A Ladra de sonhos escrita por Lost girl


Capítulo 1
Primeiro Ato




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“Tá certo, tenho que passar na sala de pesquisa deixar esses livros, e no polo para imprimir as aulas dessa semana e… melhor pegar a chave antes ou depois do almoço?”. A semana havia apenas começado quando Caro andava pelo campus da sua universidade planejando sua agenda mentalmente. Quando olhou para baixo para arrumar sua bolsa, percebeu que alguém vinha a seu encontro. Ao levantar a cabeça, viu um homem de cabelo volumoso e grisalho, usando um terno escuro (bem no verão da cidade conhecida como Morada do Sol) segurando um celular e olhando para ela. Soltou um “Fácil assim!”.

Caro ficou parada um momento olhando o homem abaixar o celular e ir em direção oposta a sua, como se nada tivesse acontecido. Talvez ele estava falando com alguém no celular por vídeo chamada, ou talvez simplesmente confundiu ela com alguém. Seguiu em frente com sua rotina de toda segunda-feira. Não tinha tempo para perder com pessoas aleatórias.

A hora do almoço passou e logo a garota teria sua primeira reunião do dia. Saindo da lanchonete sozinha em direção à sala, percebeu que o céu havia ficado mais escuro, o que era estranho pois não havia previsão de chuva tão cedo. “Como que o tempo fechou em tão pouco tempo?” pensava consigo. As escadas perto do prédio das salas de aula estavam lotados de alunos tentando ver um pedaço do céu, mas ainda tentando se esconder debaixo do teto. 

— Por que esse tumulto todo, Gi? - perguntou Caro a uma amiga que encontrara na escada.

— Parece que surgiu uma nuvem preta gigante, meio que do nada!

— Mas… não parece uma nuvem, tá escura demais, não tá?

— Está sim - surgiu uma voz atrás das garotas. - E ela está certa, não é uma nuvem.

Era o homem grisalho de novo. Caro levou um susto ao vê-lo surgir de repente. Os outros alunos todos voltaram os olhos para aquele homem, com expressões curiosas nos rostos. O homem atravessou a multidão e foi para fora do prédio, olhando para cima, com suas sobrancelhas cerradas parecendo pronto para uma batalha. Ele parou por um instante e colocou um par de óculos escuros. Mexeu por um minuto e depois falou, ainda olhando para cima:

— Alguém aí em cima vai sair para conversar ou vão esperar que esses humanos aprendam a voar?

“Humanos?” pensou Caro. “Do que esse homem está falando?”. Aparentemente todos ali presentes estavam pensando a mesma coisa. Mas as dúvidas estavam apenas começando, pois depois que o homem falou com o céu, uma (parecia ser isso) porta abriu-se na nuvem escura e dela uma espécie de disco desceu em direção ao chão. Em cima daquele disco estava uma figura de aparência humanóide, porém, ao chegar ao chão perto do homem grisalho, todos puderam ver um rosto muito fino, com uma cor esverdeada clara e escura na parte dos olhos. Parecia uma faixa cobrindo os olhos, mas era a cor da pele daquela criatura. Seu uniforme, ou que aparentava ser, era escuro e muito justo, também variava entre as cores verde escuro e claro. De fato, aquilo não soava nem um pouco ‘humano’.

— Presumo então que você não é humano também - disse a criatura vinda do céu. Sua voz era como de uma mulher de quarenta anos, um pouco robotizada apenas.

— De fato. Mas não sou eu que você está procurando, certo? - Respondeu o homem grisalho.

A mulher verde claro e verde escuro retirou do bolso do uniforme um tipo de dispositivo eletrônico, o qual, ao apontar ao homem em sua frente, fez um barulhinho curioso. Depois de fazer uma leitura dos dados obtidos no dispositivo, a mulher disse:

— Parece que não é você nosso alvo… Doutor. Certo, - ela virou-se para a plateia humana vidrada naquela cena - vamos aos negócios. Em nome da Infantaria da Galáxia NGC 6822, do Governador Bernard E E, colocamos a área 664, de latitude 21-47-40 Sul e longitude 48-10-32 Oeste, sob quarentena até encontramos o indivíduo prisioneiro 7258 e retê-lo novamente. Até que o sujeito seja encontrado, a Tropa Pegasi permanecerá no local.

Ninguém falou nada por cinco segundos. Apenas olhavam boquiabertos para a estranha mulher. Somente o homem grisalho agia normalmente, como se a moça apenas tivesse falado a previsão do tempo. Ele tirou os óculos escuros e deu passagem à mulher soldado passar, que ia em direção ao grupo de estudantes humanos amontoados assistindo tudo.

— Você disse um monte de números e tropas intergaláticas mas não disse quem é você, senhorita.

— Isso soa um pouco hipócrita, vindo de alguém que se auto declara “doutor”.

— Posso te chamar de Fred?

— Chame-me do que quiser, apenas se afaste dessa operação, Doutor.

Aquele cenário parecia ter saído de um filme de ficção científica, uma realidade sem sentido. O homem grisalho, que Caro pode entender melhor seu nome, olhou para o grupo de humanos, deu um risinho no canto da boca bem rápido, como se estivesse rindo daquela operação.

Um aluno, que comprou toda aquela história, se pôs à frente e soltou palavras com voz muito trêmula, mas que no fundo era o que todos ali queriam perguntar:

— COMO ASSIM ÁREA DE QUARENTENA? O QUE QUER DIZER TUDO ISSO? COMO ASSIM HUMANOS?

— Acalme-se macho desesperado, vocês não são nosso alvo. Vou apenas coletar seu DNA e marcá-los com um pequeno risco em seus braços. Vocês são todos iguais para mim, estou sozinha e estou com certa urgência para esta missão. Por favor, se não tiverem mais perguntas, façam uma fila aqui e não me encham o saco.

— Como você fala nossa língua, se não é daqui? - Caro não se aguentava mais não perguntar isso. Sendo uma garota tímida e que se sente terrivelmente ansiosa bem em multidões, essa reação foi algo muito além do que poderia imaginar acontecer (mais difícil do que encontrar alienígenas em sua cidade).

Fred usou o dispositivo em Caro, marcou-a com um “x”, olhou-a nos olhos e depois virou o rosto para o Doutor, que observava e escutava tudo. A garota entendeu o recado e saiu da fila. Se fosse um dia normal, depois de ter falado alto em frente a pessoas estranhas, Caro se esconderia e se fecharia, tentando esquecer o que passou (mesmo que não tenha sido nada de embaraçoso). Mas esse dia não era normal. Por isso, ela respirou fundo, olhou para o homem grisalho e foi sua direção, determinada a saber mais do que estava acontecendo.

— Oi, - começou ela um pouco tímida - acho que nos encontramos mais cedo hoje, mas acho que não te conheço bem.

— Mais cedo? - Perguntou o Doutor, mais curioso do que antes. - Eu acabei de chegar nesse campus.

— Ah… desculpe… eu achei que era você no celular. Até pensei que estava falando comigo. Enfim - recomeçou - você e aquela mulher… não são humanos. Mas como é que vocês falam nossa língua? Sério, isso tá me incomodando demais!

O Doutor se virou para a garota, abaixando um pouco o tronco e disse com a voz baixa “essa é a pergunta certa! Mas terá que ser respondida mais tarde!”. Depois disso, virou-se e foi em direção ao prédio das salas dos professores. Caro o seguiu, não sabia se a conversa tinha acabado ou não, então resolveu ir atrás dele. Algo a mais a fez seguir.

— Também quer ajudar? - Perguntou o Doutor pelos ombros. - Ótimo, porque aquela mulher vai demorar uma eternidade para encontrar sozinha o tal do prisioneiro.

— Você não tá com ela?

— Pareceu que eu estava?

— Na verdade não, mas é que achei estranho dois alienígenas que não se conhecem aparecer bem no mesmo dia nessa cidade no meio do nada.

— Hum… mais uma pergunta certa! Mas essa tem uma resposta mais rápida. Vim aqui porque percebi alguns sinais estranhos vindo desse campus.

— Sinais? Eu tava tentando me controlar para não pirar, mas se for que nem no filme “Sinais” eu não sei se consigo segurar mais.

— O que, o filme? Sinceramente, quando vocês humanos vão parar de fazer filmes assim? Não é bem assim… são como radiações diferentes…

— Você é mesmo alien? Como sabe desse filme? - Caro fez uma cara de ironia, parecia mais a vontade agora.

O Doutor parecia se divertir com as perguntas de Caro, estava rindo mas não dela, sim com ela. Tirou do bolso do paletó seus óculos escuros e ofereceu a ela.

— Chega de perguntas certas por ora - outro risinho. - Aqui, coloque esses óculos e vamos ajudar Fred encontrar o prisioneiro.

— Você só me deixa com mais perguntas, como que dá pra ajudar com isso? - Mesmo perguntando, ela aceitou e colocou os óculos no rosto.

— São óculos de sol sônicos. Ajeitei numa frequência para encontrar as radiações estranhas que falei antes. Você conhece mais o local. Basta apenas olhar para qualquer coisa, se encontrar algo, ele irá te dizer.

— Onde devo procurar?

— Em lugares onde alguém poderia se esconder. Tem algo em mente?

Caro pensou por um momento, olhou girando em torno do seu eixo, bem devagar. tentando lembrar algum lugar assim. Parou de girar quando viu o restaurante universitário, que estava fechado para reformas há cinco anos. Virou a cabeça para o Doutor, ainda com os óculos no rosto. Deu um sorrisinho e saiu correndo em direção ao RU. Agora foi a vez dele a seguir.

O restaurante tinha janelas e portas de vidro, portanto dava para ver através deles. Mas não havia nada e a porta estava trancada. O Doutor pediu de volta os óculos, vestiu-os e como um passe de mágica, a porta se abriu. O dia estava ficando cada vez mais espantoso para Caro.

Os dois entraram com cuidado no restaurante. Não havia nada além deles dois ali. A garota olhava ao redor com um calor no coração, recordando dos anos que enfrentou filas imensas para almoçar com suas amigas. Fazia muito tempo que não entrava naquele lugar. Ela começou a enxergar as pessoas sentadas nas mesas, nas filas, deixando suas mochilas nas prateleiras. Sua cabeça começou a pesar: muitas pessoas naquele lugar, estavam falando alto, mal entendia o que falavam. Apesar de tanta gente, os rostos estavam embaçados, como se uma fumaça saía do pescoço das pessoas. Uma sensação de ânsia no estômago… “cadê você, Doutor? Eu não estou passando bem… Doutor… Dou…”

BUM.

Caro abriu os olhos. Estava deitava no chão, no meio do RU, com um Doutor assustado olhando para ela. Perguntou o que tinha acontecido, ele respondeu:

— Você está bem?

— Acho que … não sei direito. Parecia um sonho mesmo. O RU tava cheio de gente, é como se estivesse aberto de novo. Mas ficou assim do nada, e você tinha sumido… 

O Doutor ajudou-a a levantar. Ela ainda estava um pouco zonza, viu uma silhueta na porta do restaurante, mas achou que ainda estava delirando. A figura, contudo, começou a falar.

— Me devolva o que roubou! - uma voz modificada e que fazia subir um arrepio pela espinha se espalhou pelo local. - ME DE-VOL-VA!

Caro e Doutor se assustaram com a altura daquela voz, e ficaram encarando o ser por uns segundos, até que ele perguntou:

— Ah! Está certo, vamos resolver isso logo, mas primeiro que tal nos apresentarmos? Olá, eu sou o Doutor e essa é a…

— Caro, pode me chamar de Caro.

— Caro! Muito bem, e você é…?

— Me devolva meu sonho AGORA!

— Ok… não quer se apresentar - sussurrou o Doutor. - Pois bem, vamos ver quem você é! - Ele colocou seus óculos novamente, que fez um barulhinho. Ao tirá-los, o rosto do homem ficou sério. Uma aura pesada estava exalando daquele homem grisalho. 

Caro olhou do Doutor para a criatura lá fora: era um estudante da universidade, mas estava com seus olhos brilhando, e suas roupas estavam desabotoadas, num estilo bem relaxado. Seu rosto era familiar para ela, de vê-lo andar pelo campus. Mas mesmo vendo um rosto familiar, não era o bastante para sentir menos medo. A boca do estranho voltou a falar:

— Você roubou meu sonho há cinco anos… preciso dele para sair daqui… me DE-VOL-VA!

— Parece que é com você. Sabe do que ele está falando? - sussurrou o Doutor para Caro.

— Não! - gritou Caro, em tom de desespero. Voltou-se para o estudante: - Não roubei nada, mas podemos conversar e tentar resolver tudo isso!

O garoto levantou lentamente um braço, apontando para Caro. Começou a andar lentamente, arrastando suas pernas como um zumbi. Não tinha para onde sair naquele restaurante. A única porta era em direção a ele. Doutor se pôs a frente e disse para a garota:

— Confie em mim! - Estendeu o braço esquerdo para trás, como um convite. - Quando eu disser, você vem comigo.

— Dizer o quê? - sussurrou ela.

— CORRE!

Nesse momento, os óculos do Doutor fizeram o barulhinho novamente, o garoto-zumbi se contorceu no chão, permitindo o alien e a humana passar por cima dele, em direção para fora do restaurante. Ele virou-se para a porta e apontou os óculos, o que fez ela fechar-se e trancar-se por fora. Continuaram correndo, pois aquilo não iria durar muito tempo.

Caro sentiu que seus pulmões não aguentavam mais correr, precisou parar. Com as mãos no joelho tentando se recuperar, olhou para trás, para checar se a estranha criatura não tinha os seguido. Tentou colocar seus pensamentos em ordem, se tudo aquilo fazia sentido afinal. Depois de se recuperar, voltou-se para o Doutor, mas como se estivesse falando alto consigo mesma:

— O que é tudo isso? Além de vocês dois, agora aparece aquele rapaz, ele não é humano também? E que droga ele acha que eu roubei dele? Há cinco anos ele nem estava aqui…!

— Você conhece ele? - Doutor perguntou de súbito

— Sim, ele foi meu aluno ano passado, ele cursa o segundo ano de economia!

— Tem certeza que ele não está há cinco anos aqui?

— SIM! Ele era calouro ano passado!

— Foi seu aluno, hein? Que bom que você é uma professora que lembra de seus alunos! Porque aquela criatura não é exatamente um humano.

— É O QUE?

— Lembra do prisioneiro que Fred está procurando? Bem, digamos que ela não está se esforçando, e você foi mais rápida que ela.

— Doutor, não tô entendendo nada, explica direito!

— O prisioneiro 7258 é um polimorfe, ele pode assumir a forma de qualquer coisa ou pessoa que esteja inconsciente. Meus óculos sônicos descobriram as leituras de radiações vindas daquela criatura no RU. Se ele está aqui há cinco anos, quer dizer que ele não é seu ex aluno, se chegou aqui ano passado.

— Inconsciente…

— É, funciona bem assim, os polimorfe conseguem se transformar…

— INCONSCIENTE, DOUTOR! - Caro ficou desconcertada e começou a correr em direção aos prédios de sala de aula.

O Doutor a seguiu, agora era ele que não estava acompanhando. Ao chegar no corredor das salas, viram vários alunos deitados no chão, todos imóveis. Correram para checar o pulso de um deles: estavam vivos e … inconscientes. Olharam um para o outro, menos preocupados agora, porém, aquilo era ruim, muito ruim.

Fred aproximava-se dos dois a passos pesados e impacientes. Quando chegou perto dos dois, vendo-os segurando o braço de uma humana, numa tentativa de acalmá-los a contragosto, disse:

— Não estão mortos. Eles só não paravam de falar e gritar, então joguei uma bomba de anestesia. Meu trabalho ficou muito mais fácil sem estes humanos barulhentos me atrapalhando.

— Você é a pior soldado que existe na Infantaria NGC 6822! - Doutor levantou num pulo, indo em direção a Fred. - Você nem sabe direito a espécie de prisioneiro que está procurando, porque se soubesse não teria feito isso com essas pessoas!

— Abaixe o tom para falar comigo, Doutor! Sou uma Suboficial e não permito que fale assim comigo! O prisioneiro 7258…

— É um polimorfe! - Completou Doutor.

Fred ficou quieta, olhando sem baixar a guarda. Percebera que havia feito besteira.

— Não fui informada sobre isso, eu receio. - A voz da suboficial estava mais baixa e um tanto aflita. - Posso ter me precipitado com essa ação. Mas vou resolver isso e… espera um momento: como você sabe que o prisioneiro é um polimorfe?

— Porque encontramos ele agora a pouco! E a Caro disse que parecia com um ex aluno dela.

— Quem é Caro?

— Eu sou a Caro! - Ela se levantou, não ia mais deixar aqueles dois falarem. - Agora parem de conversa e vá encontrar aquela criatura! Chega dessa loucura!

A suboficial Fred abriu a boca para responder, mas percebeu que não tinha muito tempo para perder. Ela entregou para o Doutor um tubo de ensaio e explicou que seu conteúdo acordaria os estudantes deitados.


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Notas finais do capítulo

Para os fãs de Doctor Who, deixei duas referências, uma da série clássica (Fred) e outra da nova (7258). Para quem não é fã, sugiro que comece a assistir essa série maravilhosa!



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