Something escrita por oicarool


Capítulo 2
Capítulo 2




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Ele passou pela porta sufocado. Era impossível respirar perto dela. Impossível pensar em qualquer coisa coerente. Impossível falar sem demonstrar qualquer emoção. Ela estava tão diferente. Os cabelos dela estavam mais longos agora, em sua cor natural. Sophia continuava parecendo ter saído de uma revista de moda, mas havia algo nela agora. Um brilho diferente, talvez.

Antonio imaginou que aquele momento aconteceria. No segundo que soube que Sophia havia embarcado para a Europa, sabia que a encontraria novamente. E quando Carlos pediu a mão de sua mãe em casamento, quando o fogo consumiu a casa do Vidigal e eles precisaram se mudar para a maldita casa de Lara... Antonio simplesmente sabia que era uma questão de tempo. E achou que estava preparado.

Não estava. Era como sentir as facas cravadas em seu peito novamente. Podia ouvir a voz de Lara falando sobre um contrato de casamento, ouvir a confirmação de Sophia. E então ela havia ido embora para longe demais. Sem tentar explicar, sem tentar negar que aquilo tudo fosse um mal entendido. Sem dizer a ele se o amava. E é claro que não amava. Uma mulher como ela não se interessaria por um homem humilde como ele.

E Antonio havia procurado explicações. Mas, quando Sophia foi embora, quando não houve defesa por parte dela... E então três meses depois Mariinha o chamou para uma conversa. Sua mãe queria que ele soubesse por ela, não pelo veneno de Lara ou pelas fofocas na universidade. Sophia estava grávida. Grávida de outro homem, de um filho que não era dele. E qualquer esperança, qualquer sonho de que ela voltaria, que diria a ele que nada daquilo era verdade morreu com a notícia.

Ele não quis saber nenhum detalhe. Quem era o pai, se ela estava casada, se voltaria ao Brasil. Ele, que mal bebia, viu-se terminando suas noites na laje, com álcool o suficiente para esquecê-la. Mesmo os dois anos com Luciana, os planos de casamento... Nada o tinha feito sofrer tanto quanto perder Sophia. Nada em sua vida se comparava àquele intenso um mês e meio de relação com uma pessoa que em nada parecia com ele.

Antonio mudou. Começou a passar as noites fora, aceitava qualquer uma em sua cama. Por que qual seria o sentido de tentar esperar? Esperar por quem? Pelo que? Jogou suas convicções pelo ralo, seus princípios. Nada daquilo fazia sentido, porque a única mulher que seria capaz de completa-lo de verdade nunca seria dele. Mas, finalmente as preocupações de Mariinha e Gabriela pareceram atingi-lo, e Antonio estava tentando. Evitou sair nos últimos dois meses, não bebia mais. Estava focado no trabalho.

E então veio a notícia da morte de Lara. E embora Antonio a encontrasse apenas nas raras vezes em que Lara fazia uma desagradável visita, soube naquele momento que tudo estava prestes a mudar. Sophia voltaria, nem que fosse para assinar meia dúzia de papeis. E voltaria com um filho nos braços, talvez com o marido que nunca soube se ela tinha. Não queria saber.

Carlos e Mariinha vibraram com a ideia de ter uma criança em casa. O choque da morte de Lara Alencar deu lugar à alegria de ter Sophia de volta. No fundo nenhum deles tinha grandes motivos para gostar de Lara, especialmente sua mãe. Quando Antonio viu Carlos chegar com um berço, soube que tudo seria ainda mais intenso. Ainda assim, nada o preparou para vê-la.

Tentou puxar o ar, parado no hall de entrada. Precisava se mexer, porque Sophia logo estaria de volta e o encontraria ali, parado como uma estátua. Forçou suas pernas a darem os passos e entrou na sala. Foi imediato. Aqueles olhos tão iguais aos de Sophia se viraram para ele, com curiosidade. Sua irmã segurava o bebê no colo, e o menino ainda tinha um sorriso no rosto.

— Olha quem chegou. – Gabriela disse ao menino. – O Antonio. An-to-nio.

O bebê não teve qualquer reação além de encará-lo fixamente. Antonio precisava sair daquela casa. Não haveria como conviver com Sophia. Muito menos seria possível conviver com uma miniatura tão perfeita dela. Não havia um só traço na criança que não fosse da mãe.

— Você está bem? – Gabriela perguntou, e então olhou para a porta da frente. – Ah, entendi.

Antonio não respondeu nada. Nem soube porque se aproximou ainda mais do sofá, ou porque não desviou os olhos daquele garoto. Daniel era o nome dele. Talvez fosse o nome mais ouvido naquela casa. Daniel acompanhou seus movimentos de maneira interessada.

— Acho que ele gosta de você. – Gabriela disse.

— É claro que não. – Antonio respondeu, no automático.

Daniel sorriu ao ouvir a voz dele, tirando de Gabriela uma expressão sabichona. Antonio aproximou-se dos dois por trás do sofá onde Gabriela estava. Daniel era uma cópia de Sophia. Até mesmo o sorriso tinha a mesma covinha. O garoto emitiu qualquer som, e Antonio não conseguiu não sorrir.

— Ele é muito parecido com ela, não é? – Gabriela perguntou.

— Assustadoramente. – Antonio manteve os olhos em Daniel.

— Toninho, você chegou! – Mariinha disse, descendo as escadas, atraindo a atenção dos três. – Ótimo. O almoço está quase pronto.

Mariinha beijou o rosto de Antonio, sendo envolvida por um abraço que era muito necessário para ele.

— Ô, meu filho. Acalma o seu coração. – Mariinha disse, em voz baixa. – Muito tempo já passou.

— Eu sei, eu sei. – Antonio suspirou, sentindo os olhos marejarem.

— Passa uma água no rosto e desce para almoçar conosco. – Mariinha beijou a testa do filho, acariciando seu rosto.

— Eu vou, mãe. – ele tentou sorrir.

Deu mais uma olhada em Daniel, que assistia a cena atentamente. E então começou a subir as escadas. Estava quase no topo quando ouviu a voz de Sophia no andar de baixo. Não haveria como conviver com ela sem proteger seus sentimentos. Teria que encontrar a frieza necessária. E, mais do que nunca, precisava encontrar um lugar para chamar de seu. Talvez pudesse pagar um lugar no Vidigal. Gabriela ainda tinha dois anos de faculdade pela frente e Antonio não podia se dar ao luxo de não ajuda-la.

Antonio mal percebeu quando entrou no banho, mas a água gelada ajudou a acalmar seus pensamentos. Precisaria enfrentar Sophia e Daniel, ao menos por um tempo. Era só tentar se manter indiferente. Não poderia ser tão complicado. Agiria normalmente, afinal estava em sua casa, mesmo que não sentisse a mesma familiaridade do que no Vidigal. Jamais se acostumaria com a ideia de morar em uma mansão.

Escolheu uma regata preta, no lugar da habitual branca. Vestiu uma bermuda qualquer, calçou os chinelos, e saiu do quarto. E não poderia ser tão complicado enfrentar Sophia em uma refeição, com todos os familiares em volta. Mas ali, no meio do corredor, quando ela abria a porta do quarto ao mesmo tempo que ele. Bem, ali era muito mais difícil. E foi a realização de que ela estaria tão perto, apenas duas portas separando os dois, que deixou Antonio sem fala.

Seus olhares se conectaram, como nos velhos tempos. Sempre foi assim entre eles, parecendo algo de filme, de novela. A forma como um olhar era tão significativo, tão cúmplice. E agora, tão cheio de ressentimento e estranheza. Durou alguns segundos, antes de Sophia bufar com certa irritação. Algumas coisas não mudavam.

— Você vai ficar ai parado me olhando como se eu fosse um fantasma? – ela cruzou os braços, na defensiva.

— Eu não tô te olhando. – ele respondeu. – Tenho mais o que fazer, Sophia.

— Não parece que tenha mais o que fazer. – Sophia revirou os olhos.

— Eu só tô indo almoçar porque Dona Mariinha pediu. – disse, irritando-se. – Eu não faço questão nenhuma de dividir a mesa com você.

Sophia abriu a boca, mas levou alguns segundos para falar qualquer coisa.

— Sua grosseria permanece intacta, né Antonio? – ela sorriu, irônica. – Mudar pra uma mansão realmente não tira o morro de uma pessoa.

— E você continua achando que dinheiro compra tudo. – ele também ironizou. – Comprou seu marido? Seu filho?

Sophia rapidamente deu alguns passos em direção à ele. Parou alguns centímetros em sua frente, fazendo Antonio engolir em seco. O que tinha aquela mulher que mexia tanto com ele?

— Você nunca mais vai falar do Daniel, você me ouviu? – Sophia empinou um dedo em sua direção. – Você não vai olhar pra ele, não vai interagir com ele. O meu filho já vai lidar com rejeição o suficiente, você não precisa ser mais um.

Antonio arregalou os olhos. Nunca quis saber sobre a vida de Sophia. Sabia sobre o filho dela, mas evitava qualquer conversa sobre o assunto. Quando Carlos e Mariinha começavam a falar sobre Sophia, Antonio saia do cômodo.

— O que é que você quer dizer...

— Não interessa, Antonio. – ela o cortou. – Não te interessa nada que tenha a ver comigo ou com o meu filho.

— Você é louca. – Antonio disse, na defensiva. – O que é que eu ia querer com você? Fui eu quem terminou, lembra?

— Ah, eu lembro. Eu lembro muito. – Sophia elevou a voz. – Lembro de cada palavra que você despejou em mim. Mas aquela foi a última vez que você me humilhou.

— Você foi humilhada? – Antonio riu. – Em que momento, Sophia? Quando assinou um contrato ganancioso e foi atrás de um trouxa que tinha acabado de perder a noiva?

— É claro, Antonio. É claro que eu escolheria você. Podendo escolher qualquer homem nessa cidade, eu escolheria justamente um taxista grosseiro e mal educado. – Sophia riu, sem humor. – E que ainda por cima é broxa.

— Ah, Sophia, pelo amor de Deus. – Antonio cruzou os braços, dando um passo para trás. – Só porque você nunca conheceu um homem que queria respeitar você...

— Eu vi o seu respeito, Antonio. Sabe o que você é? Um hipócrita. Você é um machista que se acha bom moço. – Sophia disse, irritada. – Fica longe do meu filho.

— Eu não quero estar perto do seu filho e nem de você, Sophia. – Antonio irritou-se de vez. – Por mim você pode voltar pro hotel, pra Europa, pro meio da rua. Mas essa casa não é minha.

— Não, não é. – Sophia sorriu, mordaz. – É minha. Com a morte da Lara, é oficialmente minha. Então é bom você baixar o tom de voz, porque eu não vou ter a mesma paciência para as suas grosserias.

— Eu vou sair dessa casa, Sophia. – Antonio disse, sério. – Nem que eu tenha que rodar com o meu taxi vinte e quatro horas do dia pra isso. Sabe por que? Porque eu sou honesto, eu sou trabalhador. Eu nunca tive nada fácil na vida. E eu não preciso do seu dinheiro sujo e nem da sua arrogância.

— De onde eu estou vendo você precisa sim, Antonio. – Sophia manteve o sorriso. – Você precisa inclusive da minha caridade de não te colocar porta afora.

— Você quer saber? Eu prefiro dormir no meu táxi a passar mais um segundo no mesmo lugar que você. – Antonio bufou.

Não esperou que ela respondesse nada. Voltou para o quarto batendo a porta, vestiu o primeiro jeans que encontrou, e começou a colocar roupas de qualquer jeito em uma mochila. Quem ela pensava que era? Seria possível que o tempo tivesse feito de Sophia uma pessoa ainda mais arrogante? Caridade... Antonio não precisava da caridade de ninguém. Pagava as contas daquela casa junto com Carlos.

De cabeça quente desceu as escadas com a mochila nas costas, encontrando todos os familiares, além de Sophia, reunidos para o almoço. A expressão de Mariinha congelou ao ver o rosto do filho, e ela levantou-se antes que ele chegasse ao andar de baixo. Percebendo a tensão, Carlos e Gabriela também se viraram para ele.

— Toninho, o que aconteceu? – Mariinha perguntou, seu olhar rapidamente virando-se para Sophia.

— Vou embora. – Antonio disse, irritado. – Aqui eu não vou ficar.

— Antonio, o que aconteceu? – Carlos se aproximou dele. – Como não vai ficar aqui? É a sua casa.

— Não é, Carlos. Como sua filha bem apontou, a casa é dela.

— Sophia, o que foi que você fez? – Carlos encarou a filha.

— Eu? – Sophia sorriu, inocente. – Eu apenas disse pra o grosseiro do Antonio que ele deveria ficar longe de mim e do Dan.

— Ah, eu vou ficar. – Antonio apontou para ela. – Eu faço questão de ficar.

— Você não vai à lugar algum. – Mariinha disse, firme. – Ninguém vai sair desta casa. Vocês dois não são crianças. E vão aprender a tolerar um ao outro, porque eu e Carlos somos casados e não vamos abrir mão da nossa família.

— Antonio, você não tem nem para onde ir. – Gabriela se aproximou do irmão.

— Eu dou um jeito. – Antonio bufou.

— Toninho, você me ouviu. Se quer agir como um adolescente, eu vou me comportar como a mãe de um. Pode subir e guardar as suas coisas. E, Sophia, você não é minha filha, mas eu gosto de você como se fosse. Eu não gostaria de achar que não sou bem vinda nesta casa.

— É claro que você é, Mariinha. – Sophia levantou-se. – Eu estou muito feliz pelo seu casamento com o meu pai.

— Se eu sou, os meus filhos também são.

— Vocês ouviram a Mariinha. Antonio, não tome nenhuma atitude impensada. – Carlos se aproximou dele. – As coisas vão se resolver.

— É, Antonio. – Sophia sorriu, com ironia. – Fique a vontade. A casa é sua.

Sophia aproximou-se dele em passos lentos, e Antonio bufou de irritação.

— Mas você vai lembrar do que eu te disse. – ela falou em voz baixa, de forma que somente ele pudesse ouvir. – Se você chegar perto do Daniel, eu acabo com você.

Sophia passou por ele, subindo as escadas em seguida. Antonio jogou a mochila de qualquer jeito no sofá, sentando-se logo após. Passou as mãos pelos cabelos, bagunçando os fios, e ergueu os olhos para Gabriela, Mariinha e Carlos.

— Isso vai acabar em guerra. – disse, antes de fechar os olhos.

E, de olhos fechados, não pode ver os olhares e sorrisos cúmplices trocados por sua família.


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