Memórias na Chuva escrita por PepitaPocket


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Ola, sejam bem vindos.
Façam uma boa leitura.



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Todo o fim de tarde era a mesma coisa.

Matsumoto saia de seu escritório, e literalmente se arrastava pelas ruas da Gotei, até o primeiro bar que via pela frente e ali ela bebia, até o gerente expulsá-la. Então, ela se forçava a ir andando até sua casa, na maioria das vezes, ela desfalecia no sofá mesmo até o dia seguinte, quando acordava tarde da manhã, atrasada demais para o serviço. Ouvia a bronca de Hitsugaya-taichou, fazia seu desjejum no escritório mesmo e adormecia no sofá, quando seu chefe não lhe empurrava serviço para fazer, e isso quase sempre acabava acontecendo, mas ela só fazia quando ele estava prestes a congelá-la com sua Zanpakutou.

Era um ciclo vicioso. E, ela sabia que sua posição estava sendo patética. Estava perdendo o pouco que sobrara de sua dignidade, e pior de tudo, por uma pessoa que não merecia.

Por isto, ao menos naquele dia, ela prometera a si mesmo que iria fazer diferente.

Era um dia de primavera. Chuvoso demais para o seu gosto. As ruas enlameadas da Gotei, encharcavam seus calçados e a deixavam de péssimo humor.

Mas, ela pretendia ir até sua casa, cozinhar um dos três pratos que ela sabia cozinhar e dormir cedo como uma pessoa normal, para uma vez na vida começar o dia com o pé direito, só para variar.

O problema é que ela não era o tipo de pessoa que gostava da própria companhia. Quando mais jovem, ela sempre quis casar e ter pelo menos quatro filhos... Casa cheia, sinônimo de não solidão... Tudo o que ela mais queria na vida.

...

Isshin saíra do escritório de Yamamoto com as orelhas maiores do que o normal.

Não é que ele esperasse que o velho fosse lhe dar as boas vindas com abraços e afagos, mas seus gritos eram ensurdecedores.

Parte dele sabia que merecia isso. Mas, outra parte não se arrependia nem um pouco de sua escolha.

Era estranho estar pisando naquele lugar de novo, depois de tanto e tantos anos. Uma sensação de nostalgia o preencheu. E uma vontade de andar por aquele lugar, rever as pessoas, relembrar tudo o que deixou para trás...

Ah, quer saber? Ele só queria um pouco de companhia.

Foi quando ele a viu, tão solitária e perdida quanto ele.

...

Matsumoto bem que havia tentado, mas o dono da mercearia, não quis vender fiado para ela, nem ela mostrando seu lindo decote.

Francamente, ela tinha perdido o pouco de sua dignidade, mesmo.

— Boa noite, Matsumoto. – A mulher sentiu um arrepio subir por sua espinha, quando inesperadamente Isshin materializara-se ao seu lado.

Aquele cheiro tão característico, aqueles olhos, aquela presença, lhe arrebataram tudo de uma vez, tornando suas pernas repentinamente trêmulas. Ainda assim, ela lhe sorrira.

— Oh, a quanto tempo, Shiba-sama. – O honorífico deslizara por sua língua, de um modo diferente, quase como uma provocação.

— Oh, vamos Rangiku-chan, não sou mais seu chefe e ainda somos velhos amigos... – O homem dissera lhe dando um sorriso genuíno.

Ai que a mulher retribui, com um sorriso mais discreto.

— Se você diz... – A mulher falara deslizando suas mãos por sua mecha. – Não teria como me emprestar quarenta moedas de bronze, para pagar o jantar? -  A mulher dissera balançando a sacola diante dos olhos do homem, ela estava com as bochechas vermelhas e ele ficara com uma gota na cabeça.

...

— Arigatou... -  A mulher murmurara, enquanto caminhava ao lado do homem. – Prometo que lhe pago na próxima semana... – Matsumoto murmurara com as bochechas rubras, sua vida financeira era uma das coisas que ela precisava organizar, o quanto antes. Aquela vida de bebedeira e compras compulsivas estava findando seus parcos recursos.

— Hum... Eu tenho uma ideia melhor... – Foi a vez de Isshin ficar vermelho. – Não quero que soe indelicado da minha parte, mas adoraria jantar com você essa noite... – Isshin dissera virando o rosto para o lado constrangido.

A mulher teve vontade de rir, da figura de seu ex-taichou, cheio de dedos ao seu redor. Mas, pensando bem, ela estava hesitando em ir para casa, porque não tinha companhia...

— Tipo, você paga o jantar e eu cozinho? – Matsumoto murmurara cruzando os braços, em tom zombeteiro.

— Er... Eu me encarrego da sobremesa. – Isshin dissera sem querer olhando em demasia para os seios de Matsumoto que por sorte, não reparou na sua mancada.

— Nada disso, você se encarrega da louça... Isshin-sama! – Matsumoto dissera em tom provocante.

— Eu me encarrego do que você quiser, Rangiku... Desde que me chame apenas de Isshin! – Ele dissera lhe oferecendo cordialmente o braço.

...

Era impressionante que quase vinte anos haviam se passado e pouca coisa havia mudado nas ruas do Gotei.

— Sentindo-se nostálgico? – Matsumoto perguntara, notando o olhar do homem.

— Um pouco. – Ele admitiu em voz baixa.

Ele achou que ela fosse dizer alguma coisa, mas ela não disse nada. Mas, seu olhar mesmo encoberto pela escuridão da noite, lhe dissera tudo.

— Você deve se perguntar por que eu fiz o que fiz, não é mesmo? – Ele perguntara sentindo o corpo da mulher estremecer, e seus dedos apertarem com mais força o seu braço.

— Isshin, eu não tenho que me perguntar nada... Eu sempre fui apenas sua fukataichou... – Matsumoto dissera com mais frieza do que pretendia.

— Negativo, você sempre foi importante para mim, Rangiku... – O homem começara a falar, mas ela soltara seu braço.

— Veja, chegamos, Isshin... – A mulher dissera apontando para uma casa que parecia exatamente igual a todas as outras que havia naquela rua. Mas, daquele dia em diante, aquele lugar seria especial, porque era o lugar onde Matsumoto morava...

Isshin, calara-se, porque entendeu que ela ainda não queria ouvir suas desculpas.

...

— Por favor, não repare a bagunça. – Matsumoto dissera fazendo um gesto para que ele entrasse.

Ela o seguiu após tirar os calçados, assim como ele.

Sua casa era bem pequena, um tanto desorganizada, mas de algum jeito parecia acolhedora aos olhos do homem.

Ele sentou-se no sofá, cor de vinho, seus olhos foram atraídos para a cortina branca, com corações vermelhos.

— Fique à vontade, Isshin. – Matsumoto dissera um tanto desajeitada, fazia algum tempo que ela não recebia visitas, por isso ela estava um pouco enferrujada, nesse lance de ser anfitriã.

Depois de lavar as mãos e prender o cabelo, a mulher colocara o avental, e começara a trabalhar no jantar, ciente que os olhos do homem haviam sido capturados pela sua figura.

— Ainda, gosta da Shimeji? – A mulher perguntou educadamente.

Os olhos do homem brilharam, por acaso aquela era a sua comida favorita.

— Sorte sua que essa é uma das poucas coisas que eu consigo cozinhar que fique comestível. – A mulher disse enquanto separava os ingredientes.

— Ah, não diga isso... – O homem dera uma risada baixa. – Pelo menos você cozinha e eu que dependo das habilidades culinárias da minha filha de dez anos?!

O homem tentara empregar bom humor em sua fala, mas por algum motivo aquilo não funcionara.

— Yuzu é adorável... – Matsumoto dissera sentindo um friozinho em seu peito. Ela sabia que parte disso era o seu desejo insondável, de um dia ter uma criança para chamar de sua também. – Seus três filhos são adoráveis, para dizer a verdade. Até mesmo, Kurosaki-kun... Com aquele jeitão dele... – Matsumoto dissera após alguns instantes de silencio.

— É, eu tive muita sorte... – Isshin dissera aproximando-se da mulher, que se encontrava em sua minúscula cozinha.

— Bons amigos, bons filhos, uma boa esposa... – Matsumoto o sentira farfalhar em suas vestes, havia algo em sua presença que lhe causara um profundo arrepio. Suas palavras saíram bem ponderadas, ainda assim, aquela última palavra, por algum motivo lhe trouxe um pesar inesperado.

Afastara aquele pensamento, prestando atenção no barulho da água da torneira que ele estava usando para lavar as mãos.

— Mas, meus amigos têm seus próprios afazeres, meus filhos estão crescendo e minha esposa está morta... – Isshin dissera fitando o pedaço de céu que conseguia enxergar por aquela janela.

— E você está sozinho... – Matsumoto dissera lhe passando os cogumelos, ela teve que abrir a torneira para que ele atinasse a lavá-los.

Mas, Isshin não prestou atenção nos cogumelos e sim naqueles profundos olhos azuis o encarando com profundidade.

— Hai. – Ele dissera, um tanto hesitante.

Ele esperara Matsumoto dizer alguma coisa, mas ela começara a trabalhar silenciosamente no jantar.

Ele ajudara em uma coisa e outra, mas a fleuma da mulher não era das melhores. Ela havia ficado chateada, por algum motivo.

...

— Se quiser colocar a mesa... – Ela sugeriu depois de perceber que o homem estava parado encarando-o atentamente.

Ele considerou ir embora, talvez estivesse sendo inoportuno. Mas, ao mesmo tempo ele queria muito ficar ali, desfrutar da companhia de Matsumoto, de todas as pessoas que até então, haviam ficado no passado... Era providencial demais que o destino estivesse colocando justamente ela em seu caminho.

...

Em seu tempo de capitania, ela sempre foi sua subordinada. E ele preferia cortar um testículo fora do que fazer qualquer coisa que parecesse desrespeitosa. Mesmo, ele sabendo o quanto a mulher o atraia... E, não era por causa de sua beleza apenas. Nem pelos seus dotes físicos de encherem os olhos.

Matsumoto assim como ele era uma criança grande, só que com o coração mais sensível do que ele jamais poderia sonhar em ter. Mas, desde aquela época Ichimaru havia sido uma sombra. Uma sombra que naquele tempo não tinha nome, mas ela sempre pairava sobre seus olhos e levava embora seu sorriso.

Isshin, então empenhava-se em fazê-la sorrir de novo. E, assim até o dia que ele partiu para uma missão e não mais retornou... Agora, ele a reencontrara e a pergunta que não queria calar...

— Para onde foi o seu sorriso?— O homem falara alto demais, no mesmo instante que ela vinha trazendo o prato.

Perplexa, ela deixara a tigela cair no chão. Isshin conseguira capturar o objeto no ar, mas gemera alto quando o calor dela queimou suas mãos.

 _ OMG, solta isso, Isshin... – Matsumoto dissera recuperando o guardanapo, e tirando o prato até a mesa.

Passada a comoção, Rangiku não sabia se ignorava, se chorava, se dava um soco ou se simplesmente, ria da cara que Isshin fazia.

— Are, já passou... – Ela dissera o puxando na direção da varanda, a brisa da noite sacudiu seus cabelos e ele pode sentir o seu perfume, atiçar o seu olfato... Percebera assim que aquele foi um cheiro que ele nunca esqueceu, nem um único dia de sua vida.

Ela por sua vez, sentira o cheiro de chuva. Aquela umidade providencial para amortecer o calor, era muito agradável aos seus sentidos.

— Não gosto de chuva... – Isshin murmurara, lembrando-se sem querer do fatídico dia que a morte levou Masaki.

— Eu gosto... – Rangiku dissera num dar de ombros. – Desde que tenha boa companhia. – Ela tornou a falar com simplicidade, mas havia traços de uma rara timidez ali presente, que lhe dava um charme ainda mais especial.

— Pensei que eu não fosse uma boa companhia. – Isshin dissera buscando seu olhar.

— É, claro que é. – Ela dissera aquilo rápido demais. Baixara os olhos, mortificada. Para Isshin aquilo chegava ser engraçado, nunca pensou que Rangiku pudesse ficar assim perto dele. Mesmo assim, ele preferia as risadas e o deboche que outrora fora uma constante entre eles, mas que agora havia sido perdido, por um motivo muito simples: a falta de convivência.

— Então, para onde foi seu sorriso? – Isshin perguntara, atrevendo-se a tocar uma mecha de seu cabelo.

— Você levou embora quando foi embora. – Ela disse num impulso. – E, também outra pessoa. – Sua voz saiu num gaguejo.

— Sabe? Seria mais simples, se eu pudesse dizer: agora estou aqui e tudo resolvido. Mas, sei que nada é simples... Demo, mesmo assim eu insisto em dizer estou aqui, Rangiku. Vinte anos não me fizeram um homem melhor, nem um pouco mais esperto, mas ainda tenho seu velho ombro amigo aqui se você quiser chorar e uma dúzia de piadas ruins do tipo que só você consegue achar graça, porque só você entende... – Ele tornara a falar pausadamente, escolhendo muito bem cada palavra.

— Are, para de falar. – Matsumoto dissera repentinamente. – E, me abraça de uma vez. – Ela dissera com os olhos marejados.

Isshin não se fizera de rogado e a puxara na direção de seus braços, e foi como se toda a sua solidão tivesse ido embora.

— Estou sozinha. – Ela dissera com a voz baixa.

— Agora, não mais. – Ele falara deslizando a língua pelos seus lábios, temeroso de estar dizendo mais do que conseguiria cumprir.

— Isshin, como era aquela piada da galinha que queria um penico? – Matsumoto perguntara repentinamente.

— Hm?! – O homem arqueou a sobrancelha, mas acabara desmanchando-se em um sorriso, quando vira o rosto de Matsumoto, antes nublado pela tristeza, ter o resquício do que poderia ser um sorriso...

E, assim eles sentaram-se na mesa e partilharam piadas ruins, histórias desgastadas e risadas por motivos que somente eles dois entendiam. Mas, a familiaridade do momento aquecera seus corações e abrira os seus horizontes, em especial da mulher que pela primeira vez em muito tempo sentiu-se orgulhosa de si mesma, por não ter desistido da vida, de ter continuado a lutar por seu final feliz que por sinal ainda era uma incógnita.

Então, para coroar aquele dia, os pingos das chuvas começaram a bater no telhado e eles sentaram-se lado a lado, com uma coberta em torno de seus ombros, observando a chuva que caia pela estreita janela.

Isshin continuava não gostando de chuva, mas uma boa companhia muda tudo. Matsumoto, continuava não gostando do silencio, mas o silencio na companhia daquele homem, valia mais do que mil palavras.

Antes que se desse por conta, ela havia adormecido em seu ombro.

Isshin hesitara muito, mas a pegara no colo e a levara para a cama. A chuva continuava tamborilando no telhado. Se saísse dali agora, ele tomaria um banho e provavelmente ficaria doente, o que daria trabalho para seus filhos.

Essa foi a desculpa que ele encontrou para ficar, ainda assim, ele resistiu a tentação de aconchegar-se na cama com Rangiku, pois sabia que ainda era cedo.

— Rangiku-san, empresta-me o seu sofá, somente esta noite... – O homem dissera ajeitando-se como pode no sofá com o cobertor que eles compartilharam instantes antes, o cheiro dela estava ali, e foi delicioso dormir com ele pertinho.

...

Na manhã seguinte, quando abrira os olhos a chuva continuava a cair.

Isshin fora o primeiro a abrir nos olhos, mas não conseguira mexer-se.

Estava com um peso sobre seu dorso.

— Rangiku-san... – O homem murmurara vermelho como um tomate.

O semblante da mulher parecia tão sereno, mas seus gemidos a despertaram.

— Hm. Ainda é cedo. – Ela falara baixinho, esfregando os olhos, estando tão adorável daquele jeito, sobretudo para seu amiguinho que estava dolorosamente ereto.

Maldição, ele teria de cortar seus testículos desse jeito.

Ele dissera amargurado com esse pensamento.

— Gomensai... – Ela disse com a bochecha vermelhinha.

— Hm. Foi um prazer ser seu colchão. – O homem dissera sentindo sua coluna protestar, definitivamente ele daria trabalho para seus filhos, já que era um tantinho incomodativo quando estava doente ou com dor.

— Gomensai, eu não gosto de trovões... – Matsumoto dissera, apertando os lábios quando vira um sorriso de canto desenhar-se no rosto do homem.

Era óbvio que aquilo era desculpa.

Então, sem aviso ela aproximara seu rosto do homem, que arregalara os olhos, sobretudo quando a mulher aproximara seus lábios dos dele...

— Deixo, claro que não serei nenhum prêmio de consolação... – Foi a vez da mulher ponderar as palavras.

Então, Isshin tivera vontade de rir, mas mantivera-se sério. Queria lhe transmitir segurança para o que quer que ela estivesse planejando.

— Não poderia ser diferente. – Ele disse com certa solenidade.

Então, ela desmanchara-se em um lindo sorriso e o beijara.

Certo que ele teve de fazer um esforço para não descer seus lábios pelo seu pescoço e... Afinal, memórias dizem muito do passado, mas elas podem ser um trampolim para o futuro, e o que dependesse dele, ele estaria ali para manter seu sorriso... E, ela para afastar sua solidão.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela leitura e até o próximo.



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