Do Outro Lado escrita por Lanan Tannan


Capítulo 1
Do Outro Lado


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui estou eu postando mais uma one de “De A à Z” ♥

Agradecimentos especiais a Emily e Juliana por inflamarem meu amor por descendentes nesse ultimo mês e movimentar aquele grupo.
E Bárbara Dias por acompanhar meus surtos da madrugada e ler - quase - todos os meus rascunhos malucos.
Obrigada, B, por ser um anjinho em minha vida ♥



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Mais uma vez não conseguia dormir.

Revirou-se novamente em sua cama, o rangido estridente do móvel velho ressonando pelo quarto. Seu pequeno corpo estava cansado, os olhos pesados de sono. Porém não conseguia dormir. Como podia, quando o som de vozes soava tão alto daquele jeito? Batidas ecoavam e gritos entravam pela janela sem vidros de seu quarto, alcançando-a e atormentando sua noite.

A menina levantou-se de sua cama, vencida mais uma vez pelo pandemônio que permeava as ruas da Ilha dos Perdidos todas as madrugadas. Durante toda a sua curta vida, aqueles sons embalaram suas noites de sono – e pesadelos. Até mesmo durante o dia, momentos de silencio eram raros de se encontrar.

Esfregando os braços por causa do frio, a menina aproximou-se do canto direito do quarto. Em cima de uma caixa de madeira encontrou seu precioso ursinho de pelúcia azul. Abraçou-o fortemente e logo após arrastou a caixa até a janela. Subiu na caixa, de frente para a janela com vidro quebrado, e cuidadosamente apoiou o ursinho no parapeito.

Um grito cortou a noite e a assustou. Virou a cabeça rapidamente a procura da origem, e encontrou um jovem saltando sobre uma das precárias cercas, derrubando algumas caixas vazias. As outras pessoas que se divertiam naquela rua – e que eram o motivo do barulho que não a deixava dormir – saíram imediatamente, correndo entre as casas assim que viram o garoto. Ele ria e gritava de empolgação, provavelmente celebrando alguma destruição. Mais pessoas surgiram correndo do fim da rua e se juntaram a comemoração do garoto.

A menina cruzou os braços sobre o parapeito e deitou a cabeça, os olhos acompanhando o movimento do grupo de adolescentes que se divertiam pela rua escura. Ela prendeu a respiração ao vê-los parar bem em frente à sua casa. Um deles carregava uma caixa nos braços e, nesse momento, ele havia depositando-a no chão enquanto os outros três se reuniram em sua volta, examinando o conteúdo.

A menina continuou os fitando, torcendo para que fossem embora logo. Tinha medo do que havia naquela caixa e mais medo ainda do que estariam fazendo ali em frente à sua casa. Foi então que notou.

Um deles, uma garota, olhava diretamente em sua direção.

O medo que lhe afligia aumentou ainda mais. Sentia os olhos úmidos com as recentes lágrimas, temendo que fosse reviver mais uma vez o que aconteceu no terrível dia em que invadiram sua casa e destruíram tudo. Lembrava-se claramente daquilo, apesar de sua mãe ter tentado fazê-la esquecer.

A menina já se arrependia de ter ido olhar pela janela. Devia ter ficado em sua cama, sem chamar atenção. Felizmente, dessa vez nada aconteceu – a não ser a garota erguer a mão e acenar para ela.

O susto que a menina levou foi tão grande que acabou esbarrando em seu ursinho azul e ele caiu do outro lado da janela, sobre o mato seco do lado de fora. A perda de seu objeto mais especial foi o suficiente para as lágrimas molharem seu rosto.

A menina ficou na ponta dos pés, inclinando-se sobre a janela para tentar observar seu ursinho caído. E então ouviu passos e ergueu a cabeça rapidamente, arfando ao ver a garota aproximar-se.

— Tudo bem, calma. – A garota parou e ergueu ambas as mãos na altura do rosto ao notar o olhar assustado marcado por lágrimas da criança. Apontou lentamente para o ursinho no chão, a voz soando baixa e suave ao dizer: – Eu só vou pegar seu brinquedo e entregar para você. Só vou fazer isso.

A menina fez um aceno mínimo e a garota abaixou-se. O urso estava desgastado, com algumas manchas, sem uma das orelhas e um pequeno rasgo nas costas por onde se via um pouco da espuma de enchimento. Apesar disso, a menina agarrou o ursinho azul e o abraçou fortemente assim que a garota o entregou.

— Não consegue dormir? – A menina, ainda abraçada ao ursinho, balançou negativamente a cabeça em resposta. A garota suspirou, como se compartilhasse a mesma situação. – Por que, pesadelos?

A menina assentiu, confirmando. Permanecia com a cabeça baixa, o ursinho azul preso em seus braços.

— E muito barulho.

— Eu também tinha dificuldades para dormir. Costumava ficar na janela, como você. – A menina ergueu os olhos e a fitou, somente agora notando o tom azul de seus cabelos e a pequena coroa dourada que o adornava. O sorriso presente em seus lábios enquanto falava deixava-a com uma expressão gentil, o que impressionou a menina que antes estava assustada.

Ela parece uma princesa. Foi o que pensou, surpresa, ainda a admirando.

— Eu olhava para o céu e imaginava um lugar completamente diferente daqui. Um céu azul, grama verde, flores coloridas e pessoas rindo... – A garota dizia, fitando o céu da Ilha e alheia a expressão admirada da pequena menina abraçada ao ursinho. – Isso me ajudava a dormir. Você pode tentar.

— Evie, vamos. – A garota virou-se. Os outros jovens do grupo ainda estavam no mesmo lugar, esperando-a.

— Ah, já estou indo. – A garota respondeu e voltou-se para a menina. Ela sorriu e afastou alguns fios que caiam pelo rosto infantil da menina. Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios pelo gesto. – Boa noite, criança.

— Boa noite, princesa. – A menina deixou escapar a última palavra e ouviu uma risada da mais velha antes dela seguir em direção aos amigos e ir embora.

A menina colocou seu ursinho azul no chão do quarto, ao lado da caixa para que ele não caísse novamente. Apoiou os braços sobre o parapeito e deitou a cabeça, os olhos direcionados a sombra cinza-escura que era o céu da Ilha dos Perdidos. Tão assustador e sem vida que a menina fechou os olhos por um minuto, evitando ver aquela imagem por mais tempo.

“Eu olhava para o céu e imaginava um lugar completamente diferente daqui. Isso me ajudava a dormir”. A menina abriu os olhos ao lembrar-se das palavras da garota de cabelos azuis. Fitou o céu novamente, os olhos movendo-se ao tentar identificar nuvens ou estrelas, mas apenas via escuridão.

Por que tinha que ser daquele jeito na Ilha dos Perdidos? O mundo inteiro estava coberto por aquele manto cinza-escuro também? Talvez não. Talvez o céu da Ilha estivesse assim por causa das paredes invisíveis que não deixavam ninguém sair e talvez não deixavam a luz entrar também. Talvez fosse diferente do outro lado. Talvez houvesse sol, não como aquela luz apagada que era vista pelo céu nublado da Ilha dos Perdidos, mas sim um magnifico e cintilante sol que aquecia até os mais frios dos lugares. Talvez tenha campos e mais campos de flores coloridas como havia visto em um dos livros velhos. E talvez tenha pássaros! Ela gostaria de vê-los voando livres. Sua mãe havia lhe dito o quão belo era seu canto, um som tão encantador que todos paravam para escutar.

Na Ilha dos Perdidos não havia tal melodia, apenas sussurros maliciosos, risadas estridentes e lamentos sem esperança ecoando pelos becos e ruelas.

Mas não fora sempre assim.

Sua mãe uma vez lhe contara uma história. Sobre um tempo em que risadas faziam seu caminho por entre aquelas ruas, substituindo as lamúrias que antes se ouvia e que agora estão presentes mais uma vez. Infelizmente, a menina não se lembrava mais de toda a história que fora contada por sua mãe. A história do tempo em que crianças riram e fizeram a alegria de sua inocência e gracejo encantador adentrar nos corações gelados dos moradores – e prisioneiros – da recente Ilha dos Perdidos.

Era um novo tempo, uma nova geração que havia acabado de nascer – em um lugar deplorável, de fato, mas que tornaram aqueles primeiros anos mais toleráveis para seus pais. Não eram mais apenas grandes vilões, exilados por seus crimes contra “as pessoas de bem”. Não. Naquele tempo, eles foram pais e mães que choraram de felicidade ao ver seus olhos refletidos em seus filhos. Riram, festejaram e abraçaram uns aos outros enquanto as crianças brincavam, sem conhecer o mundo exterior.

Os anos passaram e as crianças cresceram naquele mundo limitado, a única coisa que conheciam. A alegria que trouxeram não demorou muito a ser devorada pela frieza sombria daquele lugar. Não havia outro jeito, afinal, aquela ilha foi criada para aprisionar o que era ruim. O mal sempre estaria presente ali, suprimindo até mesmo as risadas de crianças.

O tempo mágico de alegria deixou de existir tão rápido quanto surgiu. O motivo? Comodidade e aceitação impregnou-se no coração de todos os cidadãos presos na Ilha. Antes havia um sentimento de que tudo seria temporário, de que um dia poderiam ser livres. Ou que pelo menos seus filhos tivessem a chance de conhecer a liberdade que lhes fora roubada.

Agora, porém, restava o ódio que muitos nutriam pelo então Rei Adam e seus aliados.

E passaram esse inóspito sentimento a suas antes inocentes e alegres crianças.

Crianças estas que agora se tornaram adolescentes e jovens rebeldes, ladrões e malfeitores, assim como seus pais.

E então havia ela, a menina que se rendeu ao sono e que dormia com a cabeça apoiada na janela, o vento frio balançando seus cabelos. Ela não compartilhava daquele desejo de destruição, de maldade, igual a maioria que ali morava.

Contudo, todos compartilhavam um sentimento em comum, até mesmo ela: o desejo de estar do outro lado.

Não havia um jovem, ou velho, na Ilha dos Perdidos que não sonhava em libertar-se daquela prisão e desfrutar o mundo além daquelas paredes invisíveis. Para os velhos adultos, rever o precioso mundo que lhes fora privado. Para os jovens ansiosos e cheios de energia, descobrir o misterioso mundo externo.

A menina sorriu. Um singelo sorriso descombinado com o cenário que surgia pela fraca claridade do amanhecer. Em seus sonhos, continuava imaginando como seria o mundo escondido que desejava tanto conhecer. Um mundo com belos animais e flores coloridas; um mundo sem destruição e gritos de terror, com segurança para dormirem sem medo; um mundo de pessoas que se importavam umas com as outras e riam e riam, felizes; um mundo de castelos enormes e princesas tão lindas quanto aquela de cabelos azuis e sorriso gentil...

Um mundo que talvez nunca sequer conheceria fora de seus sonhos.

Era o que pensava.

Do outro lado da barreira, dentro do castelo mais importante de todo o reino, um jovem príncipe de coração gentil despertava. Finalmente o momento que tanto almejara havia chegado. Era o dia em que sua proclamação seria atendida; era o início de uma grande mudança no reino.

A partir desse dia, tudo mudaria. Porque, em poucas horas, aqueles quatro jovens da Ilha dos Perdidos iriam receber a notícia de uma oportunidade inimaginável, uma segunda chance. Por mais que o caminho que seguissem fosse conflituoso, o destino seria belo.

Esses jovens se tornariam os futuros heróis de crianças como aquela pequena garota que dormia sob o parapeito da janela.


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Notas finais do capítulo

Provavelmente a próxima será mês que vem (não prometo nada) ^.^

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