7 de fevereiro escrita por Jess Porcino


Capítulo 2
Estranho da praça parte 2


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Estou sentado na beirada de uma fonte onde uma imensa estátua de um homem com um balde derrama a água da fonte que sai dali, é o Ganimedes da mitologia grega e representa meu signo, Aquário, mas como eu sei disso? Não faço ideia, e no mais esse não é o meu signo. Estou confuso, mas sinto como se esse fosse o certo, observo por mais alguns segundos a estátua com um sentimento de vazio, hoje é o meu aniversário e novamente não tenho a companhia dos meus pais, ao olhar para o enorme jardim bem cuidado que me rodeia não consigo contemplar sua beleza, uma vez que para mim esse local mais parece uma prisão onde passo a maioria dos meus dias na minha eterna solidão. A única coisa de que gosto é  desta estátua, mas não entendo esses sentimentos tão estranhos, uma vez que nada do que estou presenciando parece ser meu. Nem o signo, os sentimentos de abandono e nem mesmo aquele jardim desconhecido. Quando olho meu reflexo na água vejo outra pessoa, esse sou eu mas ao mesmo tempo não sou. Um garoto de no máximo sete anos me olha refletido na água, com madeixas vermelhas e um olhar celeste que carrega uma grande tristeza. Sinto que algo nesse garoto me é familiar, mas não consigo lembrar de onde, fico buscando em minhas memórias confusas de onde o conheço e quando penso finalmente estar perto ouço alguém me chamar, chamar o garoto ao qual estou representando o papel, seu nome sai distorcido e não consigo compreendê-lo, sinto meu corpo levantar-se sem meu consentimento e agora não sou mais o garoto e sim um telespectador, vejo-o correr para os braços de uma mulher de idade avançada já usando um uniforme de empregada a mesma profere palavras de carinho para o pequeno e lhe beija o topo da cabeça colocando sobre a mesma um chapéu em cone daqueles de aniversário, o garoto sorri mesmo que seus olhos estejam tristes e sei que é devido a saudade dos pais ausentes naquele momento. Sinto-me curioso e tento acompanhar os dois que caminham para dentro da casa, mas não consigo sair do lugar, quando está prestes a entrar na casa o garoto vira seu olhar para trás na minha direção e eu congelo, por um instante penso que ele pode me enxergar tamanha é a carga emocional que aqueles enormes e brilhantes olhos infantis carregam, tão pouco o contato é feito, se quebra no momento que o pequeno desvia o olhar entrando dentro da casa, mais uma vez tento ir ao seu encontro, mas sinto algo me puxar e ao piscar os olhos me deparo com o teto brando de uma casa, ou melhor do meu quarto. Percebo que tudo não passou de um sonho e fecho os olhos por alguns segundos tentando me situar novamente quando a imagem do jovem da praça me vem a mente. Sim, ele se parece com aquela criança exceto pelo olhar, pois o do desconhecido é bem mais ameno do que o da criança como que aliviado. Balanço a cabeça tentando reorganizar meus pensamentos e levanto, preciso ir trabalhar e parar de pensar em sonhos sem sentidos, de certo que fiquei impressionado com a ida ao memorial e a presença daquele estranho que influenciaram nesse sonho.

 


O dia transcorreu como de costume, sem alterações na minha entediante rotina, logo, me vi voltando para casa novamente, onde mais uma vez, desviando o caminho para a praça do memorial e lá estava ele novamente, sua imagem idêntica a anterior como que eternizada em uma pintura.

Me aproximo devagar ainda hipnotizado e como se fossem ímãs seus olhos são atraídos para os meus e me encontro novamente paralisado. O seu rosto, seu olhar, seu sorriso, tudo nele é tão belo que mal consigo respirar diante de sua presença, sinto-me ruborizar diante de tais pensamentos.

— Vai continuar parado ai? — Ele me chama e sem hesitar vou ao seu encontro.

— Aqui estou eu novamente. — Digo meio constrangido e o vejo sorrir de modo gentil.

— Sim, você está. Me sinto feliz por isso. — É o que ele diz com naturalidade e novamente me sinto envergonhado por nenhum motivo aparente. Ele mudou drasticamente de assunto ao me perguntar sobre o meu dia, não que algo realmente acontecesse nele para ser digno de interesse, foi o que eu tentei explicar, mas ele não aceitou essas desculpas me dando um sermão sobre como cada mínima coisa pode ser importante. Confesso que chegou a ser engraçado o modo como ele falava em uma falsa irritação, de certo modo me lembrou uma criança, ele era tão puro e refrescante como uma inocência e alegria quase infantil tão… Vivo.

Eu me sentia mais leve em conversar com aquele estranho que mais tarde descobri chamar-se Camus, qual foi a minha felicidade em saber seu nome que passei o resto da noite com um sorriso de orelha a orelha. Camus, o nome soava em minha boca de uma forma tão reconfortante.

Os dias foram passando e sempre nos encontrávamos no mesmo lugar, na mesma hora e passávamos longos minutos conversando. Aos poucos comecei a procurar motivos para vê-lo em outros horários, mas o mesmo dizia estar ocupado e nunca cedia, bem tive que me dar por vencido e assumir a derrota. Cada vez que nos encontrávamos ele me perguntava mais sobre meu trabalho e coisas da minha vida, dizia que gostava de ouvir as histórias de vida das outras pessoas, mas eu não possuía nada de interessante para contar e a atenção que ele demonstrava nas poucas novidades que lhe falava me fizeram buscar por mais, eu desejava ser o motivo daqueles sorrisos animados, daquele olhar brilhante a cada nova surpresa do dia, eu queria ser o dono de seu interesse e a cada vez que nos encontrávamos eu trazia algo de novo. Em poucas semanas minha rotina mudou completamente, quando não estava no trabalho estava com ele e quando isso não acontecia eu saia para inúmeros programas de lazer apenas para contar-lhe mais tarde sobre minhas aventuras e receber mais daqueles sorrisos que tanto amo. Não que eu já não o tivesse convidado para registrar tais aventuras pessoalmente, nem preciso dizer que foram todos negados, obviamente.

Eu diria que estava completamente feliz se não fosse por dois pequenos detalhes, por alguma razão Camus não me deixava tocá-lo, não por falta de tentativas, mas ele não me deixava se aproximar desde um simples toque de mãos até mesmo um beijo roubado que confesso já ter tentado, a sua reação foi inesperada ele se afastou rapidamente como se eu estivesse a ponto de esfaqueá-lo e com um olhar entristecido quase em desespero me disse para não fazer novamente, pois não se sentia muito bem com toques. Eu pedi desculpas e claro que o clima ficou meio estranho, uma vez que fui repelido de forma tão abrupta, mas respeitei sua vontade e não mais tentei tocá-lo sem seu consentimento o que se tornou um tormento para mim já que ultimamente tenho tido cada vez mais vontade de tocá-lo de todas as formas, as vezes me pego imaginando como seria beijá-lo, aqueles lábios me parecem tão macios. Logo me repreendo, pensar tais coisas quando se está tendo uma conversa divertida em um memorial cheio de pertences de gente morta é no mínimo inapropriado.

O outro detalhe é o fato de que ultimamente ando tendo sonhos estranhos com um garoto aparentemente bastante parecido com o Camus, gradativamente vejo o garoto crescer em acontecimentos importantes para ele em que seu pais normalmente não estão presentes, a cada noite que sonho, todas as noites sem falta. Sinto que tem algo muito estranho com isso, mas não posso afirmar de fato o que é, apenas que pareço estar vendo flashes da vida de um garoto totalmente abandonado pelos pais mesquinhos e autoritários, sinto-me triste pelo mesmo tão pequeno e tão atormentado. Ainda me assusto quando lembro do olhar do pequeno com a intensidade do mesmo, apesar de tão jovem, carregando uma dor que não lhe cabia. Assisti com amargura aqueles olhos tão brilhantes se tornarem frios e inexpressivo com o tempo, era quase como me olhar no espelho e aquilo me incomodava bastante. Em todos os sonhos eu sentia aqueles olhos sobre mim, era como se ele pudesse me enxergar e passar toda a sua dor apenas naquele olhar.

Eu estava de tal modo tão desconfiado que cheguei ao ponto de procurar uma cartomante afim de interpretar meus insistentes sonhos, eu soube que aquela não fora uma boa ideia no momento em que pus os pés naquele lugar com uma decoração escura parcamente iluminada por velas e brumosa pelos incensos de cheiro estranho que faziam meu nariz coçar. A cartomante de roupas ciganas e olhos pintados me fez escolher dentre as inúmeras cartas dispostas na mesa redonda e o fiz meio resoluto, afinal para que ela queria aquelas cartas se eu já havia lhe contado sobre meus sonhos. Se aquilo já era estranho mais ainda foi quando escolhi apenas uma carta, e ela me encarou com aqueles olhos claros destacados pela maquiagem escura. A mulher não me deixou escolher mais e guardou suas cartas dizendo-me apenas para ficar atento, pois a morte cerca aqueles que estão vivos e que ainda não era o momento de tudo ser revelado, e no fim me advertiu que nem tudo era o que parece. Quase ri naquele momento, claro que não acreditei em suas palavras, era óbvio que aquela mulher era apenas mais a charlatã que disse uma desculpa qualquer com um conselho clichê e sem criatividade para não ser descoberta em sua farsa, de todo modo a consulta não foi cobrada então não me dispus à reclamar no momento. No mais tive que me conformar com esses sonhos estranhos até que sumissem de vez. 


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