Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 14
14




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— O que é isso? – ele perguntou apontando para a criança de vestido azul-brilhante com laço verde no cabelo loiro.

— É uma menina. Uma criança feminina menor de dez anos.

— Eu sei o que é uma menina, Malvina, eu quero saber quem é ela e porque está aqui?

— Não foi o que você perguntou.

Ele suspirou com impaciência.

— Não pode trazer crianças para a empresa.

— Eu sei disso, eu li os termos de conduta quando estive no RH.

— Então?

— Então o que? – ela estava se fazendo de lerda de proposito.

— Por que a trouxe? Isto aqui não é uma creche, Malvina, devia ter deixado sua filha com uma babá.

Depois de dizer que a menina era filha dela que ele notou o peso daquela palavra. Filha. Ela tinha uma filha? Isso importava? Onde estava o pai? O quão presente ele era na vida da secretária?

— Lídia não é minha filha, achei perdida no elevador e avisei na portaria que ela estava aqui para o caso de seu responsável procura-la por lá. E nenhuma mãe em sã consciência deixaria sua cria sob a sua direção, caso isto fosse uma creche.

— Está me chamando de irresponsável?

— Não. Estou dizendo que você assustaria as crianças – ficou em pé e estendeu a mão para a menininha – Venha Lídia, vou te levar para a sua mãe.

— Acabou de dizer que não sabe de onde ela veio.

Malvina franziu o cenho, com ar pensativo.

— Em nenhum momento eu disse que não sei de onde ela veio. Mas entendi o que quis dizer e eu vou leva-la a todos os andares até acharmos quem a conheça.

Isso só podia ser piada.

— Você está falando sério?

O telefone tocou e ela ergueu o indicado para ele enquanto atendia. Ótimo, agora estava mandando-o esperar.

— Bom dia... Ah! Sim... Vou verificar e retorno.

Ela sentou diante do computador procurando algo. Nicolas cruzou os braços e aguardou por que aquela conversa não tinha acabado. A ouviu xingar enquanto ficava em pé.

— Não pode falar palavrão – a menina alertou com severidade que fez Nicolas sorrir.

— Eu sou adulta, eu posso.

— Mamãe diz que não pode – a pequena insistiu.

Malvina a sentou na sua cadeira, e pegou uma coisa colorida e redonda na mochila e deu para a menina que revirou sem entender o que era.

— Adultos podem mentir, falar palavrão e conversar com estranhos – ela explicou para a menina que negou com a cabeça e abriu a boca para rebater, mas não teve tempo por que Malvina completou – Os adultos não podem acreditar em espírito de natal, nem em fadinhas e nem em magia.

A menina arregalou os olhinhos em espanto.

— Não podem?

— Por isso ele é mal humorado, por que quer acreditar, mas como adulto não pode – Malvina disse apontando para Nicolas.

— Não sou mal-humorado – ele tentou se defender, mas o tom irritadiço não ajudou.

— Tadinho dele – a menina disse o olhando com...

Pena? Ele estava recebendo piedade de uma criança que não devia ter nem seis anos? Ele bufou e cruzou os braços, fazendo Malvina rir enquanto se aproximava dele. O sorriso dela o desarmou de sua postura rabugenta.

— Roberto. Senhora Ekher. Sua agenda. Devolver Lídia. Mais alguma coisa?

Ele diminuiu a distancia entre eles e enlaçou a cintura dela com um braço grudando seus corpos, tocou o rosto dela com o dorso da mão e tomou seus lábios em um beijo demorado. Não devia. Não podia. Mas precisava e queria senti-la. A necessidade de tê-la era mais forte que sua determinação em não misturar as coisas. Ela os interrompeu, confusa, agitada.

— Roberto – ela balbuciou se afastando – Eu preciso falar com ele.

Nicolas se fechou em sua sala. O que tinha feito? Por quê? Perguntas retóricas por que ele sabia bem a razão de agir daquele modo com ela. O que queria compreender era a reação dela. No seu apartamento alguns dias antes ela não hesitou nem se constrangeu pela intimidade que desfrutaram. Timidez? Não, Malvina parecia ser mais taciturna e reservada do que tímida. Então por que fugiu dele? Aguardou que ela viesse a sua sala para repassarem a agenda, contudo quem bateu na sua porta e entrou quando ele mandou, foi Fernanda.

— Onde está a Malvina? – quis saber ao ver a agenda eletrônica na mão dela.

— Com Roberto.

Travou a mandíbula. Roberto. Talvez sua conclusão sobre o que havia entre os dois estivesse errada. O que seu advogado tinha que ele não tinha? Nicolas era jovem, bonito, rico e inteligente. E Roberto? Era um pouco mais velho, inteligente, paciente e divertido. A droga do advogado era um cara legal e não se podia negar isso. Será que era isso que atraia Malvina? Ela deixou claro que o mau humor incomodava, ele não era o que aparentava. Ela tinha que conhecê-lo melhor.

As horas foram passando e para demonstrar que ele não tinha poder nenhum sobre Sônia que tomou posse de sua secretária tendo a cara de pau de lhe mandar só uma mensagem dizendo que se precisasse de algo falasse com Fernanda. Ele se incomodou com o fato, mas era preferível saber que Sônia estava enchendo Malvina de trabalho do que imaginar o que ela e Roberto faziam tanto tempo trancados na sala dele. O telefone tocou:

— Estou ouvindo.

— Nick a senhora Wilhelm-Kohl está na linha quatro.

Agnes Kohl era a presidenta de uma das editoras mais importantes da Alemanha, e no momento estava falando tão rápido e num tom ríspido que estava difícil para Nicolas acompanhar, ainda mais quando ela misturava inglês com alemão. No fim a conversa foi um monologo da mulher que exigiu fechar parceria com a produtora que ela escolheu e não com nenhuma que tivesse sido indicado por outra pessoa, do contrário ela mudava de contador mesmo que tivesse que arcar com os altos custos da multa de rescisão.

Essa era uma ameaça perigosa. O mercado editorial brasileiro estava em ascensão e sua firma tinha sido contratada para cuidar da gestão financeira da filial brasileira da editora. Perder o contrato por causa do capricho daquela mulher estava fora de questão. É claro que era muito mais vantajoso para ele se conseguisse contrato com a corporação de seu amigo. Depois de garantir para a alemã que ia cumprir com sua exigência, foi falar com Roberto.

A menina Lídia ainda estava sentada na cadeira de Malvina, brincava com aquela esfera colorida com demasiada atenção. O que os pais davam para aquela criança? Crianças não ficavam sentadas e comportadas. Aproximou da mesa de Fernanda.

— Marque uma reunião para hoje com João Moreno e Paola Stanley, da G. Brasil e com Tadeu Leoni, o representante corporativo da WK.

— Sim senhor.

— Notícias de Sônia?

— Nenhuma, ainda. Quer que eu ligue para ela?

— Não.

Entrou na sala de Roberto, depois de bater, sem esperar pela permissão. O advogado estava com a cabeça baixa, lendo os documentos na sua mesa. Ele apenas ergueu a cabeça antes de voltar a atenção para o trabalho.

— Estou ocupado.

— Ainda nem falei nada – disse se sentando – No que está trabalhando?

— Em tudo o que Ulisses deixou inacabado e que você passou para Sônia resolver. Aliás, quando vai contratar outro contador?

— Ainda não pensei nisso.

— Sugiro que comece a pensar, Sônia está sobrecarregada o que a deixa agressiva e eu não sou contador.

Ele arqueou a sobrancelha e pegou uma das pastas, começando a ler. A parte burocrática do trabalho era a que o incomodava.

— O que está acontecendo hoje? Sônia sequestrou Malvina, tem uma criança estranha no lugar dela e você está irritadiço. Aliás, por que Sônia não levou Fernanda com ela?

— Por que Nanda é eficiente o bastante para fazer o trabalho dela e de Malvina.

— Está dizendo que minha secretária é inútil?

— Estou dizendo que Malvina é ineficaz. Ela é organizada e competente, mas não é secretária.

Ah! É. Malvina só estava substituindo Elle, assim que a licença da outra acabasse ela ia embora. De repente ele se empolgou. Isso era ótimo. Eles podiam curtir aquilo que tinham e depois cada um seguia seu caminho. Não precisava durar para sempre, só o necessário para se tornar desgastado. Sorriu para si mesmo e voltou à atenção no trabalho... Ulisses era bem desorganizado.

As vozes alteradas dispersou a concentração deles. Ambos foram ver o que estava acontecendo. A bandeja de café que Roberto tinha pedido estava no chão, Pérola e Fernanda discutiam.

— O que está acontecendo aqui?

— Esse monstrinho derrubou tudo e ainda quebrou meu IPhone, Nick – Pérola choramingou mostrando o aparelho com tela trincada, enquanto fazia um biquinho nada fofo para sua idade.

Fernanda que estava com a menina no colo, revirou os olhos.

— Isso aqui não é circo não, Pérola, lugar de equilibrista é no picadeiro e não no escritório.

— Equilibrista? – Roberto questionou confuso.

— Ela estava segurando a bandeja com uma mão, enquanto mandava mensagem com a outra, em cima desse salto exagerado com as pernas presas nesse pedaço de pano que chama de saia. Se olhasse para onde anda não teria derrubado as coisas.

— Esse monstrinho que você está segurando me derrubou com aquela bola – apontou para a esfera enorme e colorida que tinha rolado para perto da porta da sala de Sônia.

— Se chama-la de monstrinho outra vez eu te faço engolir essas unhas postiças.

— Caladas! – Nicolas ordenou – Pérola limpe isso e volte para seu lugar. Fernanda...

— Eu não sou faxineira – Pérola o interrompeu furiosa.

— Você sujou você limpa.

— Ela jogou aquela bola em mim, Nick – voltou a choramingar – E quebrou meu IPhone.

— Sério? Todo esse escândalo só por causa de um celular? – Roberto que distraia Lídia chamou a atenção da conversa.

— Um celular? – Pérola parecia chocada – É um IPhone. Você sabe quanto custa um IPhone?

— Custa bem mais do que minha paciência para os chiliques de uma...

Nicolas não entendeu o que ela disse por que era num idioma diferente dos poucos que ele conhecia. Todos os outros olharam para Malvina que tinha se aproximado com Sônia e um homem de terno claro. Como é que ninguém os notou ali? A menina se agitou no colo de Fernanda que a colocou no chão, ela correu para o homem o chamando de papai. Ele perguntou se ela estava bem, antes de dar uma bronca por ela sair de perto dele.

— Desculpe pelo transtorno, moça – ele disse e sorriu para Pérola – Irei reembolsá-la pelo seu IPhone.

Pérola o avaliou de baixo a cima e deu um sorriso malicioso que fez Malvina grunhir e se mover na direção de sua mesa, mas parou quando foi chamada pelo pai de Lídia que soou constrangido:

— Malvina. Obrigado por cuidar de minha filha.

— Quem cuidou dela foi Fernanda eu só fiz o favor de tirá-la do caminho de quem realmente podia machuca-la. E não fui obrigada, fiz por que eu quis – falou num tom seco sem olhar para ele, depois voltou a andar com passos firmes.


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