Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 16
16




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Estava cansado. O dia tinha passado dos limites aceitáveis da exaustão. Pelo menos tinha conseguido desfazer a merda que ele mesmo fez em relação á Editora WK. Pegou alguns dos trabalhos antigos de Ulisses para aliviar a carga de Sônia e tinha avisado ao RH que tinha uma vaga para contador de modo que em breve começaria a ler currículos até achar alguém para substituir Ulisses.

Ulisses.

Tinha ficado muito puto com a ideia de que o amigo podia ter assediado Malvina e teria ido atrás dele se não tivesse visto o estado da secretária. Queria tê-la consolado, mas temia sua reação, os instintos de defesa dela eram agressivos. Assim que entrou no elevador do edifício onde morava, apertou o botão para o segundo andar. Precisava saber se ela estava bem.

Tocou a campainha e esperou. Foi atendido por uma garota de traços asiáticos com cabelos pretos com grossas mechas brancas. Ela piscou surpresa, franziu o cenho.

— Oi?! Procurando alguém?

— Malvina.

A boca dela formou um “O” antes de se desmanchar num sorriso discreto.

— É amigo dela? Por que se não for eu não posso te dar informações sobre ela.

— Ela está bem? Trabalhamos juntos e ela estava indisposta hoje à tarde.

Por que disse aquilo? Não tinha ideia, só que de repente achou certo não dizer que era chefe de Malvina.

— Você trabalha com ela naquele escritório? Você é o Roberto de quem ela fala?

Sorriu com um leve dar de ombros, como que afirmando uma pergunta de modo tímido. Talvez aquela jovem lhe respondesse o que queria se achasse que ele era amigo de Malvina.

— Pode dizer que estou aqui?

— Não – ela sorriu com malícia – Mal não está aqui.

— Ela vai demorar?

— Vai – ela suspirou – Eu não sei o que aconteceu, mas a indisposição dela foi um meio de conseguir sair mais cedo e ir para seu refúgio com Artur.

— Artur? Quem é Artur?

A garota voltou a sorrir.

— Isso já é informação pessoal da qual não posso compartilhar, mas se quer saber, na profissão de Malvina ter muitos clientes é bom. Quanto mais, melhor – gargalhou.

— Do que está falando?

— Você sabe que ela não é secretária, não é Roberto? E que antes de fazer um favor para Elle, ela fazia outro tipo de favor? – a malicia na voz não dava muita margem á imaginação, algo apitou no lado de dentro e ela fechou a cara – Tenho que ir. Foi um prazer conhecer você.

Nicolas se sentiu mal com a insinuação feito por aquela desconhecida. Ele nada sabia sobre Malvina e mesmo tendo a consciência de que acreditar em estranhos é estupidez, não conseguiu ignorar o fato de que se ela estava no apartamento de Malvina era por que a conhecia bem para isso. Trombou com Henrique que saia do elevador.

— Nick? O que faz aqui? Está procurando a Malvina?

Ele não ia responder, mas o fez com grosseria, já entrando no elevador.

— Estava, mas a amiga dela já me disse que não está.

— Se conseguir falar com ela, diz que sinto muito pela dona Cléo.

Ele forçou as portas do elevador que se fechavam, a se abrirem. Não dava para ignorar o tom de lamento que ele usou.

— O que aconteceu?

Henrique bateu na testa com a mão livre, na outra tinha sacolas do mercado.

— Você não sabe, é claro. Dona Cléo, a avó das meninas, faleceu hoje á tarde. Malvina estava na estrada indo pra lá quando as irmãs receberam a notícia, deve ter chegado em casa na pior hora. Ela não reage bem á certas coisas, então deve estar olhando para o nada, imóvel.

Não era da conta dele, não se importava, não ia se meter na vida alheia...

— Onde é? – a pergunta soou idiota e ele pensou na expressão vazia de Malvina esperando que ele terminasse a sentença por não entender meias perguntas.

Henrique felizmente entendeu a pergunta e lhe deu endereço de onde era a casa da mãe de Malvina. Ficava á três horas, numa cidade ao norte. Passou no seu apartamento para pegar algumas coisas e dirigiu. Tentou ligar para ela, mas tocava até cair na caixa de mensagem. Não deixou recados por que duvidava que ela os ouvisse.

A casa era pequena, num bairro simples do subúrbio. Era um tom desbotado de azul-escuro com portas e janelas tingidas de vermelho e um minijardim entre o muro baixo pintado com as mesmas cores da casa e a varanda. O fato medonho era que aquele era um jardim de cactos, pedras brancas e um arbusto seco na qual penduraram pisca-pisca branco. Ainda faltavam meses para o natal.

Não tinha campainha, então bateu palmas. Uma. Três. Cinco... Deu um suspiro desanimado e releu o endereço. Estava certo. Era dez da noite. Onde estariam? A resposta lhe atingiu como um soco. Um velório. Aquela casa parecia pequena demais para abrigar um número considerável de pessoas que iam se lamentar pela perda da vizinha, amiga, familiar. Ele devia ter pensado antes de entrar no carro e dirigir até ali.

— Estúpido – se censurou e estava entrando no carro novamente quando um senhor baixinho saiu da casa ao lado.

— Procurando alguém rapaz?

— Malvina – respondeu no mesmo tom baixo do homem e apontou para a casa azul – A mãe dela mora ai.

— Não – ele respondeu e apontou a casa cor de abobora ao lado da sua – Amanda mora aqui, essa ai é a casa da Cléo, mas a menina Malvina está no hospital com a mãe de qualquer modo.

Ele tinha o mesmo sotaque estranho de Malvina, quando ela falava rápido.

— Estão no hospital?

— Estão, mas nem adianta de ir lá nesta hora da noite, visita não entra e acompanhante não sai. Vem, entra. A casa é de pequena, mas é melhor que esperar sentado no carro. Meu nome é Manoel, e você quem que é?

Nicolas olhou para o carro e para a rua de ambos os lados. Já tinha ido até ali, podia ir para um hotel e voltar para casa de manhã ou ir para o hospital... não. Aceitar a hospitalidade de um estranho era burrice de tal modo que oferecê-lo. Talvez por causa da estranheza daquele dia, talvez por que aquele aparentava ter passado dos oitenta anos e não transmitia perigo, talvez por que ele estava realmente cansado. Atravessou a rua e entrou na casa do senhor Manoel.

— Nick – ele se apresentou seguindo o homem – Eu sou amigo de Malvina.

Nos quarenta minutos seguintes, ouviu Manoel falando sobre a avó de Malvina, dona Cléo que era mais jovem do que ele e Amanda que aparentemente não dormia pela quantidade de coisas que fazia. Ouviu sobre sua esposa que estava no hospital acompanhando as vizinhas. Ou o homenzinho gostava muito de falar sobre as pessoas ou não tinha muita companhia disposto á ouvi-lo, por que falava demais. Felizmente um som de carro estacionando interrompeu o tagarelar do bom senhor que foi espiar pela janela antes de abrir a porta.

Nicolas o acompanhou e teve o vislumbre e uma senhora de cabelos grisalhos longos entrando na casa em frente apoiando alguém uma cabeça mais alta. E olhou para a entrada da casa de Manoel quando ouviu o portão ranger. Ela ainda vestia a mesma calça marrom e blusa alaranjada de mais cedo. Prendeu a respiração enquanto ela se aproximava, por um segundo lembrou-se do sorriso malicioso daquela moça de traços asiáticos e sentiu raiva de si mesmo em se permitir deixar levar pela opinião alheia.

— Nicolas! – ela parou ao vê-lo – O que faz aqui?

Ele abriu a boca para responder, mas não disse nada por que enquanto o cérebro formava palavras coerentes para se justificar, ela entrou na casa e o abraçou. Ele retribuiu o gesto, ainda mudo. Ela o soltou tão rápido quando o abraçou, parecia surpresa pelo ato.

— Cadê o Artur, tio?

— No antigo quarto do Vitor. Vou chama-lo.

— Não precisa – e olhou para Nicolas com uma interrogação na testa enquanto caminhava até uma porta e entrava.

Nicolas bufou, cruzando os braços, que tipo de homem era esse tal Artur que ia dormir enquanto sua mulher precisava dele? Levou pouco mais de um minuto para retornar á sala, carregando desajeitadamente um garoto. Aquele era Artur?

— Convenço a tia voltar ou a deixo com mamãe?

— Ela vai bater o pé e ficar – Manoel sorriu triste – Como você está menina?

— Com um peso no coração que não consigo aliviar nem com todos os litros que derramei em lágrimas. Mas ficarei melhor ou entrarei em depressão e tentarei cometer suicídio – diante da expressão horrorizada do senhor ela se corrigiu – Eu não devia dizer isso em voz alta...

Ela disse algo naquele idioma que usou para xingar Pérola de manhã, pelo menos parecia o mesmo idioma.

— Não seria você se dissesse que estava tudo bem e apenas. Vá descansar e chore mais um pouco – estendeu a mão para Nicolas que ainda olhava para Artur, uma criança – Bom te conhecer rapaz, e cuide dessa menina para ela não fazer nada idiota.

Malvina riu saindo da casa. Era uma risada triste de se ouvir. Entraram na casa ao lado, a com cor de abóbora que era da mãe de Malvina. Nicolas franziu o cenho ao notar que não tinha ninguém em casa e que em nenhum momento a mulher usou chave para destrancar nada. Ela levou o garoto para um quarto. Depois veio até ele e o abraçando novamente, sem dizer uma palavra, sem chorar.


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