***

A amargura não combinava com Heriberto. Ele era um homem que exalava paz e tranquilidade mesmo depois de ter decidido abandonar o sacerdócio. Aquela aura que o havia caracterizado ainda o acompanhava. Mas nada é mais eficiente em afetar o espírito de uma pessoa do que uma intensa decepção amorosa. E Victoria havia lhe provocado um sentimento que, até aquele instante, ele não conhecia, não tão duramente.

— Tente encarar as coisas com o máximo de tranquilidade, meu amigo. — Luiz tentou aconselhá-lo para que ele visse além de toda aquela amargura. — Às vezes a vida se encarrega de resolver as coisas de um modo que nós nem imaginamos ou esperamos. — Terminou de engolir o café levantando-se da mesa.

— Já vai? — Heriberto o acompanhou com os olhos.

— Tenho um paciente. Cuide-se e me ligue depois para que tomemos alguma coisa, conversemos. — Disse antes de apertar a mão de Heriberto e se dirigir à saída da cantina.

Quando Heriberto levantou os olhos naquela direção por onde saíra Luiz, a figura de uma mulher conhecida lhe chamou atenção. Bernarda tinha o olhar perdido, os olhos marejados, parecia estar sem direção e chorava. Vestida de maneira levemente provocante como quem sabe a mensagem que quer passar, ela já estava parada ali há algum tempo sabendo o que queria.

Heriberto também sabia que Victoria não conseguia conceber a ideia de que ele falasse com aquela mulher, mas porque é que ele devia se preocupar com o que Victoria pensava a essas alturas depois de tudo que ela lhe fizera? Era um cavalheiro, a conhecia e ela estava triste, chorando. Se aproximou dela e ofereceu um lenço. Bernarda não precisava de nada além desse gesto!

— Obrigada, Heri... doutor. — Fingiu inibição. — Que gentileza. — Levou o lenço aos olhos e os secou. — Eu já vou, estava só respirando um pouco.

— Não quer sentar, tomar um café? Eu ainda tenho alguns minutos e nota-se que a senhora não está bem. — Ele foi gentil como sempre.

— Só se você aceitar que esqueçamos os formalismos.

Conforme Heriberto assentiu, Bernarda sorriu aceitando o convite e vendo seus planos darem mais certo até do que ela imaginou. Sentou-se na mesa e esperou que a moça lhe servisse um café pedido por Heriberto antes de dar prosseguimento ao que imaginara.

— Agradeço muito a gentileza, Heriberto. Você não sabe o quanto eu precisava de um café e... de um amigo. — Fitou o bem firme nos olhos.

Heriberto teve um flash confuso com aquele olhar, pareceu recordar Bernarda, envolta numa aura de luz forte e neblina que lembrava a iluminação de uma boate em movimentos sensuais diante dele. O flash não durou mais que dois segundos, mas o efeito em sua expressão foi imediato.

— Não tem nada que agradecer. — Respondeu ele no susto. — Por que você estava chorando?

— Tantas coisas. — Suspirou. — Digamos que não estou em um bom momento. Na saúde, nos negócios e muito menos no amor... — Fungou como se ter problemas nos negócios e no amor fossem realmente novidades em sua vida. — Heriberto... você já foi abandonado, descartado como se fosse um papel velho que não servisse mais?

Heriberto se remexeu na cadeira incomodado com sua abordagem. Entretanto, ao mesmo tempo em que ele se incomodava, ele sentia que Victoria lhe devia, que, talvez, o melhor a se fazer era atingi-la onde mais lhe doeria. O único problema é que, para sua desgraça, não tinha a menor habilidade em brincar com fogo sem se queimar e sua intuição lhe dizia que Bernarda compunha-se de puras labaredas, mas bem longe de serem doces e deliciosas como as de Victoria. Sua intuição e os olhos dela.

— Eu tenho que ir. — Respondeu ele tratando de fugir. — Tenho um paciente em dez minutos e preciso avaliar seu prontuário. 

Quando ele se levantou, Bernarda se levantou em seguida e segurou sua mão fitando-o sem medo, parecia desfrutar da adrenalina e do risco de ser descoberta que ela sabia que existia, sabia que, a qualquer momento, Heriberto poderia recordar tudo o que aconteceu naquela noite ou, pelo menos, parte de tudo. Aproximou-se lentamente do rosto dele e lhe deu um beijo no rosto, próximo de sua orelha.

— Um beijo de gratidão. — Sussurrou em seu ouvido.

Heriberto se retirou verdadeiramente perturbado, mas não por sua proximidade, senão pelas sensações que sua intuição lhe produzia por estar perto de Bernarda. Algo muito diferente da paz que Victoria, ainda que com todos os seus demônios e furacões, lhe produzia.

— Então ele vai atrás daquela vaca em Miami. — Confabulou ela com a informação que conseguira escutando seu diálogo com Luiz. — Talvez Ana Joaquina esteja disposta a colaborar com uma viagem para mim à West Palm Beach para que eu faça o que sei fazer de melhor: infernizar Victoria. E, quanto a esse homem... eu vou tê-lo de verdade, ao preço que seja, Heriberto vai ser meu!

***

Quando contou a Ana Joaquina o que pretendia, a beata não perdeu tempo. Imaginou que, para manter Heriberto afastado de Victoria, não havia maneira melhor que manter Bernarda por perto. Planejou inundá-lo de coincidências, ao ponto de que ele chegasse a pensar que o destino estava trabalhando para colocar aquela mulher em seu caminho. Sabia que ela era inofensiva no sentido de despertar em seu filho a mesma paixão que Victoria Sandoval. Destruir qualquer cinza que restasse daquele romance era o objetivo maior de Ana Joaquina e a velha era uma mulher muito obstinada.

Usou todos os seus contatos para descobrir em que hotel Heriberto se hospedaria e qual era seu lugar no voo para a Flórida. O encontro por coincidência com Bernarda aconteceu ainda dentro do avião. Quando Heriberto encontrou seu lugar na classe econômica e viu Bernarda sentada ao lado da janela quase caiu para trás.

— Ora, ora, veja só quem eu encontro aqui. — Disse Bernarda forçando novamente o humor. Ela era péssima nisso. — Desse jeito vou começar a acreditar que você está me perseguindo, doutor Heriberto.

— Ah, pois é... — Ele disse sem graça. — Tenho um Congresso em West Palm Beach... — Explicou enquanto terminava de acomodar sua bagagem de mão antes de se sentar... ao lado dela.

— Eu estou indo para a Miami Fashion Week, mas preferi me hospedar em West Palm Beach para evitar algumas pessoas e situações. Esse ano eles querem dar maior ênfase à moda latina e participarão alguns estilistas mexicanas como eu e Vic... ah, você já deve saber, vocês têm uma relação, não é mesmo?

— Não Bernarda, não temos. — Heriberto disse olhando cheio de ódio para os olhos de Bernarda e vendo crescer aquele desejo de vingança. — Minha relação com Victoria se terminou para sempre!

***