A tempestade chacoalhava a casa de fazenda onde Jade morava. Seu quarto ficava no final da escada, o mais alto da residência, e a cada trovão parecia que o vidro da sua janela fosse quebrar. Já passava da meia noite quando ela decidiu sentar na cama e olhar lá para fora.

            Muitas garotas de 10 anos teriam medo do escuro e da chuva, mas Jade não. Foi quando ela viu e ouviu algo passando bem rápido pelo ar na direção do campo de girassóis. Se fosse uma garota comum, ela se colocaria debaixo da coberta e esperaria o dia amanhecer. Contudo, Jade era mais curiosa do que qualquer outra coisa.

            Pulou da cama e procurou a capa de chuva transparente no guarda-roupa. Desceu as escadas rapidamente e abriu a porta da frente já com as galochas calçadas. Foi em direção do campo de girassóis, a chuva batendo no seu rosto violentamente e gelada como neve. Entrou na plantação e passou entre as flores que tinham começado a desabrochar.

            Não tinha se enganado: algo tinha de fato caído ali. Primeiro ela viu o estrago, muitas plantas caídas, depois viu quem tinha causado aquilo. Uma mulher estava deitada de barriga para cima, uma vassoura quebrada ao lado e a chuva lavando os seus cabelos brancos. Jade não pensou duas vezes antes de ajudá-la, mesmo não enxergando quase nada.

            Arrastou a mulher com a ajuda do solo enlameado para o celeiro ali perto, onde acendeu um lampião e pôde enfim tirar a capa de chuva. A mulher não parecia estar morta, mas não se mexeu pelo resto da noite. Somente quando o sol já aparecera e a chuva era apenas uma lembrança, ela abriu os olhos e encarou Jade com ferocidade.

            — Onde estou e quem é você?

            — Eu sou Jade — disse a garota, nem um pouquinho com medo. — Você caiu na nossa plantação de girassóis noite passada... eu acho que isso é seu.

            Jade entregou a vassoura partida em dois para a mulher, que gemeu e atirou os pedaços para o lado.

            — Em que parte do território dos humanos nós estamos?

            A mulher se botou de pé e limpou a barra do vestido, num instante ficando completamente seca e limpa. Depois correu até a janela do celeiro, olhando lá para fora com medo. Parecia aterrorizada e machucada.

            — Estamos perto da aldeia Pim, no Reino do Sol, mas tecnicamente você está na fazenda do meu pai. Você é uma bruxa, não é?

            A mulher assentiu, sem parar de olhar lá para fora. Jade sorriu. Adorava bruxas, apesar de só conhecer a fazedora de poções local que morava em Pim.

            — Alguém mais sabe que estou aqui?

            — Não. Só eu. Qual o seu nome?

            — Não tenho tempo para isso, menina. — A bruxa apanhou os pedaços da vassoura do chão e os encarou concentrada. — Preciso ir.     

            — Veja, eu lhe trouxe o café!

            A bruxa sorriu amável pela primeira vez quando viu que Jade tinha lhe feito o favor, mas não ficou para comer. Os pedaços da vassoura estavam emendados e ela estava pronta para partir.

            — Espere! Espere!

            Jade correu atrás da bruxa até a saída do celeiro, vendo a mulher de cabelos brancos montar na vassoura.

            — Obrigada por me ajudar, menina. — A bruxa dobrou os joelhos, preparando-se para voar, quando pareceu mudar de ideia. — Aqui, um sinal de agradecimento.

            Ela fez aparecer num brilho azul um livro de capa de couro verde e o colocou nas mãos de Jade.

            — Talvez chegue um dia que você possa usá-lo melhor do que eu... venha atrás dos outros se for do seu interesse. Até mais.

            Dessa vez a bruxa se lançou para cima e o deslocamento de ar desarrumou o cabelo preto de Jade. Ela correu pela estradinha acompanhando a bruxa que voava rapidamente para o horizonte, sumindo de vista além do campo de girassóis.

            Essa foi a última vez que Jade viu aquela bruxa, mas seu livro verde estava bem seguro debaixo do braço. Quando o abriu, entretanto, viu que as folhas antigas e manchadas estavam vazias... ela se perguntou por que uma bruxa lhe daria um livro em branco. Talvez elas fossem de fato pouco confiáveis, como muitos diziam, mas ainda assim Jade estava feliz com o presente.