Eu não sou Nikiya escrita por Nim


Capítulo 1
Capítulo Único




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Talvez a parte mais difícil de performar em La Bayadère fosse incorporar as feições de profundo dissabor de Nikiya ao ver seu amado, Solor, encantando com a beleza onírica de Gamzatti e, na linha tênue entre a vida a morte, ela deixou escapar a vida por entre seus dedos.

De uma história que me parecia impalpável, Nikiya era uma bailarina do templo que se embeveceu com a postura do guerreiro Solor e, escondidos sob a penumbra, trocavam declarações de um amor proibido. No entanto, a relação que parecia inextricável entrava em confronto quando o sacerdote Brâmene propôs Nikiya em casamento; afundando-se no desespero de perder seu amado, ela decide fugir com Solor, porém, após Rajá oferecer a mão de sua filha, Gramzatti, o guerreiro decide consumar o casamento.

Mantendo a sequência das cenas, sentia meus músculos retesados pedirem por um descanso ao dar continuidade na atuação da morte de Nikiya durante o casamento. Com a ordem de Rajá em dançar em companhia às demais bailadeiras, a protagonista é surpreendida ao oferecerem uma cesta de flores para ela, que presume ser um presente de Solar.

Grande tola.

Com uma serpente colocada em meio às flores por Gramzatti e por Rojá, Nikiya é mordida. Em seguida, o sacerdote Brâmene diz ter o antídoto entre suas mãos e se disponibiliza a ajudá-la com uma condição: Nikiya deveria se casar com ele.

Grande tolo.

 Ela jamais aceitaria um amor tão superficial e ilusório, portanto, ao ver Solor e Gamzatti juntos, Nikiya decide optar pela morte.

Mesmo mascarando minha decepção com a escolha da protagonista, não havia muito o que ser feito: eu deveria prosseguir com o roteiro proposto e, mergulhando-me em minhas maiores consternações, moldava meu corpo ao compasso da música.

Com pesar embutido em meus olhos, eu deveria mirar o rosto de Solor em uma despedida, entretanto, sempre me direcionava para Gamzatti, cuja postura pernóstica atingia meu âmago mais profundo conforme tentava desviar minha atenção de sua imagem devaneadora.

Meu coração estava descompassado quando o sorriso escarnecido de Laura foi direcionado a mim em um teatro. Seus traços diáfanos divergiam de sua personagem, ela não tinha qualquer resquício de malícia em sua personalidade, contudo, vestindo-se de Gamzatti, Laura prendia completamente minha concentração.

Após finalizar o grand jeté en tournant, escutei o som do piano se cessar e um suspiro pesaroso moldar os lábios de meu professor, que se levantou repentinamente e me encarou, depositando suas maiores frustrações através do seu fechar de olhos.

— Quem Nikiya ama? — Indagou-me e aprumei a musculatura das minhas costas.

— Solor? — Respondi por meio de uma pergunta ao limpar o suor da testa e respirei profundamente, tentando capturar o máximo de oxigênio que conseguia.

— Então, por que você só olha para a Laura? — Ao rabo dos olhos, observei a bailarina pender a cabeça para o lado em uma tentativa de compreender as palavras do mestre. — Se esqueceu que Solor é o Arthur? — Apontou para o rapaz ao lado de Laura. Risadas baixas suscitaram na sala de ensaio e mordi o lábio inferior, reprimindo minha incredulidade. — Acho que todos estão cansados. Intervalo de quinze minutos. E, você, por favor, tente se apaixonar pelo Solor o mais rápido que conseguir.

Pouco a pouco, o ambiente se encontrava quase inabitado, exceto pela pianista e por mim. Absorta em bucólicas meditações, demorei para perceber que ela recolhia suas partituras ao passo de que se retirava para o corredor da companhia.

— Solor não é o amor verdadeiro de sua Nikiya. — Ponderou em um sorriso benévolo e, em seguida, deixou-me sozinha na sala.

 Deitando-me no chão álgido, ri através de um sopro descrente: a pianista não estava nem um pouco errada. Ao contrário de Nikiya, eu queria o amor de Gamzatti.


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