A chuva manchava o vidro da varanda do extenso escritório de Lena Luthor, quando Kara se viu ali pela primeira vez. Ela tentou encontrar alguma coisa através dela para se distrair de sua solidão naquela sala de paredes brancas, de móveis em tons não muito mais alegres e se pegou mais uma vez naquela semana observando o cobertor pesado de nuvens escuras escondendo os céus de National City. 

Os seus dedos apertavam a nova caderneta na tentativa de acalmar seu nervosismo. Um lembrete do porquê Cat Grant era conhecida por ser cruel com seus funcionários. A rainha da mídia tinha oferecido a assistência de Kara para o seu colega rabugento que era Snapper que, por sua vez, tinha a encarregado de acompanhar o novo repórter júnior quase tão desagradável quanto, Mike Matthews. O que Kara só não se encontrava capaz de descobrir era o motivo pelo qual uma tarefa que exigia tanto profissionalismo quanto entrevistar Lena Luthor tinha sido designada àquele homem inexperiente, ainda consumido pelo mesmo comportamento digno de um garoto estúpido na faculdade. Nem mesmo pontual Mike conseguia ser. Kara conteve suas reclamações por um instante, imaginando se tudo isso tinha sido combinado para tomar a forma de uma retaliação pessoal de Cat. De sua chefe não era de se esperar algo menos elaborado.

Ela viu os próximos minutos se arrastarem à sua frente, enquanto sua única companhia ainda era o seu nervosismo por estar prestes a se encontrar com a nova personalidade de National City. O pensamento de que a própria Lena Luthor estava também atrasada, era enervante, visto que se ela chegasse a qualquer momento acabaria se deparando com o fato de que seu entrevistador estava ainda mais atrasado e tudo isso cairia mais uma vez sobre o colo de Kara. 

“Eu tenho que pedir desculpas pelo meu atraso”, os pés de Kara pareciam costurados ao chão, quando aquela voz familiar chegou aos seus ouvidos, não se movendo nenhum centímetro até que a dona alcançasse o lugar em sua frente, distraída pelo tablet em suas mãos.  “Não imaginava que algo tão simples fosse me pren-” os olhos verdes finalmente se levantaram para o rosto de Kara, ela pôde ver a sua própria surpresa refletida nos lábios entreabertos de Lena pelo sumiço repentino de suas palavras. “Você”, Lena disse, então, abrindo um sorriso que fez Kara ter a certeza de que não seria capaz de formar qualquer palavra. “Você sabe, Mike não é exatamente um nome que eu associaria ao seu rosto.”

Kara abriu a boca esperando conseguir formar uma resposta, mas tudo o que obteve foi uma risada curta e envergonhada, como se o rubor subindo pelo seu pescoço já não fosse suficiente. Lena levantou uma de suas sobrancelhas num gesto que a loira já tinha presenciado, a medida necessária para Kara tornar a sua tentativa de parar de se envergonhar mais dura. 

“Eu não sou Mike. Na verdade, eu sou Kara Danvers, também pela CatCo”, ela ajeitou os óculos no rosto e engoliu seco querendo apagar as evidências de sua tolice. “Mike teve, um, huh, imprevisto, eu espero que não seja um problema se eu seguir com a entrevista”, o rascunho bagunçado de perguntas em sua caderneta que ela tinha ajudado Mike a formular pareceu pesar toneladas. Kara só esperava não ser demitida por ter tomado essa decisão ousada. Mike ser irresponsável não era culpa dela, no entanto, e Lena Luthor era uma mulher muito ocupada.

“Claro que não será, desde que sigamos a mesma linha da qual fui previamente informada”, Lena cruzou os braços depositando parte de seu peso sobre a mesa atrás de si. 

O pensamento de como ela parecia diferente com saia lápis preta e a blusa carmesim de repente atingiu Kara como um caminhão desgovernado, sobretudo como Lena parecia bem. Mesmo que Kara tivesse concluído naquele outro dia que o moletom desgastado e jeans também não era uma escolha que subestimava a sua beleza de tirar o fôlego. Talvez Lena fosse uma daquelas pessoas que poderia parecer bem até em um saco de lixo. 

“É claro, Srta. Luthor.”

“Então, eu posso concluir que não há mais nada no nosso caminho, a não ser toda essa formalidade. Por favor me chame de Lena”, a nova diretora executiva da LuthorCorp sorriu novamente e fez a volta ao redor de sua mesa branca para se sentar na sua cadeira de aparência confortável. “Tome o seu lugar, Srta. Danvers, por favor.”

“Se eu te chamar de Lena, acho justo que você me chame de Kara.”

“Tudo bem, Kara”, Lena testou a palavra, preenchendo o nome da mulher à sua frente com o seu leve sotaque que a loira desconfiou ser britânico. Kara pensou que seu nome nunca poderia ter soado mais bonito.

“Então, Srta. Lu… Lena, o que a le-”

Um homem ofegante entrou pelas portas de madeira escura antes que Kara pudesse terminar a sua primeira pergunta. “Sinto muito pelo atraso, mas você deve saber como pode ser o trânsito e ainda num dia como esse”, ele avançou até a cadeira ao lado de Kara, sentando-se sem esperar pelo convite, e estendeu a mão recebendo o aperto firme de Lena. “Eu sou Mike Matthews pela CatCo, mas imagino que Kara já dito isso."

Kara sentiu a irritação crescer em seu corpo, observando Mike invadir o seu espaço na entrevista à medida que fazia as perguntas e Lena respondia. Pelo menos, Kara ainda foi capaz de perceber que Lena tinha adotado uma postura diferente com o seu colega. Mais profissional e menos sorridente, ela lançava respostas afiadas para as perguntas que Kara não reconhecia de seu rascunho, que ela podia ter a certeza de que eram totalmente vindas da mente de Mike, pelo tom ligeiramente acusatório e desrespeitoso.

"Acho que isso é tudo", Mike finalmente disse, depois de sua rasa sessão interrogatória. "Obrigado, Srta. Luthor", ele se levantou da sua cadeira e saiu da sala rapidamente, sem esperar por sua colega.

Kara observou ainda em sua cadeira, Lena levantar as sobrancelhas em uma expressão torcida pela saída grosseira do homem. 

“Desculpe-me por Mike, ele é novo nesse emprego. Ainda precisa aprender algumas coisas.”

“Está tudo bem, nada que eu não esteja acostumada”, Lena sorriu, então, limpando as evidências de seu incômodo que restavam na sua expressão e Kara teve que se esforçar para prestar atenção no que lhe era dito. “Então, verei o seu nome no artigo também?”

“Oh, hum, na verdade não”, Kara empurrou os óculos para cima no nariz, desviando seu olhar do de Lena. “Eu não sou repórter. Assistente de Cat Grant… Bem, de Snapper Carr, agora, e  encarregada de acompanhar Mike, por enquanto.”

“Você poderia ter me enganado”, Lena disse, por fim, muito diferente do Kara esperava e apertou os lábios em um novo sorriso, atraindo outra vez os olhos azuis da loira para si. “Espero que essa não seja a última vez que nos encontramos”

“Eu também”, Kara sorriu também incapaz de quebrar o contato visual firme que durou mais alguns instantes, fora do comum de qualquer outra pessoa que estivesse ocupando esse lugar. Elas permaneceram assim, até que o telefone de Lena Luthor as trouxe de volta para a realidade. “Eu devo ir. Obrigada, Lena. Sinto muito se tomei mais tempo do que deveria”, Kara se levantou da sua cadeira e estendeu sua mão para a morena.    

“Não foi incômodo algum.”

“Tenha um bom dia”, Kara viu os lábios vermelhos se abrirem em algum tipo de protesto, quando um trovão chegou aos seus ouvidos. “Hoje eu me lembrei”, ela disse tirando uma sombrinha florida de sua bolsa e se afastou, observando Lena com o telefone contra a orelha.

“Você sabe que eu não cobro para emprestar o meu motorista para uma carona”, Lena mordeu o lábio e Kara quase se atrapalhou com os pés. “É de graça para garotas bonitas.”

“Eu-eu gosto da chuva!” Kara se apressou para sair pelas portas para esconder o seu embaraço, mas não a ponto de não conseguir ouvir uma risada melódica vinda de onde tinha acabado de sair. 

Lena Luthor iria ser a sua morte.