A Última Chance escrita por Caroline Oliveira


Capítulo 30
Aslam nos ouviu


Notas iniciais do capítulo

Oii gente! Desculpem, atrasei um dia na postagem! Semana passada foi osso, hein? Postei o mesmo capítulo duas vezes sem querer e nem tive tempo de revisá-lo, acho que não ficou exatamente do jeito que eu queria, por isso quis escrever esse com mais calma, espero que gostem!



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Caspian X

Os soldados calormanos nos perseguiam com destreza pelos trechos do desfiladeiro, que ficavam cada vez mais estreitos e acidentados, dificultando nosso progresso. O sol escaldante acima de nós era praticamente ignorado ao passo que o vento contra nós parecia nos atrasar ainda mais rumo ao salvamento de nossas vidas.

A corrida me fez esquecer a dor proveniente do ferimento na perna, porém todo aquele esforço a fazia voltar gradativamente e alcançar níveis piores que os anteriores. Susana corria diante de mim, saltando as pedras no caminho, desviando dos desníveis.

Arrisquei olhar para trás algumas vezes e tive a impressão de ver algo estranho nos olhos dos soldados, algo como uma chama azul gélida que deixava um rastro sinistro enquanto eles tentavam nos alcançar. Não tinha tempo para avaliar do que se tratava, todavia.

— Caspian, o caminho está acabando! - Susana avisou em um brado, sua voz temerosa.

— O quê? - Era mais surpresa e desespero que falta de audição.

— A trilha pelas rochas! - Explicou - Não vamos conseguir continuar!

Olhei por cima do seu ombro para o percurso adiante e consegui observar a falha no desfiladeiro. Não era como se parte das rochas que formavam o percurso tivesse deslizado, era literalmente o fim do percurso.

Susana parou um pouco antes, pedregulhos caindo rio abaixo. Parei atrás dela, quase chocando meu corpo contra o seu e ela se virou para mim. Uma troca de olhar foi suficiente para voltarmos nossos rostos aos que nos perseguiam, avaliando o quão próximos estavam de nós.

— Preciso ganhar tempo! - Susana anunciou, passando por mim com dificuldade pelo espaço estreito.

Ela armou o arco com a flecha e atirou contra os calormanos. Estavam muito perto, mas Susana conseguiu atrasá-los: o primeiro caiu sobre os que vinham atrás, atrapalhando seu avanço; o segundo caiu do desfiladeiro rumo às águas do rio e tive a impressão de ver sangue jorrar, provavelmente seu corpo contra alguma rocha.

Foi animador por um instante assistir à destreza com a qual Susana os atacava, porém nossa alegria não durou muito tempo. Eles eram muitos e estavam perto demais. Não estávamos em condições de lutar e não havia sequer espaço para isso.

— Não vamos conseguir derrotá-los sozinhos! - Susana adivinhou meus pensamentos. - O que vamos fazer?

Susana deu um passo para trás quando os homens de Ahadash enfim nos alcançaram, as espadas em riste. Saquei a espada de Pedro da bainha e a apontei para eles. Seus olhos realmente estavam embranquecidos, algo como uma luz gélida azulada os preenchiam, pareciam não serem mais donos de si.

— Rendam-se! - O primeiro deles ordenou - Não há escapatória!

Eu precisava pensar rápido. Aslam nos enviou ao rio, disse que estaria conosco e que nosso êxito na busca pela lança seria decisivo na vitória sobre Cietriz e Jadis. Não poderíamos permitir que nos capturassem.

— Não podemos lutar, nem nos entregar - Susana sussurrou para mim.

A insanidade tomou conta dos meus pensamentos, mas era nossa única chance. Que Aslam nos protegesse!

— Gosta de nadar? - Indaguei ainda fitando os soldados à espera de seu ataque.

— Não está pensando no que eu estou pensando, está? - Susana franziu o cenho, o receio tomando sua expressão.

— Tem uma ideia melhor? - Perguntei.

Ela enfim encarou meus olhos e aquela foi a sua confirmação. Em uma fração de segundos, Susana passou o arco para uma das mãos e eu deixei de segurar a espada com as duas mãos.

Tentei não pensar muito quando a estrutura sedimentar das rochas do desfiladeiro deixaram de estar sob meus pés. Susana gritou ao pular, a altura era realmente assustadora e eu ainda ouvi um dos soldados protestar com um “não” esganiçado.

Susana Pevensie

O vento fazia resistência à nossa queda livre, a gravidade impiedosa nos empurrando cada vez mais rápido contra as águas do rio Flecha Sinuosa, cujas águas azul-esverdeadas corriam rapidamente pelo curso entre as rochas.

Juntei as pernas e estiquei os braços para frente a fim de abrir caminho para entrar na água sem que o impacto fizesse tanto estrago contra meu corpo já ferido. A água estava gelada, fresca em contraste ao calor que a iminência do Grande Deserto já inferia. A correnteza foi cruel, nos arrastando rapidamente até que conseguíssemos chegar à superfície e respirar ar puro.

A sensação de alívio por ainda estar viva e poder respirar era incomparável, mas precisava me segurar em alguma rocha antes de sucumbir à correnteza e morrer afogada.

— Susana! - Caspian gritou, tentando nadar até mim.

— Caspian! - Respondi, esforçando-me para chegar a ele, sem sucesso.

Eu estava mais à sua frente, o rio me levando rumo à foz com velocidade impetuosa. Fui submersa algumas vezes e a tensão respiratória só me fazia ficar mais nervosa.

Em uma das vezes que consegui voltar à superfície, consegui visualizar uma rocha que saía de dentro da água e vi nela minha oportunidade de ancorar. O rio me jogou contra ela sem piedade, arrancando-me um arfar com ruído vergonhoso.

Caspian conseguiu se segurar na mesma rocha, cuja superfície era áspera, desgastada pelas pancadas sucessivas de água.

— Precisamos sair da água! - Ele disse contra o som produzido pelo rio. Ambos ofegamos e senti a ferida do lado do corpo voltar a incomodar.

— Como? A correnteza vai nos jogar na foz, isso se sobrevivermos até lá! - A força daquele rio era inigualável. Apesar de estar à beira do deserto, estava longe de ser mirrado, ou calmo. Era caudaloso, perigoso.

Olhei para o desfiladeiro. Os soldados calormanos haviam desistido de nos perseguir, provavelmente certo de que morreríamos. Eu podia vê-los retornar pelo mesmo caminho, os uniformes terracota com couraças marrons claras sibilando na imagem contra o sol escaldante.

— Quem está ali? - Indagou Caspian e quando dirigi a ele um cenho franzido em pura indagação, ele indicou com o queixo o lado oposto à margem cujo lado eu estava olhando.

Com cuidado para não me desprender da rocha, passei um pouco para o lado e pude ver a figura quase elementar à beira do rio. Seus pés descalços tocavam as águas. Era uma figura feminina.

A pele era branca e levemente rosada, os cabelos loiros e muito cacheados eram longos, quase alcançavam os joelhos. A saia do vestido verde-água tinha faixas de tecido branco e assemelhava-se a uma túnica feminina grega, ou egípcia.

As águas ao nosso redor pareceram se acalmar, a correnteza pareceu diminuir. Caspian e eu nos entreolhamos e quando voltamos a olhar para a margem, a moça ainda estava lá. Nos esperando.

— Acha que é…? - Comecei.

— Tudo leva a crer que é… 

— Venham, queridos! - A voz delicada da moça nos convidou. Por um momento, lembrei-me de Liliandil, de sua doçura e gentileza naturais, expressas nas mínimas palavras - Percorreram um longo percurso para morrerem afogados!

Passamos a nadar em direção à margem. O rio ainda tinha sua força, porém parecia conter-se para evitar nos machucar.

A sensação de sair da água com roupas pesadas que certamente não foram feitas para um mergulho é bastante constrangedor, além de muito desconfortável e difícil. É como se os tecidos nos puxassem de volta para a água, como se dentro dela a gravidade descansasse um pouco para que as roupas fluíssem sem peso.

Espremi a barra do vestido e me vi a ponto de arrancar as botas fora e jogá-las para bem longe.

— Você está bem? - Senti a mão de Caspian em minhas costas, o toque e a voz preocupados e gentis.

— Estou - Assenti com um sorriso agradecido - E você?

Ele assentiu em resposta.

— Fico feliz em ver que apesar de terem se passado séculos, o amor continue a conservar sua forma inigualável de zelo e cumplicidade - A voz calma da figura loira que mais parecia uma náiade se pronunciou.

— Você é…? - Comecei de novo, as palavras agarrando-se à garganta com a hesitação.

— Sou conhecida em Nárnia como Cisne Branco - Revelou.

 

Liliandil, a estrela

Tentei me aproximar das feiticeiras, que conversavam no pátio em uma espécie de amizade competitiva. Elas dialogavam como amigas, eram cúmplices em seus planos malignos, mas havia algo soberbo na forma que falavam, como se estivessem em competição a cada frase, uma tentando se sobressair acima da outra.

Alguns soldados moviam os grandes vasos de barro que adornavam o pátio do jardim, era preciso de três a quatro homens para tirá-los do chão e carregá-los para a periferia. Esgueirei-me pelas colunas e passei despercebida por detrás dos vasos carregados, conseguindo alcançar uma mesa larga e alta com uma planta alta no centro, estátuas das divindades calormanas e outros objetos de prata e bronze. A mesa era coberta por uma toalha comprida que me dava cobertura para ouvir melhor as feiticeiras.

A mulher que devia ser Cietriz era quem falava.

— … forças aos soldados! Me dará mais poder sobre os soldados mortos e sobre a seca em Nárnia. Não quer destruí-la?

— Claro que quero. - Respondeu Jadis. Era arrepiante estar diante de uma figura terrivelmente lendária da história de Nárnia. Sua presença gélida ameaçava corroer meus ossos e senti a luz que eu emanava querer se acentuar, porém a controlei para que não denunciasse a minha presença - Nada me satisfará mais que ver a terra que aquele Leão irritante tanto defende definhar sem que ele possa impedir. Anos e anos trazendo filhos de Adão daquele mundo para ajudar seu povo inútil, enganando a mim com sua maldita magia profunda! Quero a terra devastada e o Leão morto de uma vez por todas!

A falta de reverência e pudor na voz de Jadis certamente demonstrava que seu desejo de vingança sobrepujava o possível aprendizado que deveria ter adquirido ao ter sido derrotada um dia.

— Tash é a peça que falta para nos garantir a vitória! - E Cietriz a estimulava. Eu julguei que pudesse ser uma mulher de aparência mais madura, porém ela não passava de uma jovem adulta. Apesar da pintura pesada no rosto para o provável ritual que logo aconteceria, ainda percebia os traços de uma garota que foi ensinada a conquistar tudo através da sedução e do prazer e a tirar do caminho qualquer um que se pusesse nele. - Enquanto eu organizo o altar, por que não vai tripudiar um pouco da nossa oferenda? Certeza de que está se sentindo solitário.

Um arrepio gélido percorreu desde minha nuca até o fim das minhas costas com a menção à “oferenda”. Ouvir o desdém na voz da serpente do deserto me fez temer as condições em que Edmundo se encontrava e lágrimas ameaçaram se acumular nos meus olhos.

Ao ver, entretanto, o sorriso cruel de Jadis, tive uma ideia. Aquela era a oportunidade perfeita de encontrar Edmundo e a feiticeira branca seria a pessoa que me levaria até ele.

— Ei, quem é… - Um soldado me abordou pelas costas e por reflexo, fiz um movimento cortante com uma das mãos, lançando um feitiço para dormir. Ele caiu duro no chão como quem desmaia e eu apertei os olhos, temendo que o som de sua queda pudesse me denunciar.

— O que foi, Urian? - Outro soldado exclamou.

Minha respiração acelerou ainda mais. Precisava pensar rápido.

Fiz um movimento cruzado com as mãos e retornei à minha forma de estrela. Flutuei para debaixo da mesa e diminuí ao máximo a luminosidade, implorando a Aslam que os fizesse cegos diante de mim.

— Urian? - O soldado se aproximou e pude ver suas botas pela fresta que a toalha deixava. - O que foi, homem?!

O soldado estava me atrasando. Não podia perder Jadis, não agora que ela iria me levar a Edmundo.

 

Edmundo Pevensie

Eu estava à beira da morte.

Podia senti-la chegar, assentar-se numa poltrona ao lado da minha esteira, pegar uma xícara de chá e bebericar seu conteúdo enquanto aguardava que eu lhe entregasse o meu espírito.

Era uma espectadora paciente.

Não tinha ciência da razão pela qual eu ainda não tinha ido para o país de Aslam. Cheguei a me lembrar de Ripchip com seu pequeno barquinho remando sobre o paredão de ondas até a terra perfeita em que choro, tristeza ou dor simplesmente não existem. Por um momento, desejei estar lá.

Minha realidade era péssima. Meu estado era deplorável, desesperador, deprimente e outra série de “D”s que pudesse explicar como eu me encontrava. Eu alternava entre a consciência e a inconsciência, entre febre, calafrios, dor, anestesia, suor, frio, lágrimas, gritos, gemidos e simplesmente não morria.

Havia manchado toda a esteira com sangue e rastros do veneno da serpente do deserto. Cheguei a me questionar se aquilo realmente havia acontecido, ou teria sido um completo delírio, como tantos outros que eu havia tido desde que a cobra havia inoculado seu veneno.

Não sentia fome, não sentia sede, estava completamente sozinho. A não ser que alguma das feiticeiras tivesse vindo enquanto eu estivesse desmaiado ou delirante, ninguém havia vindo na cela. Até aquele momento.

A cela tinha uma porta, que tinha uma janelinha aberta da direita para a esquerda. Jadis fitava meu corpo semimorto com desdém e satisfação, contente em me ver daquela forma, apesar do asco da minha miséria. Ela não podia entrar: a serpente do deserto lançou um feitiço para me aprisionar ali dentro e somente ela o poderia desfazer.

— Sabe, isso me lembra quando tranquei você no meu calabouço - Comentou ela. Meus olhos estavam pesados, portanto eu mal a via e suspeitava que o veneno tivesse algum efeito sobre a minha visão  - Havia ordenado que me trouxesse seus irmãos e você falhou. E então resolveu fazer amizade com o fauno, qual o nome dele mesmo? Tumnus! Logo ele a quem você entregou de bandeja para mim. E na tentativa de salvá-lo, o tornou inútil para mim e o entregou para a morte.

— Acha que... v-vai me fazer sentir... c-culpado pelos pecados que... A-Aslam já perdoou? - Minha voz era um sussurro e chegava a me atordoar com a dificuldade de fala, a voz vacilante. - V-você se apega… as lemb-branças do passado para… conv-vencer a si mesma de que… pode vencer…

— Cale a maldita boca! - Ordenou. Pude sentir seu olhar cruel sobre mim, era capaz de imaginar o desejo de matar em suas íris cor de esmeralda.- Se Cietriz não tivesse tido essa ideia idiota de sacrificar você a Tash, eu já o teria matado!

Em outro momento eu teria ficado alarmado. Morrer por Nárnia seria uma honra, mas ser morto em sacrifício a Tash estava completamente fora de questão. Se bem que eu não estava em condições de resistir.

— A-Aslam não p-permitirá! - Minha voz soou mais forte daquela vez, apesar da rouquidão e da gagueira. 

— Aslam não tem poder aqui! - Retrucou e seu brado fez minha cabeça latejar, a enxaqueca-fiel-companheira sempre dando sinal de vida. - Essa é a última vez que ouvirá a voz de alguém antes da sua morte vergonhosa, Edmundo! Você teria sido um rei perfeito se tivesse ficado ao meu lado.

— V-você teria me m-matado d-da mesma maneira! - Rebati. Suas investidas eram inúteis contra mim, eu havia aprendido a lição. Fui enganado uma vez e quase caí nas lembranças de suas mentiras na Ilha Negra, mas não seria ludibriado de novo. - Desista, Jadis - Agradeci a Aslam por não me permitir gaguejar naquele momento - Eu mudei.

Senti que ficou afetada ao ouvir pronunciarem seu nome diretamente, seu silêncio era evidência suficiente. O ruído da janelinha se fechando soou.

Eu sequer tinha conteúdo estomacal para colocar para fora, não comia havia sei lá quanto tempo, porém a ânsia de vômito não me abandonava e fazia meu abdômen se contorcer violentamente.

Voltei a sentir frio, senti as pernas tremerem e voltei a chorar.

Aslam, se estiver ouvindo, me envie socorro! E se for para que eu morra, não permita que seja na mesa de sacrifício dos calormanos!

Liliandil, a estrela

Ouvir a voz de Edmundo era ao mesmo tempo reconfortante e angustiante. Reconfortante por saber que ele ainda estava vivo, que ainda dava tempo de salvá-lo, que Aslam havia ouvido minha súplica.

Estava na minha forma de estrela, escondida em uma falha de tamanho razoável em uma das paredes de pedra do calabouço. Havia criado uma distração para fugir do guarda no pátio, fazendo objetos caírem em outra direção e o distraindo para que eu pudesse seguir a feiticeira. Ouvia a conversa de Jadis e Edmundo, em que ela tripudiava da ingenuidade dele na primeira vez em que veio a Nárnia e ele a enganou.

Não pude evitar um arfar aliviado quando a feiticeira finalmente saiu da cela, mais irritada do que tinha entrado. Apesar da voz fraca e vacilante, a coragem e fé de Edmundo se expressaram em cada sílaba pronunciada e eu não poderia estar mais orgulhosa dele.

Deixei alguns segundos se passarem para ter certeza de que poderia tirar Edmundo da cela em segurança. Foi quando o ouvi vomitar. E chorar. E implorar a Aslam que o salvasse.

Engoli as lágrimas que vieram diante de seu sofrimento e flutuei pela cela. Sua porta e parede estavam revestidas de um feitiço recente, invisível aos olhos humanos. Impediam o avanço de qualquer um contra a cela e ainda que derrubassem as paredes e quebrassem a porta, a barreira continuaria lá.

Minha luz brilhou ainda mais forte, o branco central circundado pela aura azul que me concedera a minha alcunha. Avancei contra a barreira e senti sua resistência. Não desisti, forçando minha passagem devagar, firme, constante, até que quando dei por mim, já estava dentro da cela.

— Edmundo! - A voz embargada denunciava a minha preocupação. Voltei à minha forma humana e corri até ele, jogando os joelhos contra o chão.

Havia sangue no chão ao seu redor. Ele estava de bruços e suas costas detinham um ferimento enorme cujo sangue estava manchado de preto, como os rastros de um veneno. Edmundo tremia e suava e agonizava.

— Edmundo, sou eu, Liliandil! - Chamei, sacudindo seu braço. Com a maior delicadeza que pude, virei seu corpo de frente para mim.

Tirei seus cabelos colados da testa e toquei o seu rosto, sentindo toda a angústia pela qual ele estava passando. Ele sentiu o toque e abriu os olhos devagar, atordoado.

— Vamos lá, Edmundo, resista! - Minha voz não passou de um sussurro, as lágrimas tomando meu rosto. Recordei o frasco de suco da flor de fogo de Lúcia e o fiz ficar visível em minhas mãos. Em questão de segundos retirei sua tampa e apertei as bochechas de Edmundo, pegando seu rosto pelo queixo para que ele abrisse a boca. Não deixei de notar um corte em seu lábio. - O que fizeram com você? - Voltei a tocar o seu rosto, chorando ainda mais.

Pisquei um par de vezes. A pele ao redor do corte em seu lábio começou a convergir em direção ao centro do corte e quando as “paredes” se encontraram, o corte se fechou. Em poucos segundos, a vermelhidão e o inchaço se foram.

Suas bochechas pálidas assumiram a coloração normal e ele parou de tremer.

— Hmm - Ele esboçou, piscando algumas vezes também, tomando consciência do ambiente em que estava. - Liliandil? - Seus olhos castanhos encontraram os meus, o único dos irmãos Pevensie que não tinha olhos azuis. Seu castanho era levemente dourado, algo que me lembrava a madeira dos troncos das árvores frondosas de Nárnia e o entardecer do sol do sul.

Ele se levantou em um rompante e eu lhe dei espaço. Edmundo fitou uma das mãos e percebi que ali também havia um ferimento anteriormente. Seu próximo reflexo foi tocar as costas, também saradas. Seu corpo estava curado, livre do veneno, das chagas, do sangue e da dor.

Edmundo me puxou para um abraço apertado e eu permiti que minhas lágrimas e meu soluços tomassem conta de mim. Ele também chorou.

— Aslam me ouviu, Lilian - Confessou ele, a voz embargada da emoção de perceber que tinha sido salvo. - Ele me ouviu.

— Ele me ouviu também - Falei - Me perdoe. Me perdoe por não ter vindo antes, me perdoe por ter deixado que isso acontecesse com você.

Edmundo interrompeu o nosso abraço e tocou meu rosto para limpar as minhas lágrimas.

— Você não tem culpa de nada.

— Se eu tivesse recuperado os meus poderes antes…

— Você conseguiu? - Seus olhos se arregalaram levemente e um sorriso brotou em seu rosto, o sorriso que eu imaginei que jamais retornaria a ver. Assenti para ele e seu sorriso se alargou ainda mais.

— Mas se eu tivesse conseguido antes, você não teria…

—  O que importa é que você está aqui e eu estou vivo - A intensidade de suas palavras me provocou um arrepio. Senti as bochechas ruborizarem ao me dar conta se suas mãos no meu rosto, seu rosto tão perto - Você me salvou - Ofereci um sorriso a ele - Eu pensei que nunca voltaria a vê-la. Que nunca mais contemplaria sua beleza, observaria seus olhos, que nunca mais ouviria sua voz melodiosa, gentil… e que nunca teria a oportunidade de lhe dizer o que sinto.

Meus lábios se entreabriram e me peguei sentindo um nervosismo ímpar. Sentia medo de suas próximas palavras, ao mesmo tempo que ansiava por ouvi-las.

— O que quer dizer? - Hesitei.

— Eu me apaixonei por você, Liliandil - Senti minhas sobrancelhas se erguerem diante de suas palavras. A pele de suas bochechas ficaram levemente coradas e ele ainda mantinha as mãos em meu rosto enquanto falava - Me senti culpado por estar atraído por você enquanto era noiva de Caspian, eu o considero um irmão. Mas não pude deixar de me sentir aliviado quando romperam seu compromisso. Estava feliz por Susana, obviamente, mas não posso negar que era você quem eu queria ver livre do noivado. As coisas se atropelaram, seu pai retirou os seus poderes, Nárnia se afundou na seca, mas… meu desejo por amá-la continua firme no meu coração.

Ele finalizou sua declaração e eu senti mais lágrimas despontarem dos meus olhos, lágrimas de alívio, lágrimas de alegria. Edmundo esperava a minha resposta, mas eu sequer sabia por onde começar.

Acho que pelo mais óbvio.

— Eu também me apaixonei por você - Confessei por fim, fechando os olhos ao sentir as palavras deslizarem da minha boca. - Estive tão confusa a respeito do que eu sentia, isso tudo é novo para mim. A única coisa que sei é que não suportaria perder você. - Toquei sua mão sobre meu rosto - Não sabe o quanto senti falta de olhar nos seus olhos, sentir o seu carinho e o seu cuidado, nunca desistiu de mim. - Edmundo também deixou lágrimas caírem - Eu amo você como jamais imaginei que pudesse amar.

Edmundo afagou meu rosto com os polegares e elevou seu rosto para minha testa a fim de beijá-la. Fechei os olhos com seu toque, sentindo seus lábios macios contra minha pele. Ele beijou minha bochecha em seguida e senti sua respiração contra o meu rosto.

Sabia o que viria a seguir e estava morrendo de medo. Em aproximadamente um ano de compromisso, Caspian e eu jamais tivemos um momento tão íntimo. Éramos bons amigos e talvez a nossa cumplicidade tivesse sido o pilar do nosso possível casamento, porém não havia amor ou desejo ali. Com Edmundo era diferente. Eu desejava beijá-lo, apesar de não fazer ideia de como fazê-lo.

Os olhos de Edmundo fitaram os meus tão intensamente que quase me perdi neles. Senti seu rosto se aproximar e me deixei levar por seus lábios em um beijo terno, casto, delicado, cheio de uma nova emoção.

Não poderia descrever a sensação de ter um amor correspondido. Havia lido alguns livros, tentado entender a emoção humana de plena satisfação ao saber que seu amado correspondia a seus sentimentos. Nada podia descrever aquilo com exatidão.


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Notas finais do capítulo

Geente eai, o que acharam??? Teve gente me perguntando do Edmundo nos últimos capítulos e aí está a resposta, o tadinho estava a beira da morte! Ainda bem que a Liliandil conseguiu salvar a vida dele, né?
Suspian promete no próximo, hein? O encontro com Cisne Branco selará não só o destino de Nárnia a respeito da lança de água, mas também a jornada dos dois como casal! Não percam!
Vejo vocês nos comentários, não esqueçam de me dizer o que acharam!



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