Uma fagulha de esperança mágica em meio ao mundano escrita por Shiori


Capítulo 1
Mágica? Onde?




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Pfff. Para o inferno toda essa história de que o mundo é mágico”. Um suspiro monótono e sem cor veio-me ao corpo, somando-se aos outros 15 ou 20 ejetados ao longo daquele dia. Havia barulho demais naquela lancheria. Enquanto me perguntava pela centésima vez o motivo da criação humana ser em tão plena intensidade motivada a manifestações públicas de severamente incômoda algazarra, apontei sutilmente a ponta de meus dedos destros em direção à pequena garrafa de suco em minha mesa. Dedilhei o ar, imaginando-me levitá-la e com um leve empurrão, fingi que estivesse sendo velozmente lançada em direção ao crânio de uma das moças excessivamente tagarelas duas mesas à frente. E o melhor disso: mentalizei que a garrafa estava aberta e ainda cheia do suco de uva que havia tomado. Imaginei sua expressão de horror enquanto sua cristalina camisa branca era tingida com as  exemplares visíveis e melequentas marcas roxas do suco. 

Em vez disso, tomei os últimos goles da bebida já descongelada. Como já havia pago, apenas levei-a ao lixo mais próximo e me despedi daquele local. A caminhada até em casa era sempre um pouco menos pior. Gostava da vida noturna, e da ausência do trânsito comum e aprisionador de poucas horas atrás. Estava repetindo a mesma rotina a dois anos, e ter finalmente terminado a faculdade me conduziu a um constante estado reflexivo. É assustador pensar que, quando somos crianças, tudo pode ser mágico. Os seres humanos ao nosso redor reforçam constantemente o quanto temos potencial, e todo o tempo do mundo para aprender. Mas é que, conforme a gente cresce, isso se esgota. E então, cabum! Num piscar de olhos, estamos aqui: acordando cedo, passando horas e horas executando tarefas para outros, e voltando para casa para cair na cama e reprisar tudo mais uma vez amanhã. 

Não há nada de mágico em trabalhar e pagar boletos e contas. Não é divertido gerenciar finanças, ter plena consciência de que comer miojo todo dia é ruim, e mesmo assim continuar comendo. “Por favor” e “obrigado” nada mais são do que conveniências sociais. Somos enclausuradamente obrigados a obedecer às leis da física e química, o que leva nossa embaraçosa vida terrena a acreditar que o mais próximo de mágico que sequer chegaremos a tocar serão, quiçá, escassos avanços científicos e foguetes espaciais. Nunca teremos penas levitadas por varinhas, e sequer seremos capazes de controlar a chama de um fósforo com um simples pensar. De certa forma, os livros, cartuns e filmes tem realizado um ótimo trabalho em nos manter acostumados com o impossível possível, e nos mantiveram confortavelmente afagados nessa fantasiosa canção de ninar. 

“A lua está verdadeiramente brilhante hoje”, peguei-me mentalizando. O pensamento fez-me notar a ausência de luz na série de postes à frente, transformando o caminho em um pequeno oásis estrelado. Me senti enamoradamente atraída pelas estrelas. Flutuando em meio a um céu tão imenso, observá-las era uma das escassas atividades capazes de recarregar o sangue em minhas veias e possibilitar uma mente tranquila. Existe um sedativo gentil com a segurança de que, independente de todas as confusões aqui em baixo, todas estas decisões difíceis que somos forçados a fazer mesmo não tendo certeza, as estrelas sempre estarão lá. Piscando. Brilhando. Convidando-nos a sonhar. E com o simples passar de um segundo, foi em meio à solitude constelada e aos ritmados passos que me afastavam de qualquer contato humano que me vi desesperadamente ansiando por ele. 

— Se acalme, mocinha, hoje você vai vir comigo. 

Senti o pútrido odor exalando de sua corpulenta mão, que forçosamente se opunha sobre meus lábios. Estava impedida de gritar. Tão apressada como ela, percebi como utilizava sua mão livre para me aprisionar e, ao seu gosto, começar a me puxar com vontade para longe da rua, e em direção a um terreno baldio ainda mais obscuro. Queria sair dali. Queria que não fosse verdade, que não estivesse acontecendo, que fosse um pesadelo. Mas a força do que parecia ser um homem muito mais alto, grande e pesado me obrigava a acatá-lo. Por um instante, tentei contrariar o pavor com o sarcasmo do pensar que, se estivéssemos em um anime onde ser herói fosse uma profissão, teria sido salva por alguém muito mais forte e destemido com exemplar facilidade. Mas não, aquela era a vida real. E, muito provavelmente, minha vida seria utilizada e ceifada por aquele homem ao seu cruel e bel prazer.  

Senti meu corpo sendo arremessado contra o tecido de grama alta daquele sombrio terreno baldio e, com o impacto dele e de minha cabeça sobre o solo, me compreendi desnorteada. Tudo o que fui capaz de ouvir antes de permitir a tontura me apagar por completo foi o ruído apressado de um zíper se abrindo, seguido por... um... grito...? Ele estava... gritando...? Por que...? 

Já em transe, pareci ter escutado, ao longe, um confiante riso sagaz. 


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