Sob As Estrelas escrita por Samazing


Capítulo 3
03; A vida tem o seu valor.


Notas iniciais do capítulo

Depois do Albáfica, que tal um do Manigold? Espero que tenham uma boa leitura. ♥



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Manigold de Câncer.

 

Quando se cresce em meio a um ambiente hostil, envolvido em guerras, colecionar situações traumáticas torna-se inevitável, e é impossível evitar que cicatrizes se formem na sua alma. Se é que Manigold ainda tinha uma. Particularmente, preferia acreditar que não, mas sabia que estava enganando a si mesmo. No fundo, ele sabia que, no exato momento em que o mestre Sage resgatou aquele garoto sem fé, perdido pelo mundo, como se houvesse algum vestígio de esperança, as coisas haviam mudado. Aquela foi a primeira vez em muito tempo que ele viu significado em viver.

No entanto, era mais fácil manter aquela pose de um cara durão e egocêntrico e, exatamente por isso, permaneceu assim ao longo dos anos, afastando todos que buscassem qualquer proximidade dele. A vida de um cavaleiro era mais fácil quando se era solitário, e ele sabia disso, porque ele via a morte de perto. Todos os dias, sentia a angústia das almas do Yomotsu Hirasaka. Aprendera a se acostumar com a dor e, depois de um tempo, até mesmo parara de ter pesadelos. Entretanto, ainda assim, era agonizante.

Manigold, definitivamente, não trabalhava bem em equipe, e saber que o grande mestre havia enviado Albáfica para acompanhá-lo naquela missão, a princípio, o deixara preocupado. Mesmo assim, estava irritado com o velhote, afinal, como seu mestre, ele o conhecia, e sabia que Manigold se saía melhor sozinho. De qualquer forma, não estava chateado. Agora que os inimigos tinham sido derrotados, acreditava que a companhia de Albáfica o ajudara a acabar com aquela missão mais rapidamente.

O cavaleiro de câncer suspirou, sua cabeça encontrava-se recostada na parede, a postura era desleixada, e o homem estava sentado no parapeito da janela. O carnaval de Veneza era mesmo o mais bonito de todos, todas aquelas cores o encantavam, embora ele nunca fosse admitir em voz alta. Mas não era aquilo que mais lhe chamava a atenção. O céu tomado por estrelas cintilantes o hipnotizava, e, quando se deu conta, já havia se esquecido da festa. Era uma pena que partiriam logo pela manhã. Desejava poder aproveitar mais, porém sabia que Sage contava com a sua ajuda para uma próxima missão.

Estava tão absorto em seus pensamentos, que nem sequer notou quando Albáfica reclinou o corpo, apoiando-se na parede, ficando de frente para Manigold. O cavaleiro de peixes encolheu o corpo, sem saber bem o que dizer. Assim como o outro homem, não estava acostumado a ter companhia em suas missões, principalmente por conta de seu sangue venenoso.

“Eu não tenho medo de você.” O cavaleiro de câncer nem sequer olhara para Albáfica.

A voz de Manigold soou tão decidida e sincera, que o rosto de Albáfica apenas se retraiu em um remorso quase desesperador, como se estivesse arrependido de ter ido até ali.

“Eu vejo a morte de perto, todos os dias.” Ele sorriu, mas não era um sorriso feliz. Era mórbido, frio. “Eu não tenho medo da morte, e você também não deveria ter.”

“Mas...” Albáfica tentou contestar, no entanto, antes que conseguisse sequer terminar a frase, foi interrompido.

“Mas o seu sangue é venenoso, e daí?!” Manigold deu de ombros, como se aquilo não fosse um problema, como se fosse irrelevante. “Droga! Isso não quer dizer que você deve deixar de viver. Não quer dizer que você não pode ter amigos.”

De repente, Manigold não parecia mais aquele menino sem fé. Não falava como o executor, ou o grande guardião dos mortos. Nem como um cavaleiro de Atena. Ele falava como Manigold, um humano que aprendera a dar valor a vida, mesmo tendo inúmeros motivos para desistir. Quem diria que um dia ele voltaria a dar valor à vida? Sage havia feito um bom trabalho, então.

Albáfica deixou um pequeno sorriso transparecer em seu rosto. Sempre acreditara naquela imagem de executor que o passaram sobre o cavaleiro de câncer. O mais cruel dos cavaleiros. Esse era o título que costumava receber, provavelmente por mexer com os mortos. Não importava, todo aquele estereótipo havia sido desmistificado bem diante dos seus olhos. Manigold era apenas uma criança assustada, que, dia após dia, lutava para ser alguém melhor. Lutava com outros cavaleiros, mas, acima de tudo, lutava consigo mesmo.

Ainda que fosse um homem de personalidade difícil, e que sofresse de um egocentrismo exacerbado, ele era uma boa pessoa. Albáfica enxergava, agora, o homem por detrás de toda aquela armadura que ele criara para esconder quem realmente era. Assim como o cavaleiro de peixes fazia. Não eram tão diferentes, afinal. Solitários, amedrontados e com uma máscara que impedia as outras pessoas de verem quem eles realmente eram. E era por isso que estava dando conselhos, porque, querendo ou não, se identificava com o cavaleiro de peixes.

“Você está certo.” Manigold estava pronto para retrucar, quando percebeu que foi pego de surpresa. O homem balbuciou algumas palavras nada compreensíveis, o que fez com que Albáfica risse baixinho. Era engraçado vê-lo sem reação, justamente porque ele sempre tinha uma resposta na ponta da língua para tudo.

“Eu sei.” Ele respondeu, convencido, com um sorriso triunfante nos lábios.

Albáfica apenas suspirou fundo e revirou os olhos. Como um homem podia ser tão egocêntrico? O pisciano deu de ombros e virou de costas, caminhando em direção a sua cama. Entretanto, antes que pudesse se deitar, o som das passadas cessaram e, ainda de costas, Manigold conseguiu ouvir o som baixo e grave da voz dele ecoando pelo ambiente.

“Eu estou feliz por ter vindo nessa missão com você.” Confessou. Em sua voz, havia um tom genuíno, completamente sincero. “Fazia tempo que eu não conversava com ninguém, então, obrigado.

Manigold pensou em responder, mas nenhuma conexão de palavras que surgiu em sua mente pareceu ser realmente boa, então ele apenas manteve-se em silêncio, na esperança de algo melhor aparecer. No entanto, antes que pudesse responder, o amigo caminhou na direção da sua cama e se deitou, sem dizer mais uma palavra.

Então, Manigold finalmente entendeu. Não precisava dizer nada, porque tudo o que Albáfica desejava era mostrar a sua gratidão. Foi exatamente naquele momento, em um quarto de hotel abandonado, na cidade de Veneza, que ambos selaram as suas primeiras amizades. Agora, eles tinham um laço, e isso não era algo tão ruim assim. Na verdade, sentia-se bem por ter alguém que o entendia.

Manigold, pela primeira vez em muito tempo, reconheceu que a vida tinha o seu valor. E que ela podia ser muito boa às vezes.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Gostaram do capítulo? Espero que sim! Aguardo feedbacks. ♥



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