Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 21
21




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Malvina girando na cadeira observava o grupo designado á pedido de Carolina Licanço que discutia teorias complexas e traçava planos. Enquanto os olhos treinados e ouvidos atentos captava tudo ao seu redor classificando informações – aguardando na memória o que lhe era útil e descartando o resto –, a mente vagava para a últimos oito tensos dias que seguiram desde que seu pai voltou para a Itália.

Primeiro Nicolas tinha ficado estranho com ela, nada que a preocupasse vez que às vezes ele tendia a se comportar como um homem possessivo e inseguro, para esses dias em que ele achava ter algum direito sobre ela, ela deixava-o falando sozinho enquanto desviava toda sua atenção para o trabalho até que ele se desse conta de que não ia á lugar nenhum agindo como um namorado ciumento. Eles nem eram namorados.

Mas desta vez foi diferente, ele parecia desconfiado. Tentou sondá-la sobre sua família e a razão por qual nunca dissera ser filha de Dante.

— Deveria dizê-lo? – ela questionou enquanto digitava no seu tablete a agenda da semana – Você nunca me perguntou sobre minha família, e eu nunca te interroguei sobre a sua.

Ela não havia nem pesquisado sobre ele, seriam quatro meses e ela estava com outras coisas em mente quando tomou a decisão de ficar na cidade. Pagar a divida que tinha com Elisabete, dar tempo para Oliver se livrar daquela pessoa desagradável que se considerava a futura senhora Aleksander – felizmente, o cientista-inventor não tinha planos para se casar com outra pessoa e romper suas núpcias –, e ficar um tempo a mais com a família considerando que a avó estava internada á época.

Isso tudo era mais importante para ela que investigar a vida de quem quer que fosse. Se detectasse qualquer sinal de que Nicolas pudesse representar algum perigo, ela teria cuidado do assunto, mas não aconteceu. Ele era tão inofensivo quanto uma criança pequena, podia fazer muito barulho, dar uma dor de cabeça danada e no fim do dia o único á sofrer arranhões seria ele mesmo.

Por isso ela não investigou a vida dele ou de sua família, por isso ficou surpresa quando soube que Jon era seu primo e um tanto indignada quando descobriu as ilegalidades que cercava a firma de contabilidade e outras empresas das quais ele e sua família era sócia. Só então ela se afundou na vida dos Navarro e os deixou em suspensão, assim que Oliver desse sinal verde Navarro & Cia entrariam para a lista de escândalos de corrupção e negócios ilegais.

Ela ia se arrepender por trair Nicolas e puni-lo por crimes das quais ele não era culpado? Talvez. Contudo, se ele tivesse a metade da integridade que transpirava não estaria envolvido em tanta falcatrua, teria os impedido ou no mínimo ficado longe. Jonas ficou. O dentista até abriu mão do sobrenome Navarro para deixar claro sua opinião sobre os métodos desonestos deles. Dandara havia o investigado quando se envolveu com ele e mantinha vigilância sobre o marido e suas associações.

 “O amor é uma arma poderosa, meninas, vocês podem usá-lo ao seu favor e se tornar mais forte ou deixa-lo se tornar uma fraqueza e permitir que o usem contra vocês” – dissera sua mãe quando ela era menor.

Desde aquela manhã, há oito dias, que Nicolas tinha se tornado interessado na vida dela. Queria saber sobre sua família e a razão por qual ela não usava o sobrenome paterno.

— Por essência meu povo é matriarcal o que quer dizer que em grande maioria recebemos o nome familiar materno ou composto sendo o materno prioritário. Minhas irmãs e eu dispensamos o nome paterno.

— Por quê?

— Criamos nossas famílias com bases em laços emocionais. Dante é só nosso progenitor, ele no máximo é uma antiga paixão da mamãe e um elo consanguíneo entre o pequeno filho dele e nós, suas filhas adultas.

Não era brincadeira, mas Nicolas levou por esse lado, ela o notou. O contador pensou que era só mais um dos milhões de casos de reconhecimento de paternidade tardia. Ele não fez mais perguntas sobre o assunto e por um breve momento ela se inclinou a pensar que ele tinha desistido da intenção de saber mais sobre ela. Malvina não via problema nenhum em responder suas questões, poderia fazê-lo por quanto ele quisesse saber.

E os dias seguintes haviam passado com ela e Nicolas ocupados em trabalho que mal tiveram tempo para conversar sobre qualquer coisa que não fosse documentos, projetos, clientes... As noites eram regadas de conversas amenas durante o jantar, um pouco mais de trabalho e muito sexo.

E há duas tardes, no fim do expediente, ela recebeu a informação que a deixou completamente aérea. Estava sendo investigada por um detetive particular contratado por Nicolas Navarro. Quando recebeu o alerta ela achou que estava errada, então pediu para que Henrique verificasse e quando o amigo confirmou ela entrou em curto.

O que deveria fazer? Não estava preocupada com o que seu detetive pudesse descobrir sobre ela por que tudo ao seu respeito ou era insignificante o bastante para fazer dela uma pessoa imprudente com temperamento impulsivo ou não estava registrado em nenhum banco de dados.

Sua preocupação era com o fato de Nicolas estar se metendo onde não devia. Por que ele não era um cara normal que demonstrava ciúmes a seguindo ou aparecendo em lugares errados nas horas erradas? Se ele continuasse tentando desvendá-la ia alertar Dandara e então... Ela tinha que resolver isso antes que a curiosidade de Nicolas o levasse á descobrir sobre Ana Tereza e Artur. Dandara o mataria sem pestanejar se ele chegasse perto de seu filho e nem mesmo ela poderia impedir.

— Concorda Malvina? – Lucas perguntou de onde estava.

Ela piscou voltando sua atenção para o homem com aspecto de surfista desleixado e sorriso impressionante.

— Não acho que seja assim tão simples, Lucas – ela apontou, estava ouvindo a reunião com parcial atenção, mas atenta o bastante para entender o que se passava – Atacar o alto escalão deles é uma solução prática, mas e as consequências?

— Estaremos eliminando a cúpula de uma das organizações criminosas mais caçadas do mundo, que consequência poderia haver que nos preocupasse? – Quitéria questionou.

A caçula das gêmeas Coelho evitava-os por isso, odiava planejar como destruir vidas alheias e o pior, colocar em prática. Ás vezes ela não tinha outra opção e era arrastada contra sua vontade, mas as irmãs sempre absorviam a parte que pudesse coloca-la em perigo, como quando era adolescente e elas cuidaram de Patrick e seus amigos nojentos que a violentaram. Ela não teria o sangue frio das irmãs para fazer o que fizeram com os garotos, ela não o tinha agora para lembrar daquilo sem ficar horrorizada com o que suas gêmeas idênticas eram capazes.

— Os outros tentarão assumir o comando – a mulher de cabelo cor de vinho e tatuagens tribais complexas, explicou – Há dezenas de ramificações mundo afora dessa organização, quando descobrirem que os grandes caíram eles virão como urubus á carniça.

— Haverá briga por poder – Eduardo, o único do grupo que Malvina tinha cumprimentado com um abraço caloroso em vez de um aceno treinado, disse tranquilo – Eles se livrarem uns dos outros não é problema, o lance é os inocente pego no fogo cruzado. Sua esposa, por exemplo, que foi puxada para algo contra qual ela nem sabe se defender.

Quitéria assentiu e se virou para a outra gêmea que estava focada no computador á sua frente, como Carol e a loira de nariz arrebitado, Alice, talvez.

— O que acha Dana?

— Acho que Luquinha tá certo e Sarah e Eddie e Tommy – Dandara disse sem desviar sua atenção, assim como Malvina, ela não precisava estar concentrada para saber o que se passa ao seu redor – Aliás, eu concordo muito com Tommy.

Todos se viraram para o mais jovem do grupo que tinha recém completado dezenove e sido incluso na Divisão Ni, com Lucas e Alice, apesar de ter sido trazido ali por Sarah, a mulher de cabelos cor de vinho. Tomas Zorrilho ficou vermelho diante de toda atenção que o grupo desigual e assustador lhe ofereceram, ele engoliu em seco antes de balbuciar algumas vezes até conseguir dar sua opinião:

— Acho que devíamos alertar as autoridades, o máximo delas possível e o pessoal da TV. Liberar todas as informações para todos meios possíveis e enquanto eles lidam com essas gangues menores nós cuidamos dos chefões.

— Distrair, dividir e destruir – Alice sorriu de modo que causou arrepios coletivos de puro receio – Gosto de como pensa, aspirante.

— Desenvolva sua ideia, garoto – Lucas mandou se movendo para junto de Malvina que desviou sua atenção para a jovem e disse em voz baixa – Posso captar sua tensão á quilômetros de distância, relaxe.

Ela assentiu e empurrou todo seu problema emocional com Nicolas para longe. Ela sabia bem como alguns deles reagiam á determinadas emoções, Lucas era hipersensível á ansiedade. No momento liquidar a ameaça á sua família era mais importante que o fracasso de um romance. Se o pai de Elisabete e Elias se atrevesse a usar Rafael para seus jogos de poder, descobriria que não estava á altura dos inimigos que estava buscando.

— Pelas pernas da Claudia Raia – Carol arfou trocando um olhar com as duas que liam ao seu lado os dados no computador – Isso é sério? O Destino resolveu conspirar contra nós ou é só sua natureza zombeteira mostrando quem manda?

— O que foi? – metade do grupo quis, abrindo seus notebooks ou alcançando seus tablets para acessar os dados compartilhados.

Em silêncio leram o trecho do arquivo apontado por Carolina.

— Maldição! – esse foi Eduardo que era educado demais para xingar, diferente dos outros que usaram os palavrões mais criativos que conheciam para maldizer a sorte.

— Isso é possível? – Quitéria perguntou sentindo-se insegura agora, aquela informação mudava toda a dinâmica para resolver o problema com qual trabalhavam.

— Isso é novidade para mim – Malvina comentou olhando para Sarah e depois Lucas, eles eram os mais antigos e mais experientes dentre eles – O que se faz quando o alvo já foi um dos nossos?

— Fazemos o que as crianças fazem quando não sabem o que fazer – Alice disse com seu sorriso doce e assustador de pessoa maléfica – Nós perguntamos aos adultos.

Com acenos de concordância, cada um pegou seu celular e ligou para seu superior imediato. As coisas tinham ficado piores do que o previsto. Enquanto a equipe designada buscava ideias e conselhos de como proceder naquela situação, Malvina se levantou e saiu murmurando apenas um chamado que teria sido inaudível no meio de todos os falantes presentes, contudo fora perfeitamente escutado pelo grupo:

— Dandara, vem.

A gêmea a seguiu poucos segundos depois, entregando o celular para que Quitéria falasse com sua mãe e explicasse o que acontecia. Dandara estreitou os olhos quando se aproximou da irmã com desconfiança. Toda a postura da mais velha indicava que algo estava errado, Malvina geralmente era a personificação da indiferença.

— O que é?

— Temos que conversar sobre Artur e Nicolas – foi direto ao assunto.

Dandara comprimiu os lábios e apertou os olhos com força. Passou os últimos meses atenta a todos os movimentos da irmã e do seu amante para que não chegassem perto de seu segredo, e tudo tinha que ruir agora que faltava só algumas semanas antes de ela ir embora...

— O que foi que te fez ir atrás do passado? – questionou com ar inocente.


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