Eu nunca parei pra pensar na minha vida além de ser o brinquedo do Andy, pertencer ao Andy e voltar pro Andy. Ou ser o brinquedo da Bonnie, pertencer a Bonnie e voltar pra Bonnie.

Eu nunca parei pra pensar em todos os anos em que ela me pegava desprevenido — daquele jeito sutil que ela me puxava com seu cajado — ao me dar um beijo, me jogar uma indireta ou me fazer um elogio, e como eu ficava envergonhado quando isso acontecia. Ela sempre me deixou assim, corado e nervoso com sua presença, e ela fazia questão de continuar a me encantar, só pra me ver daquele jeito, todo abobalhado por ela.

E eu nunca parei pra pensar no porquê disso até ela partir. Eu tentei “salvá-la”, mas ela não quis. Meu coração dizia vai com ela, mas minha razão, a lealdade dentro de mim, ordenava você pertence ao Andy, fique com ele. E assim, eu nunca mais a vi.

Eu senti saudade. Saudade de salvá-la dos falsos perigos, do Bat Caolho, ou do maligno Doutor Porcão, tentando livrá-la de “morrer” por um tubarão ou por um bando de macacos, dos beijos de recompensa que eu recebia mesmo ambos estando imóveis, da preocupação dela quando eu estava perdido por aí…

Via Buzz e Jessie juntos e minha mente vagava pelas memórias felizes, onde estávamos todos juntos. Achei que nunca mais fosse vê-la de novo até chegar naquele parque de diversões.

Agradeço ao garfinho por querer ficar longe da Bonnie, se isso não acontecesse eu provavelmente não teria a chance de ouvir a voz dela de novo, nem sentir seu abraço, muito menos seus beijos. Nem mesmo ficaria corado e nervoso, perdido em seu olhar azul, seu cabelo loiro e seu rostinho de porcelana.

Aliás, ela era toda de porcelana, e isso me fazia pensar no quanto ela era delicada, fofa e frágil. Mas nos últimos momentos, eu conheci uma Betty muito diferente. Achei que ela tinha perdido toda aquela pureza e se tornado um brinquedo frio, sem esperanças e que não está nem aí para as crianças e o amor delas. Eu estava errado.

Betty não tinha se tornado fria, ela apenas se adaptou à sua realidade, e nesse pouco tempo em que me aventurei com ela tentando levar o garfinho de volta, eu percebi que a minha Betty não mudou, eu só vi um outro lado dela que eu não conhecia. Eu vi o quanto ela era destemida, corajosa, forte, inabalável, o oposto do que eu costumava ver, e eu, novamente, me apaixonei.

E mesmo me fazendo calar a boca e me dando broncas e ordens, mesmo assim, continuava encantadora, isso não me afetava. O que me afetava mesmo era ela com aquele tal de Duke Caboom e ela abraçando o Buzz quando o viu pela primeira vez depois de anos — sem esquecer de como ela ficou animadinha assim que o conheceu no aniversário do Andy. Não, eu não esqueci —. Comigo a recepção não foi essa, fiquei com ciúme sim, mas enfim...

Ficava todo bobo olhando pra ela antes, fiquei todo bobo olhando pra ela na nossa aventura no parque, e cá estou todo bobo olhando pra ela nesse momento, enquanto ela olha encantada para as luzes do parque. Tínhamos acabado de nos despedir de nossos amigos, eu dei minha estrela de sheriff pra minha irmãzinha Jessie — pra mim ela era como uma irmã sim — e abracei forte meu melhor amigo Buzz. Sei que os dois vão ficar bem se ficarem juntos, como Betty e eu. Eu senti no momento em que corri e a abracei, que o meu lugar era ali, com ela.

— Woody?- despertei de meus pensamentos ao ouvir sua voz. — Por que está me olhando assim?

— N-Nada… Não é nada.- cocei a cabeça, nervoso de novo. Ela percebeu que eu estava com aquela cara de bobo olhando pra ela, ai.

Betty sorriu e nada disse.

— Como você costumava me chamar mesmo? “Meu herói”?- quebrei o silêncio e olhei-a convencido.

— Nem vem, era o Andy quem dizia isso.- ela me fez rir ao dizer isso, mas logo meu sorriso sumiu e eu fiquei tímido de novo ao ouvi-la perguntar: — Por que mudou de ideia? Por que não foi com eles?

— Você sabe o porquê.- corei.

Ela riu.

— Eu sei, mas quero ouvir você dizer, sheriff.- ela respondeu arrumando meu chapéu, como ela costumava fazer.

— O meu lugar é onde você estiver, Betty.- vi um outro sorriso brotar em seu rosto e senti a mãozinha dela acariciar o meu. — Não ia cometer o mesmo erro duas vezes.

Ela sabia que antes eu não fui com ela, pois Andy precisava de mim. Mas eu amadureci e entendi que o tempo passa e que depois de tantos anos, todos tem que decidir o que é prioridade, até mesmo os brinquedos. Eu tinha sido leal minha vida inteira, feito duas crianças felizes, agora era a vez de fazer outro brinquedo feliz.

— Mariel, Muriel e Abel poderiam trazer outro galho de laranjeira agora.- ela disse ainda acariciando meu rosto.

Sorri e ela me abraçou, mas dessa vez, fui eu quem a encheu de beijos.