A difícil arte de ser eu, Ander escrita por Kadu


Capítulo 2
Um adolescente á beira de um ataque de nervos




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— A senhora tá falando sério? - pergunto carregado de incredulidade, ao mesmo tempo que retorno para o encosto da cadeira - Como é que eu vou chegar sozinho em um lugar onde não conheço ninguém?

— Não seja dramático, Ander. Sua tia e sua prima vão estar lhe esperando no aeroporto, em Belo Horizonte...

Realmente minha mãe com essas pernas cruzadas, com as pontas dos pés para baixo, como pés de bailarina, as costas retas, apoiando as mãos sobre as coxas, me encarando, impassível, é a própria Meryl Streep travestida de Miranda. Só falta o cabelo curto e tingido de branco.

— Então. Gente que eu não conheço - insisto, tratando de realçar o meu mau humor, caso dona Elizabeth ainda não tenha percebido.

— Porque não quer - ela responde com simpatia, mas também firmeza - Por que não aceitou o convite de amizade que a Marina te enviou pelo facebook? Seria uma boa oportunidade para quebrar o gelo e começarem a se conhecer, construir uma relação... A sua prima está ansiosa por este contato...

— Construir uma relação virtual? Será que ouvi direito? - devolvo pouco me importando se estou sendo sarcástico - E aquele seu discurso de que o conceito de amizade foi alterado pelas redes sociais? Que é um tanto precipitado e superficial clicar em alguém para que essa pessoa se torne seu amigo instantaneamente e a partir daí tenha acesso a tudo que você publica, partilhando ideias e sentimentos?

— A influência relativamente nociva das redes sociais na construção de amizades é inegável e vou continuar sustentando essa tese - a impaciência começa a pontuar o tom de voz de dona Elizabeth - E não devem servir como substituto das amizades e do convívio no mundo real, mas você e a Marina, em breve, vão ter oportunidade para sedimentar esse contato inicialmente visual...

— A senhora se esqueceu da parte em que as redes sociais permitem aos adolescentes, às pessoas, enfim, projetarem características idealizadas que não correspondem necessariamente ao que são ou a como se sentem... Quem garante que essa prima ao vivo e a cores é a mesma pessoa na frente do computador?

— Ander, podemos não desviar do assunto que me trouxe até aqui? - dona Elizabeth parece decidida a garantir o seu ponto de vista e se eu insistir, as coisas podem piorar.

— Qual o motivo para essa súbita alteração nos planos? - indago ao passo em que deixo os meus braços penderem ao lado da cadeira e ato contínuo inspiro o ar com toda a força para dentro dos pulmões e logo em seguida o expiro bem, bem devagar - As passagens estão compradas para nós dois embarcamos juntos, depois de amanhã, rumo àquele lugar...

— Por acaso "aquele" lugar tem um nome e se chama Laranjeiras.

Há! Há! Há! Nossa! Tô rindo horrores por dentro.

Odeio quando dona Elizabeth se faz de engraçadinha.

— Se a senhora sabe o nome então não preciso anunciá-lo e muito menos repeti-lo todas as vezes em que ele for invocado... - retruco de imediato enquanto cruzo os braços.

— Ander, querido...

Por que ela insiste em usar o particípio de querer após o meu nome?

— Eu pensei que conseguiria resolver todas as questões antes de seguir para Laranjeiras, mas infelizmente não foi possível...

Dona Elizabeth recolhe as mãos de cima das coxas, descruza as pernas, se levanta e começa a andar pra lá e pra cá no diminuto espaço que existe entre mim e a cama, não demorando a usar as mãos livres para abrir seu jaleco e mantê-lo assim, apoiado em cada lado de sua cintura, deixando à mostra uma camiseta branca básica curta e uma bermuda índigo escura, com a barra dobrada um pouco abaixo do joelho. Sua expressão corporal, mesmo debaixo de tanta tensão, não denota nada menos que a placidez de uma modelo desfilando em uma passarela.

Será que ela já possuía essa postura irrepreensível desde a época em que vivia no lá no Sítio do Pica-pau Amarelo?

Além de ter um corpo exemplar no alto dos seus trinta e sete anos, fotogênica e os cabelos louros bem cuidados, dona Elizabeth também é linda. E não falo isso porque sou seu filho. As observações a respeito de sua beleza são unânimes. Não há quem não se deixe capturar por seus olhos azuis, suas sobrancelhas finas, louras, contornando a curvatura da testa e um sorriso (quando decide distribuí-lo) harmonioso, brando...

—Você pode ver que muitos móveis do apartamento ainda não foram desmontados... - dona Elizabeth estaca, e enquanto encara o nosso entorno, estica o braço esquerdo e o movimenta num circulo de 180 graus até recolhê-lo e fixar o olhar novamente sobre mim.

Pronto! Já vai fazer um inventário. MAIS UMA VEZ! Da minha sagrada mobília.

— O seu quarto mesmo... Sua cama precisa ser desmontada, sua escrivaninha, seu armário, a TV precisa ser retirada da parede... Tem bastante coisa que ainda precisa ser encaixotada... - ela deixa escapar um suspiro, como se estivesse recuperando o fôlego antes de continuar - E acabei de ser informada pela empresa que fará a nossa mudança sobre um contratempo que tiveram, e devido a isso só poderá vir nos atender na segunda feira, e somente na quarta ou na quinta irá levar nossa mobília para Laranjeiras...

—A senhora mesmo disse que não precisaria estar presente enquanto eles arrumam tudo. Que seria menos uma coisa para se preocupar, até porque todos os nossos objetos pessoais ou outras coisas que não gostaria que eles colocassem as mãos...

— Os móveis do nosso apartamento é o menor dos problemas a serem resolvidos... - dona Elizabeth gesticula com impaciência - E eu não quero chegar à casa da sua avó carregada de preocupações.

— Então porque comprou as passagens para depois de amanhã?

— Por que eu não contava com esse imprevisto da empresa que contratei para fazer nossa mudança, e como poderia, não é mesmo? E também pensei que ia ter tempo para solucionar tudo...

Ela solta o lado do jaleco que ainda mantinha preso à cintura e volta a se sentar na cama e a cruzar as pernas, começando a balançar o pé que está pendurado de maneira frenética, ao mesmo tempo que desvia o olhar para os lados, evitando por alguns segundos o contato visual.

— Mas agora chega de ficar me justificando...

Dona Elizabeth se inclina para frente, voltando a me encarar, sustentando a mesma resolução de antes.

— Estou fazendo de um tudo para que o impacto dessa mudança sobre nossas vidas seja o menor possível e quero que você me apoie. Ficar resistente, criando obstáculos e empecilhos desnecessários não vai ajudar em nada, querido - ela retorna para a posição em que estava - Neste momento somos somente você e eu. Se não pudermos contar um com o outro, essa nova vida que nos espera não vai começar muito bem.

— Uma nova vida que eu não pedi.

Devolvo entre os dentes, apertando ainda mais os meus braços já cruzados, enquanto escolho um ponto qualquer à minha frente para ficar encarando.

— Você acha mesmo que eu estou adorando ver o meu apartamento, a minha existência e tudo mais de pernas para o ar? - dona Elizabeth questiona num tom de voz rabugento - Não foi uma decisão fácil de ser tomada...

— Então por que estamos indo embora? Por que não ficamos e continuamos com as nossas vidas? - a interrompo, mantendo, ainda, a determinação de não fitá-la - Não precisamos sair correndo como fugitivos desesperados. Tenho amigos que os pais se separaram e nem por isso um deles se isolou no fim do mundo, e além do mais o meu pai já saiu do nosso raio de visão...

— Esse tipo de comparação não nos leva a lugar algum Ander - a voz de dona Elizabeth está tomando ares cada vez mais graves - Já conversarmos sobre os motivos que me levaram a decidir ir para Laranjeiras, independente de o seu pai ter ido para Curitiba, e não estou nem um pouco disposta a repeti-los, um a um, aqui e agora.

Descruzo os braços. Não vou reagir. Um bom soldado sabe quando é preciso recuar, se esconder na sua trincheira e aguardar o momento certo para investir, e minha mãe é uma oponente bastante habilidosa.

— Ander, querido...

De soslaio a observo se levantar num salto e se prostrar à minha frente, voltando a apoiar as mãos, agora vazias, em cada um dos lados de sua cintura.

— Eu entendo que você queira e tem todo o direito de expressar suas angústias, mas não acha que já está na hora de deixar de agir como uma criança e ser mais racional?

— Eu é que estou sendo irracional?

Ergo o rosto e busco o olhar de dona Elizabeth e a enfrento sem titubear à medida que lanço minha pergunta carregada de autoridade. Dane-se essa metáfora da trincheira. Já estou no fogo mesmo. Uma faísca a mais não vai fazer tanta diferença.

— Você e o meu pai, DOIS ADULTOS, decidem de uma hora para outra que não podem mais conviver sob o mesmo teto e eu é que tenho que carregar a faixa de irracional?

— Você está me perguntando isso? De verdade? - minha mãe revira os olhos e retira as mãos da cintura. Está mais do que tensa. Seu olhar praticamente atravessa a minha alma - Você está sendo cruel e injusto. Eu e o seu pai já não nos entendíamos há tempos...

— Há tempos? - mantenho minha postura firme - Me desculpe se não me permitiram perceber isso. Vocês foram ótimos atores - deixo escapar essa observação entre sussurros enquanto corro os olhos de um lado para o outro até voltar a fitar dona Elizabeth de maneira implacável, afinal, depois dessa, ela vai ter que recuar.

— Se fosse menos egoísta, meu filho... - eu a ouço enfatizar o adjetivo de maneira enérgica à medida que arqueia uma das sobrancelhas - A notícia da nossa separação não teria sido uma surpresa para você.

Engulo em seco e olho para baixo...

Por que os pais, principalmente nossas mães, sempre têm cartas escondidas nas mangas?

Permanecemos em silêncio por um bom tempo até que dona Elizabeth se abaixa à minha frente e apoia as mãos sobre o meu joelho; um gesto que me surpreende, já que a aproximação física nunca foi o seu forte.

— Não é só você que estará fazendo sacrifícios, Ander...

Continuo cabisbaixo.

— Estou deixando um consultório pra trás. Pacientes que confiam na minha competência profissional...

Esqueci-me de comentar que minha mãe é psicóloga, o que me remete aquele velho ditado: casa de ferreiro o espeto é mesmo de pau.

Dona Elizabeth coloca a ponta dos dedos da mão direita sob o meu queixo e, sem pressa, me força a levantar o rosto para encará-la. Encontro condescendência em seu olhar.

— Vamos viver, por favor, da melhor maneira possível esses dois dias antes da sua partida? - seu tom de voz, agora, está mais brando. Como ela consegue mudar da água para o vinho tão rápido?

— Eu não posso ficar aqui com a senhora e então embarcamos juntos, como já estava previsto? - pergunto enquanto a vejo se levantar.

— Infelizmente não, querido - minha mãe me encara do alto - Você já está fora da sua escola há uma semana, e lá em Laranjeiras sua matrícula está feita, como bem sabe. Não podemos nos dar ao luxo de tê-lo tanto tempo afastado assim dos estudos. É seu último ano do ensino médio...

— Mas se a senhora não for demorar pra acabar de resolver as tais questões, que diferença vai fazer mais uns dois, três dias?

— Chega Ander!

Dona Elizabeth me intima. Sua rigidez me faz retroceder imediatamente. Sinto-me como se estivesse prestes a ser jogado em uma arena abarrotada de leões.

— Eu compreendo essa sua reação imatura, o seu atordoamento como o de uma criança mimada que sempre teve satisfeitos os menores caprichos, e isso graças à nossa flexibilidade exacerbada, a minha e a do seu pai, e agora, pela primeira vez, o que é uma reação mais que natural, está gastando energia nutrindo uma resistência sem fundamento diante das contrariedades da vida...

Sinto-me irritado, um completo estúpido e então projeto o meu olhar para o chão novamente, mas de esguelha eu observo dona Elizabeth reiniciando o seu trajeto entre mim e a cama até fazer uma pausa dramática, de costas para onde estou sentado e de frente para a porta do quarto.

— A escolha é somente sua Ander de como chegaremos até depois de amanhã. Se quiser ser tratado como uma criança, vamos lá. Detesto usar esse tipo de mecanismo, ameaça ou até mesmo chantagem, mas se é a única solução viável, que tal começar pelo tradicional castigo?

OI?

Levanto o olhar de pronto e deixo escapar a interjeição, obviamente longe de parecer um mero cumprimento. Dona Elizabeth se vira rápido e me fuzila com os olhos semicerrados. Não me resta alternativa a não ser fazer cara de paisagem.

— Posso não deixá-lo ir à festa de despedida que os seus amigos organizaram, que tal? - ela não espera nenhuma resposta, se volta prontamente na direção da porta e com três passadas largas a alcança.

— A senhora não seria capaz disso.

Lanço meu desafio sem pensar nas consequências enquanto num gesto instintivo me inclino mais uma vez para frente da cadeira e por pouco não dou com a cara no chão.

— Não me provoque -dona Elizabeth abre a porta, resoluta, sem se virar - Sabe que quando tomo uma decisão nem mesmo o Papa, em pessoa, conseguiria me fazer voltar atrás - ela deixa o quarto pisando firme, fechando, com um baque surdo, a porta atrás de si.

Definitivamente as leis do universo são injustas quando mãe e filho divergem de um ponto de vista. Elas sempre saem ganhando, não importa nossos argumentos, mas dessa vez isso não vai ficar assim, não mesmo.

Dou um salto da escrivaninha até minha cama, onde caio deitado, e apanho o celular que está jogado em um canto. Meu gesto é tão alvoroçado que quase deixo o aparelho cair no chão.

Citando Stephen Hawking, o célebre físico teórico, injustamente representado em "A Teoria de Tudo "por Eddie Redmayne, que por tabela acabou levando para casa um Oscar: não importa o quanto a vida possa ser ruim, sempre existe algo que você pode fazer, e triunfar. Enquanto há vida há esperança!

Repito esse mantra ao mesmo tempo em que teclo o número do telefone do meu pai, sem esquecer o DDD de Curitiba. Ele demora um pouco a atender. Tudo bem. Deve estar ocupado...

—Oi, pai?

—Ander? O que houve?

—Nada. Quer dizer, tudo...

—Não entendi...

—Me deixa ficar com você, por favor? - peço quase em prantos.

Um instante de silêncio se faz. Ouço a respiração do meu pai do outro lado da linha como se estivesse ao meu lado. Ele não pode me negar isso, por mais confusa que esteja sua vida. Aliás, não deve estar mais desordenada quanto à minha aqui no Rio de Janeiro.

— Escuta Ander... - ele começa com um tom de voz reticente. Já sei que a resposta vai ser um categórico NÃO - Já te disse como está tudo por aqui. O trabalho novo... Estou hospedado em um apart hotel... A cidade é completamente desconhecida para mim... Além do mais, sua mãe já cuidou de tudo para a sua mudança, te matriculou na nova escola...

— Pai, por favor, eu prometo que não vou dar trabalho. Mudança por mudança, vou aí pra Curitiba ao invés do fim do mundo aonde minha mãe quer me enfiar.

— A sua mãe sabe o que está fazendo, Ander...

— Não, ela não sabe -insisto desesperadamente - A minha vida lá naquele lugar vai ser um tédio sem tamanho...

— Ander...

— Pai, eu tô sentindo a sua falta...

— Ander, nós temos mesmo que ficar tão sentimentais assim? Nesse momento não há o que possa ser feito em relação a essa distância. Também sinto sua falta, mas do que adianta lamentar e chorar?

— Pai...

— Ander, preciso ir - ouço sua voz meio distante, como se estivesse falando com outra pessoa - Vou participar de uma reunião. Depois te ligo, pode ser? Vamos conversar com calma... - ele enfatiza essa ultima frase com um tom de tristeza que me desarma prontamente.

A ligação é finalizada sem grandes despedidas e um embargo toma conta de toda minha garganta e meus lábios começam a tremer... Não vou chorar. Não posso. Não vou dar esse gostinho a eles...

Jogo o celular para o lado, cerro os punhos no ar e aperto os olhos com força, respirando fundo e mordiscando minhas bochechas por dentro e depois os lábios, até sentir dor, de verdade, para logo em seguida apertar a ponta do nariz, próxima aos olhos, com o indicador e o polegar da minha mão esquerda ao tempo em que uma onda de emoção toma conta de cada parte do meu corpo e queima como um milhão de chamas enquanto encolho as pernas junto ao peito, me enroscando como uma bola e então abro e fecho os olhos, dessa vez pressionando-os o máximo que eu posso, acreditando que com isso minha mente vai desacelerar, mas não adianta, sou invadido por uma sucessão avassaladora de pesar, amargura, impotência e por fim uma desesperança atroz parece rasgar o meu peito.

A notícia da separação dos meus pais, o fora do Guzmán, o anúncio da minha saída do colégio, a despedida dos meus amigos, a ideia de não ter mais a Nádia ao meu lado, a ida para aquele fim de mundo onde mora minha avó... Tudo me atinge de uma só vez e eu não consigo resistir e então começo a chorar, enterrando a cabeça entre os braços enquanto uma escuridão profunda consome minha mente...

Merda. Merda.

Respiro fundo e conto até dez e abro os olhos, fixando o teto, depois rolando para o lado da cama e em seguida retornando à posição anterior. Repito esses gestos uma dúzia de vezes até parar e apoiar os cotovelos sobre o colchão, me inclinando para frente e permanecendo indeciso por alguns segundos sobre o que devo fazer; o coração dilatando em agonia, parecendo grande demais para caber no meu peito.

Eu sou irracional? Infantil? Uma criança mimada?

Pergunto-me enquanto uso as costas das mãos para enxugar o resquício de lagrimas no meu rosto até me sentar, encaixando os pés sob as pernas cruzadas, olhando para o emaranhado formado pelo lençol e o edredom, meio que dando de ombros e meneando a cabeça.

Definitivamente eu devo ter sido um daqueles juízes carrascos da época da Inquisição e meus pais foram as vítimas que mais sofreram em minhas mãos e agora estou resgatando todo o mal que lhes fiz...

Preciso me acalmar.

GUZMÁN! Já tinha me esquecido dele.

Sinto frustração e raiva se misturarem numa fúria potente dentro do meu estômago. Alguém precisa pagar essa conta e com juros.

Corro até a escrivaninha, tomado por uma onda de excitação crescente, e tiro o meu note da tomada, seguindo com ele de volta para a cama, onde me sento, apoiando-o sobre minhas pernas entrelaçadas, acessando sem demora o Secrets, um app que serve perfeitamente para ESPALHAR UM BOATO DE FORMA ANÔNIMA.

Inacreditavelmente uma vergonha imediata invade o meu peito, mas eu trato de empurrá-la para bem longe. Não vou me permitir sentir culpa em ofender, denegrir, causar constrangimento ou comprometer a reputação do Guzmán. Ele é um canalha e merece isso e, portanto, não estarei sendo tão leviano assim... Quero vê-lo arrotando sua pretensa masculinidade depois do que vou postar.

 

CONVITE DE GUZMÁN CAMPOS

Gostaria de declarar, aos quatro cantos do mundo, que sou GAY, sem qualquer sombra de dúvida, e neste momento estou bastante interessado em conhecer homens de todas as idades.

Não estou em busca de namoro, relacionamentos, conversa fiada. Quero um macho ativo dominador, que me faça ir às nuvens e subir pelas paredes. A propósito, tenho uma garganta profunda.

Segue abaixo o meu e-mail para contato...

 

Leio e releio a mensagem e por incrível que possa parecer me surpreendo com o tom viperino da minha escrita, mas acabo dando de ombros e em seguida aperto o enter sem titubear.

Segundo Francis Bacon, a vingança é uma espécie de justiça selvagem...

Pois que seja!

Pronto. Postada. Agora só aguardar as visualizações, os compartilhamentos...

Desligo o note e o coloco ao meu lado e então descruzo as pernas e começo a deslizar todo o meu corpo até estendê-lo completamente sobre a cama. Estou sendo justo, com certeza; busco me convencer, descartando um último resquício de dúvidas que ainda possa existir sobre o meu ato nem um pouco exemplar, para, daí, me virar de lado, apanhar o celular e de pronto acessar minha playlist.

"I Lived", interpretada pelo One Republic, é a música perfeita para embalar este MOMENTO SÓ MEU de plena, total e absoluta satisfação.

Não consigo conter um sorriso de contentamento que começa no canto dos lábios, meio tímido, até crescer e alcançar a sonoridade de uma gargalhada bastante forte.

Respiro bem fundo e depois de conseguir me controlar, retorno para a tela do celular e digito o número da Nádia.

— Alô?... Amiga, você não vai acreditar no que eu acabei de fazer...

 


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