasgar, espalhando todos os produtos pela calçada. O barulho foi tão alto que eu poderia jurar que a rua inteira parou o que estava fazendo para olhar pra mim.

Meu rosto inteiro esquentou e rapidamente ajoelhei-me para recolher os produtos de volta. Estava tão mortificado que nem conseguia raciocinar direito, eu só queria que o chão se abrisse e me engolisse.

— Tsc. Você é um deku mesmo, hein.

“Pois eu não gosto disso! Estou falando sério, Deku! Os seus olhos me irritam, então PARA DE ME OLHAR ASSIM!”

Ao ouvir aquela voz tão familiar, meu corpo inteiro gelou. As coisas ditas ainda estavam muito frescas para eu simplesmente fingir que nada aconteceu.

No entanto, Kacchan parecia imperturbado enquanto se abaixava para me ajudar a recolher as coisas. Como se a briga não tivesse acontecido. Ou ela foi tão irrelevante para ele, que nem pensa nisso.

— Kacchan… Não precisa me ajudar, tá tudo-

— Haah? O quê? Acha que eu sou incapaz até disso, Deku?!

Ou não.

Acho que as coisas impensadas que eu disse acabou ficando na cabeça dele tanto quanto na minha.

— N-não! E-eu só… O que eu quero dizer é…

— Foda-se, não quero saber. Isso aqui é da tia Midoriya, né?

Mudo, aquiesci. Isso pareceu bastar.

Ele pegou todos os outros produtos que estavam jogados na calçada, tomou da minha mão os poucos que eu já tinha recuperado e seguiu caminho em direção ao meu apartamento, tudo isso no mais total silêncio.

Sem acreditar, segurei mais forte a sacola sobrevivente em minha mão esquerda e corri atrás do meu amigo de infância.

“Você vai ser um péssimo herói, Kacchan!”

É engraçado como minha infância inteira foi definida comigo andando atrás do Kacchan. Era sempre ele quem bolava as brincadeiras, era ele que dizia o horário e local. Sempre o grande Kacchan.

Mesmo agora, enquanto corro para alcançar ele segurando uma sacola pesada, tudo que eu vejo são as costas largas dele. Sempre, sempre ele.

— Kacchan, sobre ontem-

— Cala a porra da boca, Deku.

— Mas-

— Cala a boca! Eu não quero te ouvir e pronto!

Apertei os lábios, frustrado com tudo naquela situação. Com Kacchan, por ser uma mula cabeça dura. Comigo, por não conseguir falar a altura e ficar totalmente sem chão quando falam alto comigo. Quando vou parar com essa péssima mania de ficar tremendo por qualquer coisa? Pelos céus, é só o Kacchan!

Isso é só uma briga boba entre amigos de infância… Tenho certeza que depois nós vamos nos acertar e tudo vai se clarear entre nós. O céu vai ser azul de novo.

Em silêncio, Kacchan vai até a porta do meu prédio comigo, carregando a sacola em frangalhos e tudo que havia dentro. E então, ao chegarmos, ele deixa cada produto, um por um, no chão. Tomando o máximo de cuidado com os inflamáveis e os de vidro.

Fiquei observando-o fazer isso por alguns segundos, quieto, apenas apreciando a visão de Kacchan fazendo algo com tanta serenidade nos gestos e rosto. Meu peito se apertou com algum sentimento indecifrável e desviei o olhar, incomodado.

Por quanto tempo mais as coisas vão continuar estranhas entre nós?

— Vê se presta atenção na próxima vez.

— Wah! K-Kacchan! Obrigado, eu-

Mas ele já tinha ido embora, praticamente correndo rua abaixo.

Suspirei, derrotado.

Eu só queria poder voltar e descer aquele morro com o nosso carrinho de madeira.

Talvez… Talvez amanhã nós vamos conseguimos conversar e eu vou achar o azul do céu.

“Pelo menos eu vou ser um, é mais do que pode dizer de você, né Deku?!”

Dois anos depois

Eu acordei procurando o azul do céu. E até agora não achei.


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Notas finais do capítulo

tá, hora do papo.
Uma das coisas que eu acho mais pouco explorado é quando e /como/ exatamente o Kacchan e o Deku se afastaram. Eu gosto de imaginar que foi em algum momento quando eles entraram no fundamental.
Certamente rolou algum tipo de discussão final ou briga definitiva para definir o deterioramento da amizade deles, não? E qual época é aquela onde nós mais falamos coisas sem pensar e achamos saber de tudo? A época em que nós recusamos a pedir desculpas porque COGITAR que poderíamos estar errados era inconcebível.
Não sei vocês, mas pra mim foi aos 12 anos.
Muitas amizades foram perdidas aos 12 anos.
Tomem cuidado com o que dizem e valorizem a amizade de vocês. Orgulho não vale tudo isso.



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