Era uma tarde amena de junho quando Percy entendeu pela primeira vez o objetivo dos braceletes. Ele tinha apenas 9 anos, e estava prestes a vivenciar um momento que ficaria marcado em sua memória e mudaria sua vida para sempre.

 Como todo sábado, ele voltava das compras com Sally, duas sacolas plásticas em uma mão e um picolé de uva na outra. Uva não era seu sabor favorito, mas o roxo era a cor mais próxima do azul que ele conseguira achar no freezer da mercearia. Eles caminhavam lado a lado pelas ruas agitadas, rindo de piadas já velhas, quando Sally foi puxada para trás repentinamente. Tomando um susto, Percy deixou o picolé cair no chão e observou assustado o braço direito de sua mãe ser erguido no ar por uma força invisível, apontando na direção de um prédio residencial.

 - Mãe? – ele perguntou incerto, mas Sally não respondeu. Seus olhos estavam arregalados, fixos no bracelete prateado que circundava seu pulso e que no momento emitia uma luz vermelha que Percy nunca havia notado.

 Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos antes de o braço de Sally voltar a se mexer. Mãe e filho observavam fascinados enquanto o ângulo do braço de Sally aumentava mais e mais, até parar em uma posição quase perpendicular ao chão. Sem palavras, ambos direcionaram o olhar para a faixada do prédio, onde no terceiro andar, uma janela sendo aberta produzia um rangido agudo.
Dessa janela surgiu uma cabeça, a cabeça de um homem charmoso de meia idade, cabelos grisalhos e uma expressão incrédula. Logo depois, um braço envolto em um suéter azul marinho e um bracelete prateado que refletia a luz do sol que logo se esconderia entre os prédios. O membro estava esticado, apontando precisamente para o braço da mulher a quase 6 metros de distância, parada na calçada junto ao garoto de cabelos negros e a mancha roxa de um picolé esquecido no cimento.

 Sally Jackson havia achado sua alma gêmea.

《♤♡◇♧》

Paul Blofis representou uma melhora imensa na qualidade de vida da família Jackson. Com seu emprego recém-adquirido de professor de literatura em uma das melhores escolas privadas de Nova York, Paul estava no processo de mudança quando encontrou Sally. Os dois tiveram sua primeira conversa no Central Park, em um banco a beira de um dos caminhos menos frequentados. Percy corria entre as árvores junto com um filhote de labrador ainda não nomeado, alheio a esperança, ao alívio e ás implicações que a descoberta prévia traziam ao casal.

 Naquela noite, ao chegar em casa, Percy separou suas roupas e brinquedos preferidos em uma mochila, como sua mãe havia lhe instruído, e escondeu-a bem fundo no armário. Antes de dormir, resolveu beber um copo d’água. No corredor passou pela porta entreaberta da suíte, de onde ouviu um ronco alto, que Percy gostava de associar ao barulho de um porco. Gabe era o dono daqueles roncos, um homem asqueroso que havia dado um jeito de casar com Sally quando Percy ainda era pequeno. Se Percy soubesse o que aconteceria com Gabe em algumas semanas teria entrado na suíte naquele momento e rido de seu destino até acordar o padrasto abusivo, sem medo. Mas não o sabia, e por isso não o fez, e seguiu seu caminho até a cozinha.

 Chegou no cômodo pouco iluminado e encontrou a silhueta esguia de sua mãe, apoiada no balcão de costas para a porta. Dando a volta no móvel, notou seu olhar pensativo direcionado a faqueira. Suas bochechas estavam molhadas com lágrimas, o que inicialmente deixou-o preocupado, mas tão logo seus olhos castanhos se voltaram para Percy, ele viu uma paz e felicidade que nunca haviam estado tão claros nas feições de sua mãe.

 Apenas quatro meses depois, mãe e filho se mudaram para o apartamento de Paul em Manhattan, onde viveriam os três juntos e felizes por muitos anos.