II

— Olá, campistas! Estou feliz em anunciar a abertura oficial da competição anual dos acampamentos do Lago lilac! O meu nome é David, e estarei responsável por vocês por hoje. — O ruivo anunciou, sorriso largo se estendendo pelo seu rosto. — Como sempre, vocês competirão em uma série de quinze eventos, todos selecionados pelos acampamentos participantes.

O conselheiro fez uma curta pausa, olhando os papéis que segurava para checar novamente a informação. Era evidente para qualquer um que o visse que ele estava animado com o Camporee daquele ano, mas também David parecia se animar com absolutamente tudo, vê-lo quase pular de felicidade não era novidade para ninguém que o conhecesse.

Nikki só havia visto David uma ou duas vezes antes da competição, em um dos diversos eventos que incluíam a participação dos três acampamentos do lago, ao invés de um exclusivo. Não recordava de já tê-lo visto de mal humor apesar de conhecer muito bem a reputação do acampamento em que ele trabalhava.

— Os primeiros cinco desafios são obra da tropa 789 das Flower Scouts. –As escoteiras fizeram a reverência usual. Nikki tentou ignorar o fato de ter começado a reverência alguns segundos depois do que deveria, arruinando a sincronia perfeita que Sasha, Erin e Tabii conseguiam realizar. — Os cinco seguintes da tropa 818 dos Wood Scouts, e os últimos cinco foram escolhidos pelo acampamento Campbell.

Quem a esverdeada assumia ser a co-conselheira do acampamento Campbell se colocou ao lado de David. Ela parecia mais séria e bem mais cansada do que ele, desânimo claro em sua expressão.

— A tropa com a maior pontuação ganha o um troféu, um estoque de um ano de S’mores e sua foto na primeira página no jornal de Sleepy Peak. — A mulher suspirou. — Olha crianças, as plataformas de alguns dos seus desafios ainda não estão prontas e provavelmente não vão estar por mais uma hora ou duas.

Ela avisou, Nicolette conseguiu ouvir os outros campistas reclamarem sobre a notícia.

— Eu sei, eu sei. Também quero acabar com isso logo. — A conselheira admitiu. — Mas não tem nada que eu possa fazer sobre isso por enquanto. Vocês podem fazer o que quiserem durante esse tempo livre, só não se matem ou saiam dos limites do acampamento, ok? Avisaremos quando a competição começar.

Era uma oportunidade perfeita para explorar, e a perspectiva de ter um motivo para se aventurar por um território desconhecido animava Nikki, e muito.

O Acampamento Campbell era definitivamente o mais humilde entre os acampamentos da região— Não tinha o SPA e a extensa área coberta que as Flower Scouts tinham ou o elaborado sistema de segurança dos Wood Scouts, mas era o que mais se assemelhava ao que imaginava quando pensava em um acampamento de verão.

O acampamento estava rodeado pela floresta, claro que tecnicamente o seu também estava, mas pela primeira vez em muito tempo não tinha um vidro a separando da natureza. A área coberta estava restrita a apenas duas construções, que não sabia ao certo para que serviam, o que significava que os campistas tinham que passar a maior parte do seu tempo livro no lado de fora, convivendo com a floresta.

Estava prestes a começar a sua jornada quando sentiu alguém pegando no seu braço com força. Claro que escapar não seria tão fácil.

— Nikki, Nikki! É ele! É ele!

Tabii segurou um dos braços da aventureira e apontou para um dos garotos do acampamento Campbell, dando alguns pulinhos de alegria por finalmente estar próxima dele novamente.

Segundo as descrições que Tabii havia lhe dado (inúmeras vezes), Nikki estava esperando um Leonardo DiCaprio na época do Titanic, ou uma versão mais jovem do Chris Evans. O que Nikki não estava esperando era um estereótipo nerd.

—É... Ele é fofo, acho. — A loira a fitou com expectativa, não parecendo notar a sua hesitação ao falar. — Acho que...Vocês formariam um casal bonito?

A sua resposta pareceu ser exatamente o que Tabii queria ouvir, considerando que a garota a abraçou rapidamente antes de correr em direção ao rapaz, que parecia simplesmente aterrorizado ao vê-la se aproximando.

Niel foi o motivo para Tabii ter perdido a visão em um de seus olhos— a culpa não foi dele diretamente, mais uma consequência de um surto de ciúmes da jovem Flower Scout, mas isso não mudava o fato de a obsessão dela ter resultado no tapa-olho que a loira era obrigada a usar. Talvez fosse errado dar suporte a algo tão tóxico quando a paixonite de Tabii, ainda mais considerando o quanto ela parecia se esforçar para integrar Nikki no seu pequeno grupo, mas ao mesmo tempo era fácil perceber que ela não aceitaria tão facilmente as críticas que fizessem ao seu suposto romance com o cientista.

Com um suspiro cansado, Nikki observou Erin se aproximando de Niel e Tabii, provavelmente em uma tentativa de afastá-la dele. Sasha não estava em nenhum lugar em seu campo de visão, era momento perfeito para escapar.

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O acampamento em si não era muito grande, mas de alguma forma parecia infinitamente maior que o espaço do seu. Talvez fosse pela falta de construções na área ou o quão vazio ele parecia comparado às Flower Scouts, mas Nikki tinha a impressão de estar verdadeiramente sozinha pela primeira vez em muito tempo.

Estar só por opção própria e não sentir como se estivesse sendo monitorada e julgada por cada passo era uma mudança agradável do usual, era quase como se pudesse respirar pela primeira vez depois de estar submersa por muito tempo.

Era pacífico, revigorante— não percebera o quão cansada realmente estava até finalmente estar longe de todo mundo.

Parando em frente ao pequeno píer em frente ao lago a garota sentou-se na plataforma de madeira, aproveitando daquele momento raro de paz. Poderia facilmente adentrar a floresta se desejasse, e realmente desejava, mas era exatamente o oposto que a conselheira havia dito para fazer e qualquer mínima transgressão que Nikki pudesse cometer significaria ter a sua liberdade ainda mais restringida pela sua Garden Mother.

Nikki já estava sozinha a alguns minutos quando ouviu o som de passos no píer, contrastando contra o silêncio predominante. A pessoa parou um pouco atrás dela, mantendo uma distância respeitável entre ele e a garota.

— Então. — O desconhecido se pronunciou. — Desde quando o trio diabólico virou um quarteto? Já achava uma merda ter que lidar com três de vocês, não sei o que fazer agora que apareceu mais uma.

A escoteira virou-se para a fonte da voz, levemente irritada em ter o seu momento de silêncio interrompido. O desconhecido era um garoto um pouco mais alto do que ela, com cabelos negros bem cacheados e de aparência macia, contrastando bem com o seu rosto cansado.

Nikki conseguia notar um certo ódio irradiando do garoto, se tivesse que adivinhar o motivo chutaria que ele é como um lobo querendo proteger o seu território. Nikki era uma invasora, então era provável que ele estivesse tentando intimidá-la para fazê-la ir embora.

O seu instinto dizia-lhe que a ação mais lógica a seguir seria a de mordê-lo para impor dominância, mas não poderia seguir o seu instinto sem perder o privilégio de sair do acampamento de vez em quando.

— Não vou tomar o seu território. — Nikki lhe assegurou, voltando a olhar para o lago. — Apesar de querer um pouco. As árvores desse lado da floresta são tão grandes, deve ser super divertido escalar elas! Ah, devem ter lobos aqui por perto também, ou ursos!

Agradeceu mentalmente por Sasha não estar por perto para reclamar sobre estar falando alto demais ou divagando sobre a natureza novamente. Não é como se o garoto fosse reclamar dela para Sasha, era provável que ele assumisse que ela era uma Scout por escolha, como a maior parte das garotas eram.

A sua situação não era normal.

Mas também, Nikki era tudo menos normal, como as suas colegas gostavam de lhe lembrar todos os dias.

— Desculpe. — Não sabia exatamente pelo que estava se desculpando, mas parecia o apropriado naquele momento. Fitando a paisagem Nikki apontou para a ilha no meio do lago, parecia um bom tópico para desviar de assunto. — Aquela ilha é realmente assombrada como dizem que ela é? Eu não consi—

— Eu tenho cara de guia turístico por acaso? Por que você acha que quero responder as suas perguntas idiotas?

O garoto a interrompeu, cruzando os braços. Nikki estava esperando que ele fosse embora, mas ao invés disso ele ficou parado no mesmo lugar, a garota sabia que ele estava a observando.

— Você ainda está aqui. — Nikki respondeu, brincando com uma de suas tranças. — Poderia ter ido embora, mas continuou aqui por algum motivo.

Segundo as revistas que Tabii lia religiosamente, para conquistar alguém você precisa se fazer de difícil e fingir que não quer nada com a pessoa para que ela sinta a necessidade de conseguir a sua atenção. Era isso que ele estava fazendo? Por que ele havia ido atrás dela só para dizer que odiava as Flower Scouts?

"Garotos são estranhos." Nikki concluiu, a sua resposta era mais do que o suficiente para ela.

— O meu nome é Nikki, falando nisso.

A garota se apresentou, olhando para trás novamente para ver o garoto novamente.

— Max.

Ele lhe respondeu.

O sistema de som do acampamento então soou, a voz de David ecoando pela região pedindo para que os campistas se reunissem no centro de atividades.

Nikki levantou-se, triste por ter que deixar o seu momento de liberdade para voltar para as escoteiras, seguindo para fora do píer em silêncio, perfeitamente ciente de que Max estava acompanhando-a.

Alguns segundos de silêncio tenso se seguiram, nenhum dos dois sabendo exatamente como manter uma conversa um com o outro.

— Então...Você conhece algum Niel? — O asiático parou, observando a garota de uma maneira que só posso descrever como debochada.

— Caralho, ser obcecada pelo Niel é um pré-requisito para ser uma Flowerscout?!?

Nikki revirou os olhos, cruzando os braços.

— Não estou perguntando por mim, estou perguntando pela Tabii. — Ela admitiu, não fazia diferença revelar aquela informação. — Ela tem algum plano para tentar conquistar ele, acho que qualquer informação sobre ele seria útil nesse ponto.

Max escondeu as mãos nos bolsos do casaco, voltando a andar em direção ao centro de atividades, ele pareceu pensar por alguns instantes antes de voltar a falar.

— A loirinha sabe que ele odeia ela, né? — A esverdeada deu de ombros. — Ele acha que algum dia ela vai invadir o acampamento no meio da madrugada para sequestrar ele. Particularmente não acho que ele esteja errado, ela parece ser louca pra caralho.

—É um dos planos. — Os outros campistas já estavam visíveis a distância. — Se o resto der errado a gente sequestra ele.

Max pareceu surpreso, Nicolette riu.

— Você não acha isso meio extremo?

A garota deu de ombros de novo.

—Meh, eu sou uma agente do caos.

Nikki teve a impressão de ter visto um sorriso de formando no rosto do garoto, um sorriso bem pequeno e bem breve que logo foi substituído pela expressão de irritação que parecia ser o usual para ele.

O ar estranho que pairava entre ambos agora parecia confortável, ou ao menos mais confortável do que estava acostumada. Com pesar notou que se aproximou o suficiente do grupo para que as outras Flower Scouts notassem a sua presença, Sasha em específico parecia insatisfeita em vê-la perto de um garoto.

— Foi bom conhecê-lo, Max. — fez a curta reverência que era costumeira no seu acampamento. — Espero poder vê-lo novamente.

E ela realmente queria dizer isso.

— Você não parece ser tão ruim. – O asiático murmurou. — Não deixe elas estragarem isso.

Ele foi embora antes que Nikki pudesse questionar o que aquilo significava.