Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 2
2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/781214/chapter/2

Finalmente o dia terminou. Os pés doíam por causa da porcaria dos sapatos de salto alto, estava com fome e o bom humor inalterável tinha saltado pela janela na primeira hora de convivência com o chefe de Elisabete. Como um homem tão bonito podia ser tão maçante? Dava para sentir as mudanças de humor dele indo de mal á pior á cada hora que se passava.

Foi ele quem chegou atrasado, não importava a razão, o problema era dele se sua vida pessoal atrapalhava seu desempenho profissional. Mas tinha prometido para Elisabete que não causaria a demissão dela, por isso manteve um sorriso congelado no rosto e a expressão mais vazia do mundo na face. Roberto, o advogado da agência, levou um susto ao vê-la. Também a confundiu com Dandara, mas não demorou em notar a diferença e nem foi preciso dizer que era gêmea da outra.

— Dandara – ele disse surpreso quando entrou na sala de Nicolas e encontrou a secretária – Ou uma versão muito parecida. Moça, você tem uma sósia, sabia?

— Ela está listada como Doppelganger nos meus contatos – respondeu com sua falta de entonação que as pessoas tomavam por frieza.

 E estava mesmo, todas as pessoas na sua lista de contato estava listado com um codinome.

— Eu não sabia que aquela bru... Senhorita tinha uma gêmea – disse sussurrante para Nicolas.

— Uma gêmea que está bem aqui na nossa frente ouvindo seus sussurros, Roberto – disse o contador apresentado os dois em seguida – Ela vai substituir Elle.

— Elle, como ela e o bebê estão? – perguntou sentando ao lado dela.

Pelo menos a intromissão de Roberto encerrou o interrogatório que Nicolas estava fazendo. Ele já não tinha o currículo dela em mãos? Por que inferno queria perguntar o que já estava respondido no papel? Se ela tivesse mentido no currículo não seria lógico que tivesse pelo menos estudado as respostas para não cometer o erro de cair em contradição?

Ser secretária não era divertido como nos filmes e novelas, ela não ficou o tempo todo sentada falando no telefone ou conversando com outras secretárias. Sim. O telefone tocava o tempo todo. Houve momentos que Malvina cogitou “acidentalmente” tropeçar nos cabos e desligar os telefones, ela estava falando com alguém numa linha, entrava nova chamada e ainda tinha o chefe irritante que ligava para lhe pedir coisas o tempo todo como se fosse lhe cair às pernas se ele saísse da sala e fosse ele mesmo buscar o que queria. Como é que Elisabete podia querer e gostar de fazer aquilo? E depois de tudo, ela finalmente teve tempo para terminar de organizar os arquivos.

Já passava da meia-noite quando entrou em casa. Largou os scarpins atrás da porta e foi procurar o que comer. Tinha encontrado na geladeira o que supunha ser obra de Henrique. Pratos frios e suco natural. Henrique tinha aversão á micro-ondas, era cozinheiro no mesmo restaurante que Quitéria e Maria trabalhavam. Ele morava num apartamento mais perto do trabalho, mas como tinha habito de levar as amigas em casa, acabava por dormir lá o que significava que o apartamento dele era praticamente um depósito de tralhas ou uma hospedaria para quando não queriam dirigir até o subúrbio tarde-da-noite – principalmente quando chovia.

Acordou ao som do dueto desafinado de Maria e Henrique, a dupla dinâmica estava cantando em plenos pulmões algo em inglês que parecia com uma musica infantil, possivelmente era uma canção da Disney. Depois de escovar os dentes e tomar um banho gelado, seguiu para a cozinha. Tinha que estar no escritório em vinte minutos, era tempo mais do que suficiente para ela. Já estavam em seus lugares de sempre, Quitéria e Elisabete com sua barriga enorme de grávida comendo açúcar-mascavo direto do pote, Maria e Henrique preparando o café com a animação exagerada deles.

— De que planeta vocês vieram? – questionou sentando ao lado da cunhada – Isso não é saudável.

Como sentia falta das manhãs com Oliver, os gestos silenciosos de suas conversas mudas enquanto cada um cuidava de suas coisas sem entrar no espaço do outro. Fazia só duas semanas que estava em casa, mas já sentia falta do seu lar. Fez uma anotação mental de ligar para Cindy e conferir se o inventor ainda não tinha a enlouquecido com suas manias desagradáveis, como comer na cama enquanto via alguma bobagem engraçada na internet ou acordar no meio da madrugada para trabalhar em algo com que sonhou e ficar hiperativo o resto do dia por excesso de café e açúcar.

— Tenho culpa se meu pequeno príncipe gosta de açúcar? O gosto é horrível – Elisabete fez uma careta – Mas é tão gostoso.

— Como pode ser ruim e gostoso? – Malvina perguntou se servindo de suco.

— É como perder a virgindade – Elisabete respondeu, tomando o suco da cunhada – Ruim no começo, mas depois que pega o ritmo você não para mais.

Malvina pegou outro copo, ignorando o abuso da ruiva de farmácia em respeito ao seu apetite nada saudável de grávida. Olhou para Quitéria que batucava na mesa ao ritmo do cantarolar dos cozinheiros.

— Compre um dicionário para sua mulher, nos últimos dias ela usa sexo com analogia e metáfora para tudo.

— Compre um vibrador, vai distrai-la mais do que um livro – Maria se meteu na conversa.

— Depende do livro, um romance erótico compensa mais pelo uso da imaginação do que pelo prazer imediato.

— Nem todos, já li alguns que são dignos de uma fogueira e não no sentido de ter me deixado quente – Quitéria opinou.

Maria concordou, cobrindo o bolo de chocolate com a calda de morango que estivera fazendo, entregou o que sobrou para Elisabete que empurrou o açúcar para o lado. Malvina acompanhou sem espanto a gula estampada no rosto da cunhada ao começar a comer a calda de morango morno. Trocou um olhar com a irmã que deu de ombros e sorriu.

— Vai por mim, é melhor ela se entupindo de açúcar do que reclamando de estar morrendo de fome.

— Quem está morrendo de fome? – Dandara entrou na cozinha, ocupando seu lugar – Ano que vem vou matricular Artur no vespertino, nem que tenha que ser noutra escola, meu bebê estava com olheiras.

— Seu bebê tem nove anos e não estaria com sono se não ficasse até tarde no computador – Malvina comentou recebendo um olhar feio da gêmea do meio.

— Dan você não trabalha hoje não é? – Henrique questionou, impedindo uma provável discussão.

— Só depois das sete da noite, plantão. Causa de que?

Dandara era enfermeira num hospital público e ás vezes tinha seus horários alterados drasticamente.

— Você fica de babá da faminta até sua cópia maligna chegar.

— Não preciso de babá – Elisabete se defendeu – E não sou faminta.

— Amor, você não pode ficar sozinha e vai nos levar a falência de continuar experimentando os pratos do restaurante – Quitéria tentou soar meiga, mas não deu certo.

O tom podia ser mais suave que o toque de uma brisa numa tarde quente de verão, mas os hormônios instáveis da gravidez faria soar uma trovoada violenta rasgando o céu e prenunciando a chegada de uma tormenta. Elisabete largou a colher na vasilha de calda, fungou um pedido de desculpa e saiu quase correndo da cozinha, aos prantos.

— Céus, se não está comendo está chorando. Achei que essa fase fosse passar depois dos primeiros meses.

— Da próxima vez engravide você, então – ela gritou furiosa batendo a porta do quarto.

— Sentidos sobre-humanos ativados – Maria comentou baixinho, enquanto Quitéria se levantava para tentar fazer a companheira sair do quarto.

Elisabete estava com problemas de pressão agora que estava entrando nas semanas finais da gravidez e requeria cuidados, infelizmente ficar em casa tanto tempo sendo vigiada em cada movimento que fazia estava a deixando com os nervos á flor da pele.

— Maria, você vai ficar com meu carro? – Henrique quis saber, já estava acostumado com aquela família e suas mudanças de humor.

— Vou, preciso fazer compras e Guto vai me acompanhar.

— Hum... Está tão amiga do Guto.

— Não enche Henry, o Guto é uma boa companhia.

— E tem uma pegada – Dandara concordou.

— Que pegada, e o que é aquela língua em trabalho? – Maria se abanou – Aquele homem é um deus do sexo.

— Amor, me dá carona? Não quero ter que ouvir o que meus colegas de trabalho fazem na cama e nem do habito dessas duas em compartilhar homens.

Malvina assentiu para Henrique.

— Eu nunca fiz nada com Guto na cama, só no sofá – Maria brincou – Na mesa.

— No carro. Na banheira – Dandara completou para o horror de Henrique que saiu da mesa, dizendo que elas eram imorais demais para sua inocência.

Tolo quem associa pureza ao rosto de anjo que Henrique possui. Malvina sorriu e olhou para a irmã que piscou de modo matreiro, Dandara estava aprontando alguma coisa, dava para sentir a vibração de suas emoções no ar. A mais velha resolveu que não era da sua conta, fosse quem fosse Guto, era assunto dela e de Maria.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Opiniões?
Comentários?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Paralelo 22" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.