Holy ground escrita por tardigrade j


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Olá, essa música me desperta todo tipo de pensamento agradável, espero que essa one faça o mesmo com quem ler hehe



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Suspeito que todos cultivem a expectativa de que eu te odeie, porque toda vez que seu nome aparece na conversa minha melhor amiga revira os olhos e a garota que me conhece há algum tempo aperta o guardanapo e desvia o olhar, como quem tenta empurrar o constrangimento de um assunto delicado para longe. E você pode sentir no ar e na toalha branca da mesa de jantar e nos quadros e na taça de vinho pela metade bem em minha frente a espera, a espera de que eu vá derramar as palavrinhas que darão início a um debate fervoroso:

"Bem… ele realmente era um cretino"

E então elas despejariam sobre a mesa e sobre a salada de ervilhas e sobre a porcelana todas as opiniões que elas haviam mantido para si por todo esse tempo. Veja só, seu cabelo era estranho, o maxilar mais largo que o necessário, o nariz tinha seus defeitos e nem sempre você conseguia controlar a atitude de quem sabia muito sobre o mundo. Mas veja só, eu nunca derramo as palavras.

Não porque você não era um cretino; mas porque nós estávamos nesse restaurante no coração dessa cidade grande ao lado do café que fomos quando nos esbarramos, e então eu comecei a pensar no seu guarda-chuva atravessando a faixa de pedestre com o sinal fechado, e eu lembrei que você me puxava como se não houvesse mais ninguém pela rua.

A cidade gritava em nossa defesa quando tropeçávamos nas piadas internas que haviam recém criado vida, seu braço ao redor da minha cintura enquanto tirávamos sarro dos homens em seus ternos elegantes, apressados em seus trajetos para fazer dinheiro. Não havia autoridade nenhuma capaz de interromper nosso curso natural, muito menos os mau humores nos rostos dos civis exaustos. Nós achávamos que podíamos viver para sempre neste poema improvisado.

Talvez aquela pipoca que compramos no caminho não tenha caído muito bem, é verdade, mas eu ainda me divirto em lembrar que você encharcou seus sapatos numa poça de água enquanto discursava sobre o óculos esquisito que você usava na infância e enquanto contava sobre os discos que você venerava. E talvez eventualmente você tenha, de fato, se tornado o tipo de cara que eu deveria evitar mas houve esse momento na história que apenas nós conhecemos onde eu me sentia confortável como num vestido novo, onde pela primeira vez eu sentia como se tivesse algo a perder – e quem pode decretar hoje que tudo isso não foi... bom?

Eu terminei minha taça com os lábios selados, sem derramar nenhum gatilho na mesa e eu cheguei em casa meio torta, tateando pelo interruptor por um tempo vagaroso. A bolsa cedeu no carpete, as chaves caíram em um lugar que eu descobriria apenas no dia seguinte quando se fizesse necessário, e meus pés que fizeram um excelente trabalho em se livrar dos saltos que apertavam meus mindinhos me guiaram até a sacada como se houvesse mais pelo que olhar do que quando eu saí.

Os pensamentos flutuavam em minha cabeça enquanto as luzes dos prédios acesos orquestravam com as estrelas para formar esta constelação desengonçada e bonita; e no fundo da minha mente a música que ouvimos dividindo um fone que hoje só funciona um dos lados toca baixinho como se me puxasse de forma tímida para uma dança também tão desengonçada e bonita quanto as luzes do lado de fora.

E você era o tipo de cretino que me puxaria para uma dança tímida, e me puxaria para perto, e beijaria o topo da minha cabeça e me faria gargalhar com muito pouco. E nossa história criou poeira como toda história de amor curta demais, e nos despedaçamos numa trajetória já comum, e as coisas vieram e foram embora e não houve sequer a possibilidade de eu me arrepender de qualquer coisa – e é por isso que eu nunca despejo as palavras.

E é por isso que hoje à noite eu vou dançar meio torta, fazendo roxos pelo corpo enquanto tropeço em objetos que minha visão turva não é capaz de processar, e vou dançar por toda piada interna, e por todo café e por todo sinal fechado que atravessamos; e eu vou dançar me agarrando a ideia de que você faz o mesmo a quilômetros daqui, apenas porque seria decepcionante demais não estar dançando com você.

E é por isso que no fim, quando minhas pernas já estiverem exaustas, eu vou sentar na sacada novamente e observar as ruas pelas quais passamos e os sons que preenchemos com declarações apaixonadas e eu vou ter certeza: essas ruas são solo abençoado.


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Notas finais do capítulo

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