Minha Luz é Você escrita por Lilly Belmount


Capítulo 1
Capítulo 1




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A cada dia que passava era ainda mais complicado para Helise viver. Não saía da sua cabeça a cena em que ela encontrou o pai morto com um tiro na cabeça. Jamais perdoaria a sua mãe por ser um dos motivos que levou o seu herói a cometer uma atrocidade. A vida havia perdido as cores e o sentido de tudo o que era mais belo. Tudo o que havia de bom foi tirado dela sem uma única explicação. No colégio onde estudava algumas pessoas compadeceram de sua dor, mas outras insistiam em fazer piadas, em espalhar uma história totalmente diferente da original. Eram dias difíceis de serem vividos. Por ela nunca mais voltaria para casa, mas Helise não tinha ninguém a quem pudesse chamar de amigo. Quem ela mais considerava deixou se levar pelos comentários maldosos e não quis conhecer o outro lado da moeda. Sentia-se tão injustiçada e abandonada.

Infelizmente Helise tinha que viver com a mãe. Nenhum dos seus parentes queria saber notícias suas por algum tempo. Alegavam que olhar para ela era como ver o próprio pai. Ela possuía traços que traziam a lembrança do que um dia foi o seu pai. Só que desde a sua morte ela nunca mais quis saber de se olhar em um espelho. Suas roupas coloridas e alegres foram esquecidas no fundo de uma caixa no porão. Assim como o seu passado de dias felizes não passava de uma mera lembrança. Agora suas vestes eram pretas ou cinzas e sempre com um comprimento maior do que ela realmente deveria vestir. A doce menina se perdeu no caminho da felicidade. Sua identidade de épocas alegres foi sumindo aos poucos até não restar mais nada, apenas uma mera lembrança na linha do tempo.

Já era quase cinco da tarde quando sua mãe chegou trazendo consigo algumas sacolas do mercado. Da sacada de seu quarto ela conseguia ter uma boa visão de tudo o que acontecia ao redor. Seu pai sempre lhe dizia que o sonho dela se realizaria longe daqueles muros de concreto. Helise não queria perder a esperança que tanto existiu entre eles. Seria errado deixar de acreditar em algo tão inalcançável. A dor que ela sentia um dia seria esquecida. Só era recente demais.

Sua mãe tinha em seus lábios um sorriso muito suspeito. Helise não queria saber qual era o verdadeiro motivo, talvez se decepcionasse com a descoberta. Preferiu continuar olhando a imensidão da cor de laranja da tarde e esquecer que a sua mãe estava em casa. Não era sempre que funcionava sua tática, mas era o máximo que conseguia fazer. Às vezes ela preferia passar o dia inteiro com os fones de ouvido ligado no último volume. Queria que as suas dores fossem embora junto com os agudos em cada música que ouvia. Precisava sentir a sua alma e corpo mais leves, de encontrar a paz que nunca existiu em seu lar.

A movimentação no andar de baixo ainda era demais. A mulher fazia com que tudo fosse ao extremo, mesmo que só estivessem as duas em casa. Helise tentava respirar fundo na tentativa de ignorar tudo o que acontecia naquela casa. Ela sabia que em poucas horas o sol não se faria mais presente e teria que voltar para a realidade que a aguardava. Ela saiu de sua sacada e caminhou diretamente para a sua cama. Gostava da sensação que o edredom gelado causava ao entrar em contato com a sua pele. Era a melhor maneira de manter a calma, de ir relaxando aos poucos. Helise ficou encarando o teto branco por alguns segundos, mas depois fechou os olhos permitindo que a sua respiração se acalmasse a medida que o tempo passasse.

A sensação de calmaria permitia que ela se imaginasse ao lado de seu pai mais uma vez. Sorrir na presença dele era o melhor jeito de viver. Não compreendia o porquê de sua vida ter mudado tão de repente. Sempre foi tão fácil ter tudo sob controle e de repente Helise se via perdida em uma teia de mentira e desilusão. O que ela estava vivendo ao lado de sua mãe não passava de uma mentira. Os sorrisos eram forçados mesmo que fosse uma data especial. Nada fazia sentido. Nunca havia feito. Estava sozinha.

O som de algo batendo na porta logo foi arrancando Helise de seus pensamentos. Contra própria vontade ela se levantou da cama e foi abrir a porta. Era de se esperar que o maldito sorriso ainda não tivesse abandonado os lábios de Geórgia.

— Está tudo bem, meu amor? — quis saber a mãe.

Helise revirou os olhos e voltou para a cama. Era desnecessário as tentativas de Geórgia tentar manter uma relação saudável com a sua única filha. Os laços entre elas estavam cada vez mais frouxos.

— Por que não vem me ajudar a preparar o jantar? — tentava Geórgia mais uma vez.

O silêncio de Helise estava cada vez pior. A mulher já não aguentava mais ser a única a manter a casa viva, a agir como se nada demais tivesse acontecido. Precisava que a sua filha interagisse como antes. Estava na hora de deixar o passado para trás e amadurecer em todos os sentidos.

— Não quero! Nunca gostei de cozinhar. — murmurou Helise cobrindo o rosto.

Geórgia bufou.

— Engraçado — começou a mulher — Quando o seu pai estava vivo, você gostava de ajudá-lo a preparar o jantar e tudo o que ele mais inventava na hora.

Lentamente Helise se sentou novamente. Estava profundamente magoada com sua mãe. Ela nunca foi de falar do marido cheia de desdém. Feria profundamente os sentimentos intactos de sua filha.

— Ele fazia com que cada momento fosse divertido. Só passei a ajudá-lo quando a senhora começou a me deixar de lado, chegando sempre tarde do trabalho. — desabafou a garota. — Acha mesmo que foi tudo por que eu quis? Ele tinha medo de que eu fosse fazer alguma loucura contra a minha vida, mas ele foi além de mim. Meu pai estava cansado de todas as suas mentiras!

Geórgia não iria fazer nada contra a sua própria filha. Sabia que deveria deixá-la colocar todas as frustrações para fora de si. Vinha guardando tudo dentro de si desde que ela se deparou com a terrível cena. Aquela mulher nunca viu a sua filha ser tão forte como nos últimos tempos, mas não poderia permitir que os sentimentos ruins continuassem a atordoá-la para sempre.

— Nunca fui uma mulher correta, Helise. Só espero que um dia possa entender tudo o que passei.

— Isso não tem nada a ver com o seu passado, mãe. — ela se levantou furiosa — Só pensa em como uma pessoa foi capaz de tirar a sua própria vida. Parte de mim morreu com ele e nunca mais serei a mesma. Não vai ser com ajuda clinica, remédios ou qualquer outra coisa que vai fazer com que eu seja a Helise de antes.

— Você está certa! — Geórgia se dava por vencida — Remédios nunca foram o seu forte, mas eles te deram o controle até agora. Não sou como o seu pai, mas não deixe de seguir a orientação médica. É para o seu bem.

— Meu bem? — questionava Helise — Você nunca se importou com isso. Logo depois da morte do meu pai fez questão de me levar para várias clinicas, achou que eu estava enlouquecendo. Me deixou internada por semanas. — fez uma pausa breve — Nem ao menos me visitou ou ligou para saber se eu estava morta. A sua preocupação foi quase nada comparada ao que passei naquele lugar. Fui tratada como um verdadeiro lixo. Nunca fui importante na sua vida.

— Você nunca quis se abrir comigo. — murmurou Geórgia.

— Tem certeza? — indagou Helise furiosa — Só o seu emprego é colocado em primeiro lugar. Sempre foi desse jeito.

A mãe respirou fundo. Não poderia continuar insistindo em uma conversa pacifica com a garota. Só queria que um dia ganhasse o perdão de Helise e assim tudo ficaria bem em sua vida. Só queria que a filha compreendesse toda a situação, que talvez ela não tenha feito por mal. Contrariar Helise era uma tarefa árdua.

— Quando o jantar estiver pronto, te chamarei.

Helise apenas deu de ombros. Não queria saber de comer nada do que sua mãe fazia. Preferia ir até uma quitanda, lanchonete e comprava o que sentia vontade de comer ou ela mesma dava um jeito de preparar tudo enquanto Geórgia estava ausente. Rapidamente ela caminhou até a porta e a trancou de uma vez por todas. Esgueirou-se para debaixo da cama e de lá tirou um pequeno caderno azul. Folheou o mesmo até encontrar a pagina que desejava. Ás vezes ela se arriscava a escrever sobre o que sentia, e isso fazia com que ela se sentisse um pouco melhor. Permitiu que os seus pensamentos a levassem para bem longe daquela realidade enquanto a melodia que tocava em seu fone de ouvido acalmava para mais uma escrita.

"Entendam uma coisa: EU NÃO ODEIO A MINHA MÃE! Nem sei como esse sentimento poderia se apossar do meu coração. Somos muito diferentes em todos os aspectos, mas as vezes eu só queria que ela compreendesse um pouco mais a minha dor e respeitasse. Sei que muitos vizinhos falam sobre o quanto eu mudei drasticamente de uns tempos para cá, mas foi simplesmente acontecendo. Imaginava que o meu pai fosse viver por mais de cem anos, e que talvez um dia ele pudesse ver os netos dele se formando em alguma universidade. Sonhava com esse momento, mas sei que nunca vai acontecer.

Lembro de que no velório do meu pai, muitas pessoas apareceram, me diziam palavras bonitas, mas minha mãe não estava do meu lado. Ela não estava em lugar nenhum para me dar o mínimo de conforto, de me dizer que tudo ficaria bem. Eu estava sozinha, perdida. Inúmeras perguntas eram feitas e eu não sabia como responder. Tinha medo! Não tinha em quem me apoiar. Era demais para lidar com toda aquela situação.

Será que um dia minha mãe será capaz de me dizer toda a verdade? Queria tanto saber a verdade vindo diretamente dela. O jeito é esperar!"

***

Com muito custo Helise saiu de seu quarto. Sua mãe ainda estava terminando de cuidar de alguns detalhes do jantar. A música que tocava no ambiente era bem leve. Parecia algo relacionado ao que Geórgia ouvia em suas sessões de Yoga. Era melhor que a mulher continuasse distraída em seu mundo. Helise não queria saber de mais confusões e discussões por aquela noite. Só queria ter uma noite mais calma sem ter que recorrer a ajuda de seus fones de ouvido ou sequer de seus remédios.

— O jantar está pronto! — exclamou a mulher orgulhosa de sua organização da mesa. — Pode se servir.

Sem dizer uma única palavra a garota obedeceu ao pedido da mãe. Os pratos estavam todos bem elaborados, com um visual que renderia milhares de "likes" no instagram. Helise não entendia o porquê das pessoas viverem tirando fotos de alimentos. Era tentador demais, mas ela preferia comer ao invés de tirar fotos. Quanto mais ela olhava para aquela refeição mais ela lembrava do quanto seu pai adorava uma mesa farta. Serviu-se uma pequena porção de cada e sentou-se em seu lugar habitual.

Deu a primeira garfada. A comida estava do seu agrado, mas tentou não demonstrar o quanto estava delicioso. Era um verdadeiro deleite. Geórgia nunca deixou a desejar quando se comprometia a cozinhar. Sabia exatamente como conquistar as pessoas pelo estômago.

— Helise? — chamou a mãe calmamente esperando ganhar a atenção da garota a sua frente.

— Pode falar — disse ela sem desviar a atenção de seu prato.

— Vamos nos mudar no fim de semana. — disse Geórgia de uma vez por todas.

Helise de imediato largou os talheres e olhou com curiosidade para a sua mãe. Só poderia ser uma brincadeira.

— Por que isso agora? — questionou a jovem.

A garota esperava uma explicação.

— Recebi uma promoção do trabalho e tenho que aproveitar enquanto as suas aulas não começam para resolver todos os mínimos detalhes.

— É só isso? Simplesmente me diz que vamos nos mudar? Vamos abandonar tudo como se fosse um livro velho? E quanto às memórias que tenho nesse lugar? Todas as histórias que um dia eu criei vão ser abandonadas?

Geórgia se manteve séria.

— Você ainda é menor de idade, e, no entanto tem que aceitar as minhas decisões. Vamos nos mudar e ponto final.

— Não sou obrigada a te acompanhar! — esbravejou a garota — Vou ficar com a vovó.

A mulher a olhou com desdém.

— O que te faz pensar que será bem vinda na casa de sua avó? Ninguém quer saber da nossa existência.

— Está enganada e eu vou te provar.


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