Cappuccino escrita por Ariie Havik


Capítulo 1
O cliente misterioso


Notas iniciais do capítulo

Foi escrito com muito carinho, espero que gostem!



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Era mais um dia como um outro qualquer.

Eu acordei atrasado como sempre, com o despertador do meu celular gritando uma música do Muse em meus ouvidos. Levantei num pulo e corri até o banheiro para lavar o meu rosto, e ficar minimamente apresentável para ir ao trabalho. Eu não podia chegar tarde de novo, meu chefe fora claro da última vez:

— Um minuto atrasado e você está fora. – repeti em voz alta enquanto olhava meu reflexo no espelho.

Meus olhos cor de âmbar, antes vívidos, agora apresentavam olheiras que denunciavam as recentes noites mal dormidas. Meus cabelos ruivos, que sempre mantive compridos, estavam muito mais longos que o normal, e precisavam urgentemente de um corte, mas isso não era prioridade no momento. Então, apenas os prendi de qualquer jeito em um coque alto.

— Ok, Derick. Temos que ser rápidos. – falei para mim mesmo – O banho vai ter que ficar para outra hora.

Estar atrasado era uma desculpa convincente para não tomar banho, no entanto, o frio daquele outono chuvoso era o real motivo de eu abdicar do banho naquele momento. Meu chuveiro não estava esquentando a água direito e eu, definitivamente, não queria correr o risco de levar um jato de água congelante no meu corpo logo de manhã cedo. Por isso, depois de fazer minha higiene pessoal, tratei de vestir meu uniforme, pegar minha bike e voar para o trabalho.

— Mais 3 minutos e você não seria perdoado.

— Bom dia para você também, Lucien. – eu sorri de canto ao cumprimentar meu colega de trabalho, dando um tapinha em seu ombro antes de correr para bater o ponto.

Ele me seguiu com passos despreocupados.

— Você não está com uma cara boa hoje. Tenho certeza que virou a noite no seu outro trabalho.

— Você não pode falar nada, continua feio como sempre. – impliquei ao passar por ele, bagunçando suas madeixas loiras, antes de ir lavar as mãos e começar a arrumar as coisas para abrir o café.

— Ah, cala a boca, idiota! – ele disse rindo – Eu estou lindo como sempre! Notou que clareei meus cabelos?

— Impossível não notar. Está parecendo uma cacatua platinada. – brinquei. A verdade é que ele estava impecável. Lucien tem uma carinha de anjo com aqueles grandes e expressivos olhos verdes, porém, seu ar maroto e brincalhão indica que de anjo ele só tem mesmo o rosto.

Ele é mais novo que eu, e começou a trabalhar no NeroCoffee 1 ano depois de mim. Além de nós dois, ali naquele pequeno café em uma esquina movimentada de Manhattan trabalham Luke, um garçom de meio período recém contratado e Mike, o gerente carrasco que vive ameaçando me demitir por conta de 5 ou 10 minutos de atraso de vez em quando.

— O Mike já está aí? – questionei enquanto separava os grãos de café do especial do dia, uma receita com chocolate que eu inventara há alguns dias.

— Sim, ele está lá dentro dando um carão no pobre do Luke por ter quebrado aquelas xícaras ontem.

— Coitado. Logo, logo ele vai aprender a não se doer com as implicâncias do boss.— comentei rindo baixinho. Ergui meu olhar para o relógio, percebendo que já era hora de abrir.

Terminei de checar se estava tudo ok naquele espaço clássico e levemente requintado, e então abri a porta, recebendo o primeiro cliente do dia com o sorriso mais cordial do mundo:

— Bom dia, seja bem-vindo ao NeroCoffee, como posso servi-lo?

..........

O dia seguiu normalmente. De manhã, a movimentação grande de sempre e de tarde um movimento um pouco menor. Eu estava distraído terminando de preparar um expresso quando Lucien bateu de leve no meu braço e sussurrou indicando para a porta com a cabeça:

— Olha só quem chegou, nosso cliente misterioso.

Olhei por cima do ombro e vi entrar aquele homem alto e imponente que se tornara assíduo no café há pelos menos 3 semanas, aparecendo todos os dias às 4pm e se sentando sempre na mesma mesa, próxima a janela. Devia ter pouco mais que 30 anos, e tinha um ar sério e contemplativo. Pelo sotaque, dava para ver que não era americano. Se eu fosse chutar uma nacionalidade, diria que é italiano, pois possui aqueles traços fortes e angulosos, além de sobrancelhas expressivas, barba bem-feita e uma postura impecável.

— Está fazendo o quê aqui ainda? Vai lá atender. – disse baixinho a Lucien.

Àquela hora da tarde, Luke já havia ido embora e haviam poucos clientes ali no café. Apenas nós dois conseguíamos dar conta da demanda.

— Eu não, aquele cara me intimida. – ele sussurrou em resposta, antes de sorrir marotamente ao pegar a xícara de expresso da minha mão – Além disso, acho que aquele cara tem algum interesse em você,

— Acho que é você que tem um crush nele e tem vergonha de admitir. – impliquei sorrindo de volta – Esse expresso é na mesa 03.

Dei a volta no balcão, peguei o menu e segui até a mesa dele.

— Boa tarde, senhor! Vai querer o mesmo de sempre? – eu indaguei de forma gentil, recebendo aquele firme olhar aquamarine em resposta.

— Sim, cappuccino sem açúcar e sem chantilly. – disse com um forte sotaque antes de voltar o olhar para a avenida movimentada.

—  Posso sugerir algo diferente, senhor? – questionei, chamando sua atenção novamente – O especial do dia de hoje é um cappuccino feito com grãos de Nápoles e gotas de chocolate suíço.

— Grãos de Nápoles com gotas de chocolate suíço? – perguntou reflexivo ao arquear uma das sobrancelhas – É uma combinação inusitada.

— Eu testei essa combinação, pois imaginei que o sabor cítrico destes grãos combinaria com o doce suave das gotas de chocolate suíço. E modéstia a parte, ficou muito bom. – sorri abertamente e me surpreendi ao receber de voltar um pequeno sorriso.

— Muito bem... Derick – ele leu meu nome no pequeno crachá dourado preso na minha camisa branca e depois me olhou nos olhos – Me traga este cappuccino especial e não me decepcione.

— Pode deixar! – respondi altivo e então voltei ao balcão.

— Ele sorriu para você! – sussurrou Lucien sorrindo enquanto organizava as xícaras do balcão – Qual é o seu segredo? Como consegue conquistar as pessoas desse jeito? Tenho certeza que ele está afim de você.

— Lucien, Lucien... sou irresistível, você sabe. – pisquei para ele de forma divertida, enquanto preparava o pedido – Mas não se iluda, nosso cliente misterioso já é comprometido.

Perante o olhar confuso do meu colega, prossegui:

— Não me diga que não percebeu a aliança de noivado dele. Logo você que sempre foi tão atento a essas coisas.

Percebi que ele analisou o italiano discretamente antes de me responder.

 - Não sou tão infalível quanto você pensa. – ele deu de ombros – Por quê será que ele vem aqui todo dia para te ver se ele já é comprometido?

 - Quem disse que ele vem aqui para me ver? – neguei com a cabeça sorrindo enquanto jogava as gotas de chocolate suíço na xícara – Até onde eu sei, ele vem aqui para tomar um cappuccino sem açúcar e sem chantilly, e ficar olhando para o movimento da rua. Apesar de ser um cara bonitão, ele tem hábitos de um senhor de 75 anos.

  Lucien deixou escapar uma risada alta, chamando a atenção dos poucos clientes que haviam ali naquele horário.

  - Você não presta. – ele cobriu a boca com a mão tentando conter o riso.

  ..........

  Fiz o melhor cappuccino que eu pude, no entanto, meu cliente misterioso não ficou para prova-lo. Quando me virei para servi-lo, o vi saindo apressado pela porta enquanto falava ao telefone. Na mesa deixou apenas uma nota de 30 dólares, me recompensando com uma generosa gorjeta. Dei de ombros, colocando o dinheiro no bolso e voltando para trás do balcão. Ele deve ter tido seus motivos.

  - O que será que aconteceu? – indagou Lucien.

  - Quem é que sabe? – divaguei enquanto observava o cliente misterioso sumir em meio à multidão que circulava naquela avenida de Manhattan.

  ..........

 Depois daquele dia, nosso cliente misterioso nunca mais apareceu no café. Mas a verdade é que isso pouco importava, já que eu tinha coisas muito mais importantes para resolver na minha vida.

 A mensalidade da casa de repouso onde minha vó morava aumentou consideravelmente e seus problemas de saúde exigiam cada vez mais dinheiro para o tratamento, meu trabalho como barista no NeroCoffee não era o suficiente para arcar com as despesas, por isso, durante a noite eu fazia trabalhos como designer gráfico online. Isso estava acabando comigo, pois, eu mal dormia, mal comia, mal vivia... e para piorar a situação, minha bike foi roubada, e numa noite fria e chuvosa como aquela, eu tinha que voltar andando para casa.

 - É melhor você não inventar de pegar essa chuva, Derick, senão vai ficar doente. – Lucien alertou com preocupação, enquanto esperávamos que o temporal diminuísse na porta do café.

 - Não tenho muita opção. – dei de ombros ao colocar as mãos nos bolsos do sobretudo numa tentativa vã de me esquentar – Tenho que entregar um trabalho hoje até meia noite. Eles vão me pagar bem.

   - Se o John não estivesse tão atrasado, eu pediria a ele para te levar em casa. – suspirou baixinho, contrariado.

   - Não se preocupe com isso. Hoje é o jantar de aniversário da mãe dele, não é? Você não pode se atrasar ou vai fazer desfeita para a sogra. – o adverti.

    - Aff... pega. – arqueei os olhos surpreso ao ver o meu amigo platinado tirar o próprio cachecol vermelho para enrolar no meu pescoço. E em seguida me estender o guarda-chuva preto que segurava – Se minhas luvas coubessem em você, te dava também.

   - Não precisava. – respondi baixo.

  - Já se olhou no espelho? – ele me repreendeu – Está parecendo um zumbi! Você tem que se cuidar mais, senão daqui a pouco você também vai estar em uma casa de repouso como a sua vó.

  - Que dramático. – sorri de canto ao bagunçar os cabelos dele numa carícia desajeitada – Só estou cansado. Não se preocupe tanto.

  - Não bagunce meu cabelo, meu namorado não vai gostar. – ele riu divertido ao empurrar minha mão – Mas é sério Derick, você tem que se cuidar. Não vai conseguir manter essa rotina por muito tempo.

 - Pode deixar, irmãozinho. Estou procurando outras formas de lidar com isso. Talvez mudar minha vó de casa de repouso, ou arranjar um emprego que pague melhor. – ponderei olhando para o chão, depois voltando olhar para Lucien – Sabia que me chamaram para ser modelo?

 - Só se for modelo de lombriga. Magro do jeito que você está! – ele riu alto.

 - Idiota. – repliquei – Ruivos naturais são bem requisitados, sabia?

  - Sim, sim. Tenho certeza que são. – ironizou ainda rindo.

  - Mas olha, não consegue nem disfarçar a inveja. Só porque é baixinho. – brinquei abraçando-o de canto ao receber um olhar irritadiço. Aquele era seu ponto fraco, odiava ser baixinho – Você só tem mais dois anos para crescer, sabia? Homens param de crescer aos 21, se eu fosse você me apressava com isso.

  - Ah, cala a boca! – ele me empurrou ao cruzar os braços emburrado.

  Eu apenas ri de canto. Lucien era como se fosse um irmão mais novo, eu tinha sorte de trabalhar com ele por perto, já que ultimamente, no meio de toda a confusão da minha vida, ele ainda conseguia me fazer rir.

  - Ah, o John chegou. – os olhos dele brilharam quando o sedan cinza estacionou na frente do café – Bye bye cara de lombriga. Se cuida.

   Ele mostrou a língua antes de sorrir, cobrindo a cabeça com o capuz e então correndo para o carro. Cumprimentando o namorado com um beijo carinhoso.

    “Deve ser bom ter alguém pra chamar de seu” ponderei ao observar o carro dobrar a esquina. Meus últimos relacionamentos foram passageiros, no intuito apenas de satisfazer os desejos do meu corpo. Eu não tinha tempo para isso. Mal tinha tempo para mim mesmo, quanto mais para dividir minha vida com alguém. Mas, quem sabe um dia...?

     Meu olhar estava perdido no tempo, observando a pouca movimentação daquela sexta-feira chuvosa. De dia aquela rua parecia um formigueiro, por ser um centro comercial agitado, no entanto, de noite havia pouco o que fazer por ali, já que as principais boates e bares ficavam do outro lado da cidade. Naquela noite poucos se aventuravam em caminhar sob a chuva torrencial. Àquela hora a maioria das lojas já havia fechado e apenas alguns carros passavam rápido por ali, lançando água para todos os lados. Fazia quase uma hora que o café fechara, mas o temporal não diminuía, eu realmente teria que voltar andando na chuva.

   Suspirei profundamente, me preparando para encarar o frio congelante, quando vi um cara de capuz preto atravessar a avenida na minha bike. Sim, eu tinha certeza que era a minha, pois o adesivo brilhante da hello kitty que havia nela fora uma surpresa de Lucien no meu aniversário. Quase o matei quando vi aquela gata purpurinada reluzindo na minha bike preta. Acabei não tirando o adesivo para não estragar a pintura. E isso foi sorte, tendo em vista que ele me ajudou a identificar a minha bike que agora era guiada por aquele marginal.

      - Heey, você! – gritei ao correr atrás do cara mal-encarado que acelerou as pedaladas – Hey, volte aqui. Não vou deixar você escapar, seu filho de uma...!

        Tudo aconteceu muito rápido: o som de uma freada brusca, o impacto, a dor, meu olhar perdido nas nuvens cinzentas do céu enquanto eu lutava para não fechar os olhos, o frio da água que congelava meu corpo, e aqueles olhos azuis que me olhavam com extrema preocupação.

       - Hey, você está bem? Hey, não durma... hey!


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Notas finais do capítulo

Então, meus amores. O que acharam?

Estou voltando a escrever depois de um tempinho, e essa história tem me motivado bastante. Os personagens ainda estão se construindo, mas já os amo! haha' ~ sou suspeita para falar já que são crias minhas. ♥

Mas enfim, elogios, críticas e sugestões: aceito todas!

Beijinhos



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