Brotherhood and Blood escrita por Bayons


Capítulo 1
Capítulo 1




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Estou sentado num lugar isolado do parque, e então posso ouvir passos. Parece que alguém vai passar na minha frente em breve. Mas apenas continuo olhando para o vazio, com meus olhos vazios. Porque essa é a palavra que me define: vazio. Não sou nada mais que uma casca vazia, afinal eu já estou morto. 

Humanos também morrem quando deixam de sonhar. Já nem me lembro mais da última vez que desejei algo com vontade. Já estou morto por dentro, então quem sabe se o melhor a se fazer seria morrer por fora também? Meus pensamentos são interrompidos por uma jovem garota, ela está parada a poucos passos de mim. Com minha visão periférica a vejo arqueando os ombros na minha direção e então ela diz sorrindo: 

— O que você está fazendo aqui sozinho? 

Porém eu não respondi, e continuei olhando para o nada, com meus olhos vazios. Eu sou uma casca vazia, palavras não podem me alcançar, não importa o que seja dito. Afinal, palavras são apenas palavras. Palavras são apenas ruídos com significados. 

— Que? Porque você não me responde? – E de novo com minha visão periférica vejo ela inclinar sua cabeça pra o lado com uma expressão curiosa. E então sussurra: -- Será que ele é surdo? 

Não se dando por vencida ela começar a passar a mão na frente do meu rosto, de cima para baixo. Na esperança de que eu esboce alguma reação. 

— Eeeeei! – Diz ela de forma suave prolongando a palavra, e enquanto move sua mão e se atenta a alguma reação minha continua a repetir: – Eeeeeei! Eeeeeei! Eeeeeei! 

Me considero uma pessoa muito paciente, mas de forma alguma posso aguentar isso por mais tempo. Talvez se eu der um pouco de atenção ela vá embora logo, que garota irritante, será que ele não vê que não estou a fim de conversar. 

— Ok, ok. Você venceu o que você quer? – Digo virando meu olhar de peixe morto para ela. 

— Só estava pensando conversar um pouco com alguém. 

— Pois você escolheu a pessoa errada. Eu não quero conversar, procure outra pessoa pra incomodar. – Talvez sendo rígido dessa forma ela entenda. 

Ela cruza os braços e faz biquinho com a boca como se estivesse irritada, seus olhos semicerram um pouco. 

— Eu até posso fazer isso. Mas…  – Ela vira o rosto pro lado como se estivesse com vergonha. 

— “Mas…” o que? 

— Sinto que seria uma crueldade lhe deixar aí. 

— Que? 

— É que parece que a qualquer momento você vai chorar de tanta tristeza. – Ela põe a mão esquerda na cintura e aponta para mim com o dedo indicador da mão direita. Falando em um tom firme, e uma expressão zangada.  – Por isso eu só vou sair daqui quando ver você sorrindo e dizendo: “Que dia lindo!”. 

— Que dia lindo! – Digo eu sorrindo. Bem, claro que só estou fingindo. – Foi um prazer te conhecer, até ma… 

Ela me interrompe com um tapa. Logo em seguida ela agarra a gola da minha camisa, e olha pra mim irritada como se a qualquer momento fosse puxar uma faca do bolso. 

— Mas se for só da boca pra fora não adianta nada! 

Instantes depois ela me solta, suspirando na tentativa de se acalmar. 

— Me desculpe, por isso. – Ela se inclina um pouco para mim, como um sinal de arrependimento. 

Agora ela ergue a cabeça, abrindo os braços enquanto respira suavemente a brisa que sopra. Ela sorri, totalmente diferente do meu sorriso fingido de antes. Ela não está apenas movendo os músculos da face. Parece ter algo mais por trás disso, e em mim nasce a curiosidade de descobrir o que é. Em descobrir o que faz as pessoas sorrirem. Eu já sorri assim, mas foi a muito tempo. Não me lembro o que me motivou a fazer essa expressão. Sinto um pouco mais de disposição em entender o que os ruídos que saem da boca dela significam. 

— Francamente, olhe em sua volta. As árvores dançando, os pássaros cantando. Olhe todas essas flores ao nosso redor, veja esse céu azul. A primavera não é maravilhosa? Como alguém consegue ter uma expressão tão triste rodeado dessa beleza? 

— Árvores balançam por causa do vento, o que tem demais nisso? Pássaros fazendo ruídos, é assim que eles são. E o que tem de tão belo numa flor? É só uma planta diferente, nada demais. Sem falar do céu, o que tem de mais ele ser azul? 

— Inacreditável, inacreditável. – Ela repete enquanto balança a cabeça com uma expressão de reprovação. – Você não tem que ver apenas com os olhos, ou ouvir com os ouvidos. 

— Então com o que mais eu tenho que ver ou ouvir? 

— A resposta está aqui! – Ela toca o seu peito esquerdo com o polegar da mão direita, com um sorriso radiante e brilho nos olhos. – O coração! Você deve sentir as coisas não só com os cinco sentido, mas também com o coração. 

— E como eu faço isso? 

— Primeiro você tem que… er…. – Parece que ela ficou sem palavras, e fazia uma expressão de como se estivesse fazendo de cabeça uma multiplicação com números de três dígitos. – Eu não sei… é mais fácil sentir do que explicar. 

Bom, parece que minha curiosidade acaba por aqui. Se é algo que preciso sentir, então é impossível pra mim. Mesmo que eu queria, não existe nenhuma possibilidade. Meu coração está congelado já faz muito tempo, pensei. Estando eu já desistindo, ela pega na minha mão com força. Ela é quente… 

 Vem comigo, procurar algo que faça esse seu coração descongelar! Em um mundo tão grande, deve existir algo capaz disso. – Diz ela me puxando meu braço o máximo que eu permito, ela bate os pés como se fosse uma criança fazendo birra para o pai lhe comprar um brinquedo. 

Penso em negar, mas olhando novamente para ela, reconsidero. Quando foi a última vez que alguém veio falar comigo em todas essas vezes que estive sentado sozinho? Resposta: não existiu uma última vez. Essa garota certamente tem algo de especial, só de olhar para o comportamento dela dá pra perceber que ela é diferente. 

Sou um barco a deriva, vagando sem rumo pelo vasto oceano. Não possuo uma tripulação para me guiar. Então por hoje, e só por hoje, permitirei que ela me leve até onde quiser. Vejamos o que acontecerá. 

— Que bom que decidiu ir comigo, certamente cumpriremos nosso objetivo. – Diz ela com determinação. 

Hã? Porque ela disse isso sem eu falar nada ainda? Só olhando para baixo pude perceber, minha mão esquerda está estendida para ela. Eu não tenho consciência de tê-la erguido assim, parece que até meu corpo concorda na decisão de dar um passeio com essa garota peculiar. Ela solta meu braço, e sua mão esquerda vem em direção a minha. 

Agora a distância é de poucos centímetros, e por algum motivo recuo minha mão. Não me parece uma boa ideia deixar a menina fazer isso, tenho um mau pressentimento. Mas ela foi mais rápida, alcançou minha mão por pouco. Apenas a ponta de nossos dedos se tocam, sinto o calor deles, é tão quente que até esqueci de mover minha mão e ela aproveita para apertá-la por completo. 

— Não vou deixar você fugir. – A garota diz sorrindo maliciosamente. – Vamos! 

Deixo ela me ajudar a erguer do banco, e puxo minha mão com um pouco de força e ela cede facilmente como se estivesse dizendo: tudo bem, já fiz o que queria. 

— Bem, pra onde exatamente estamos indo? – Pergunto curioso. 

— Não sei, sou hiperativa então não ficando parada já é ótimo pra mim. – Diz ela dando de ombros. – O importante aqui não é o destino, e sim aproveitar ao máximo a jornada. 

Permaneço em silêncio. 

— A vida também funciona dessa forma, independente de qual seja o objetivo. O importante é viver intensamente o caminho até lá. – Ela continua. 

— Essa forma de pensar combina com você. – Digo. 

— É verdade. – Ela sorri. Olhos semicerrados, ombros levemente arqueados e um sorriso enorme. – Mas essa frase não é minha… – Sua expressão alegre se desfaz e se torna meio triste. – Ele costumava dizer isso… 

— Costumava? 

— Ele está morto. – Diz ela olhando pro chão. 

 Silêncio. Não ouso dizer mais nada. Mas rapidamente a expressão melancólica dela se esvai e ela parece feliz novamente. 

— Mudando de assunto, qual o seu nome? – Pergunta ela. 

— Judeau Evan. – Respondo sem emoção, em um tom continuo. 

— Um nome bonito hein! Fico curiosa para saber o que você vai achar do meu. 

Silêncio. 

Mais silêncio. 

— Idiota! Pergunte meu nome também! – Ela parece irritada como quando fingi dizer “Que dia lindo” de forma alegre. – Quando alguém pergunta seu nome, você também pergunta o nome da pessoa que perguntou seu nome. Senão a pessoa que perguntou seu nome, vai se sentir incomodada por não ter seu nome perguntado e … – Ela continuou falando por um tempo, mas eu já tinha perdido a linha de raciocínio há muito tempo. 

— Qual o seu nome? 

Ela respira fundo. 

— Me desculpe por isso. – Ela diz arrependida. – Crista! Meu nome é Crista Reiss! 

No que pude perceber nesse pouco tempo de conversa. É que Crista parece ser uma garota instável, seu estado normal é sorridente e alegre. Mas se a situação pedir, ela pode ser capaz de ser bastante assustadora. Ou talvez, Crista seja só uma garota mimada, penso eu. 

Ela pisa no meu pé com força. 

— Ai! Porque você fez isso? 

— Deu vontade. 

Me lembro do que ela disse antes, sobre estar curiosa para saber o que acho do nome dela. Provavelmente foi por eu não ter dado minha opinião ainda, que Crista pisou no meu pé. 

— Crista Reiss é um nome muito bonito também. – Falei da boca pra foca, com a intenção de animá-la. 

— Humpf! – Ela fecha os olhos e olha para o outro lado. 

— Ei, ei Crista. Você grita comigo, pisa no meu pé e depois olha pro lado como se não quisesse me dar atenção. Você está diferente de antes, parece que fui enganado. Devolva meu dinheiro senão vou levá-la ao tribunal. – Estendo minha mão para receber o que supostamente paguei pra ela. 

— Não me lembro de ter assinado nada, então sua acusação é inválida. 

— Oh, faz sentido. 

Crista ergue suas mão para cima na altura de seus ombros, e olha para cima rindo com uma risada maléfica. 

— Eu sou uma ótima estelionatária, vocês nunca irão me pegar! – E ela ri mais alto. – Muahahahaha…. 

— Eh… Pensando bem, eu não lhe dei nenhum dinheiro. 

— Ah, agora que você falou… Então é por isso que eu estava com uma sensação de que estava esquecendo de uma informação importante. 

Claro que eu só estava atuando. Mas não sei dizer o quanto da ação dela foi realmente atuação. 

— Ei, Crista. 

— O que foi? 

— Você é sempre assim? Se dando bem com estranhos, não tem medo deles serem pessoas ruins e te fazerem algum mal? 

— Eu tenho um bom olho para encontrar pessoas boas. E você certamente é uma delas. 

Como pode ter tanta certeza…? Que inocente. 

— Eu não sou uma garota frágil. – Ela dá uns socos no ar, imitando movimentos de boxe. E depois encosta o ombro direito dela no meu esquerdo. – E além do mais, sou um centímetro mais alta do que você! 

— Você está andando na ponta do pé… 

— Hora seu… Vou te mostrar um movimento especial de boxe que vi na Tv um dia desses. Não terei piedade. – Ela me dá um soco qualquer e diz: Yaaaah! Soando como um lutador oriental. 

— Não vi nada de especial nesse soco, e além do mais lutadores de boxe não dizem “Yaaaah”. 

— Você conseguiu, agora você me irritou de verdade. Vou te mostrar toda minha ira nesse chute de taekwondo. 

— Ué, não era boxe? 

Crista tenta me chutar, mas se desequilibra por ainda estar de ponta de pé e cai no chão. Bom, isso que teria acontecido se eu não a tivesse segurado. E ela sorri.  

— Viu? Você me protegeu. Meus olhos nunca se enganam, você é uma boa pessoa. – Ela olha pra minhas mãos segurando seu corpo. – Oh! – Depois olha pro lado, e parece ter visto alguma coisa. E grita: – Ei senhor, você aí com esse celular na mão! Tire uma foto de nós assim, estamos parecendo a capa daquele filme romântico que acabou de lançar. 

— Da próxima vez eu deixo você cair… 


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