nictofobia escrita por all the forgotten stars


Capítulo 2
Stalker




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MESMO à noite, Nova Iorque nunca dormia.

Essa havia sido uma das primeiras coisas que Sophia havia aprendido quando chegou. Nova Iorque era um aglomerado de pessoas que parecia mais uma entidade do que uma cidade, exalando uma energia própria que cidade nenhuma no mundo tinha. Não havia silêncio, nem momento nenhum de paz; o tempo todo a cidade se movimentava, se expressa, se reinventava.

Sophia achava, no auge dos seus quinze anos, que jamais deixaria de se surpreender com o quão magnífica Nova Iorque podia ser. Não era de se estranhar que aliens escolhessem justo ali para chegar à Terra.

Ao mesmo tempo, ela não podia odiar mais o maldito lugar. Tudo ali era diferente de casa, afinal Sophia havia crescido em uma cidade esquecida no meio do Texas, e garotas do Texas não eram exatamente parecidas com as nova iorquinas.

Mas, surpreendentemente, havia algo que Sophia adorava em Nova Iorque: Ali, era terrivelmente fácil de se esconder.

Naquela maldita cidade, onde as pessoas sonhavam e sonhavam em meio à uma selva de pedras, as sombras estavam por todo lado; estendiam-se impetuosas, criadas por arranha-céus e outdoors, estavam nas casas, nas festas e nas grandes empresas. Por todo lado, era fácil ver a escuridão, e o que era Sophia se não a própria?

Era fácil demais escorregar para a sensação única que era pertencer à escuridão. Durante anos – os quinze anos em que vivera no Texas – aquela tinha sido a única amiga que Sophia tivera. O escuro guardava todos os segredos dela.

Sophia havia percebido a facilidade em cair em velhos hábitos no momento em que pisara em solo nova iorquino. Faziam então três meses, e há exatos três meses os boatos corriam pelas ruas e jornais – eles a chamavam Nix, um fenômeno mais que uma pessoa, que corria pelas ruas, ajudando contra crimes aqui e ali. Era mais um passatempo do que qualquer outra coisa – Sophia não tinha a mínima intenção em ser uma heroína – e era gratificante porque às vezes alguém, feliz por estar à salvo, expressa gratidão e felicidade por ela existir.

Ninguém gostava de Sophia como Sophia, mas Nix era uma história, um conto-de-fadas um tanto macabro e que rondava a internet e as ruas de Nova Iorque. Por alguns minutos, Sophia podia sentir o gosto de alguém realmente estar interessado nela.

E, claro, era um jeito de fazer um mundo escuro e cruel demais um pouco melhor. Sophia havia experimentado o quão cruel as pessoas podiam ser em primeira mão – afinal, embora quase ninguém soubesse de Nix e das estranhas habilidades que a garota guardava, ela era um alvo fácil de olhares e piadas.

Sophia Villeaux era albina. Claro, para muita gente isso podia não significar muita coisa; mas ela era diferente, e o mundo nunca era gentil com quem quer que seja que fosse diferente. Especialmente com garotas de quinze anos – que se espera serem bonitas, fúteis e barulhentas, usando maquiagem e saias curtas, fofocando sobre garotos e fazendo festas do pijama.

Sophia não tinha saias – afinal, ela nunca teria pernas bonitas e bronzeadas – e duvidava que algum dia ela teria alguém para fofocar, quanto mais algo sobre o que fofocar. Garotos pareciam achá-la algo nojento, quase como se a despissem de todas as características que a definiam como uma garota.

Ela não era atraente, nem legal, nem surpreendente bonita; e duvidava que algum dia seria. Portanto, quase ninguém gostava de Sophia Villeaux – mas as pessoas adoravam heróis, e Nix era mais ou menos isso.

No entanto, não importava o quanto Sophia se esforçasse como Nix, ainda havia sua vida como adolescente – onde ela precisava ir à escola e lidar com todos os problemas que isso trazia.

E escola era onde ela se encontrava. Sophia frequentava a Whitehood High School, uma escola no Queens – e que sua mãe costumava dizer ser a melhor da região. Era uma construção recente e moderna, com janelas grandes e corredores bem iluminados. A especialidade ali era formar alunos para grandes universidades, como Sophia sabia, mas ela não tinha certeza se conseguiria entrar em alguma coisa. Ela não era nenhum gênio e, embora suas notas não fossem ruins, também não eram as melhores da turma.

Além disso, embora escrevesse muito bem – um fato que muitos professores gostavam de lembrá-la – Sophia não tinha confiança o suficiente para tentar o jornal da escola ou qualquer outra coisa. Claro, ela achava as líderes de torcida incríveis – mas ela duvidava que seria aceita ou que um dia conseguiria usar aquele uniforme sem parecer ridículo.

Em geral, Sophia não se qualificava como uma nerd por não ser esperta o suficiente, tampouco era popular porque ela simplesmente não era bonita o suficiente, nem era atleta, ou boa em qualquer coisa que a colocasse em algum grupo. Sophia era Sophia, entediante e silenciosa, sempre passando despercebida.

Isso não fazia da escola menos pior.

A maioria das pessoas apenas a ignorava. Haviam aqueles, claro, que sentiam prazer em chamá-la por diversos apelidos, e, por fim, haviam aqueles que eram gentis por pura pena. Era o próprio inferno. Mesmo assim, nenhuma vez Sophia reclamou – sua mãe fazia um esforço imenso para mantê-la ali, então não era justo jogar tudo para o alto.

Todas as vezes em que Clara perguntava para Sophia sobre a escola, a resposta era apenas um “legal”. Ela nunca reclamava. Nunca.

A escola era terrível. Mas, ao menos quando Clara se atrasava para sair do hospital, e, consequentemente buscá-la (o que era sempre preferível, já que o sol podia literalmente causar um câncer de pele em Sophia antes dos vinte anos), isso significava um tempo a mais como Nix. Ela sempre podia usar a desculpa de que ficava na biblioteca uma ou duas horas mais, para que o sol começasse a se pôr e fosse mais seguro voltar para casa sozinha.

Isso, claro, era uma grande mentira, mas Sophia era uma boa mentirosa.

Quando o sinal indicou o fim da aula, ela colocou a mochila nas costas e caminhou de cabeça baixa pelos corredores barulhentos da Whitehood; Sophia odiava aquele barulho. Era uma tarde gelada de outono, sua época favorita do ano depois do inverno, e, como Sophia esperava, sua mãe não estava a esperando fora da escola.

Ela continuou andando para fora da escola, até encontrar um dos muitos becos que haviam ao redor de Whitehood – muitos alunos costumavam se esconder naqueles lugares para fumar, beber ou sabe-se lá o que (Sophia preferia não pensar no tipo de fluído que deveria haver naquele lugar), e que era o mais escuro que ela poderia encontrar. Depois de checar um par de vezes que ninguém a estava seguindo – alguns imbecis pareciam achar divertido segui-la e chama-la de aberração na rua – ela jogou o capuz do moletom das costas, e fechou os olhos.

Um segundo depois, Sophia havia desaparecido.

Era uma sensação única. Nas sombras, era sempre gelado – por isso ela gostava tanto dos moletons – como se ela estivesse dentro de uma geladeira. Era, também, como observar o mundo através de um véu escuro e semitransparente, do qual a própria Sophia fazia parte – seu corpo se transformava em pura escuridão, dançando ao redor dela, e ela podia se mover livremente.

Parecia que ali não haviam leis da física.

Então, ela seguiu. Claro, as sombras tinham seu limite. A regra era clara: se havia luz, Sophia não podia passar. Era como se uma barreira à limitasse aos locais mais escuros, mas ela podia saltar de um local claro para um que estivesse escuro – ela só não podia caminhar de forma invisível como podia na ausência na luz.

Era difícil explicar o que ela sentia. O mais incrível era a sensação de invulnerabilidade, onde nada nem ninguém podia machucá-la – ninguém podia vê-la. E isso era a melhor coisa da vida toda de Sophia.

Ela saltou para o próximo beco, exatamente como se pulasse, e então para o próximo, e para o próximo, e assim por diante, escutando e observando por entre as sombras o que as pessoas faziam – Sophia naturalmente gostava de observar.

Agora, uma pausa para uma das únicas coisas que Sophia realmente amava sobre ter vindo para Nova Iorque: haviam mais pessoas como ela.

Sophia já havia ouvido falar deles. Haviam os Vingadores, os mais poderosos heróis do mundo, e nenhum deles era exatamente normal. Mas até então, ninguém como ela estivera tão perto. Luckenbach não tinha heróis. Não tinha pessoas com superpoderes.

Mas Nova Iorque tinha.

Da janela do quarto dela no novo apartamento, ela podia ver ao longe da torre Stark – a torre dos próprios Vingadores. Claro que ela duvidava que eles passavam muito tempo ali; ela ouvira sobre o Capitão América e a HYDRA em DC. Mas ao menos o Homem de Ferro estava na mesma cidade que ela – e, embora não houvesse semelhança nenhuma entre eles, era bom saber que havia alguém, no mundo todo, que entendia o que era ter responsabilidade por ser diferente.

E então haviam os vigilantes. Na primeira semana ali, ela havia ouvido as garotas escola falarem sobre o Homem-Aranha – algum garoto que se balançava em teias usando uma roupa esquisita que mais parecia um pijama do que qualquer outra coisa. Sophia supunha que ele era como ela, afinal seres humanos normais não se parecem com aracnídeos.

Mas ninguém sabia quem o Homem-Aranha era, e esse era um problema. Porque se havia algo que Sophia buscava a vida toda, era se sentir pertencente a algum lugar. E ela queria conhecer alguém como ela.

Então, enquanto nada acontecia, normalmente ela procurava. Saltava por onde ele costumava estar, observava, silenciosa como uma sombra. Sophia era uma stalker— bom, acho que aquilo fazia parte do pacote loser que ela adotava.

Claro, não era porque ela queria um amigo nem nada do tipo. Mas Sophia só queria ver alguém como ela, porque isso era importante – para ela, saber que havia mais alguém que, de alguma forma, não era completamente humano era ter a certeza de que ela estava sozinha.

Até então, ela nunca havia tido a sorte. Até a quinta-feira.

***

PETER PARKER era a maior definição de nerd que você puder imaginar.

Ele gostava de filmes, HQs e jogos. Construía computadores. Era estranhamente bom com números e sabia um monte de fatos inúteis dos quais ele se lembrava sabe-se lá porque. Peter também não tinha muitos amigos, nem uma namorada e nunca havia ido à uma festa na vida.

Mas Peter Parker era, também, o Homem-Aranha.

Claro que essas duas coisas muitas vezes não se ajustavam muito bem. A vida como adolescente era caótica o suficiente sem um meio-período como vigilante; mas é claro que Peter Parker, a partir do momento que obteve poderes, não poderia continuar sendo só um nerd.

Obviamente ele sabia que não haviam tantas pessoas assim como ele. Peter já havia ouvido falar os justiceiros espalhados pela cidade, como Daredevil, mas nenhum deles era como Peter. Nenhum deles era apenas uma criança tentando fazer o que quer que fosse; e Peter nunca se recusava. Mesmo que fosse algo aparentemente estúpido, como tirar um gato de uma árvore.

Afinal, Peter Parker queria fazer tio Ben orgulhoso. Aquele ponto, isso era quase um instinto básico, uma segunda pele que o fazia continuar todos os dias; mesmo quando as coisas ficavam ruins, e Peter voltava realmente dolorido para casa.

Em algum lugar, alguém agradecia que o Homem-Aranha existia, e isso era algo que realmente importava. Então, todos os dias, quase religiosamente, Peter estaria se balançando por Nova Iorque após a escola, sempre de olho, sempre atento.

Muitas vezes, era até divertido. Afinal, ele não era nenhum Vingador – ah, e como deveria ser incrível ser um! – Mas Peter gostava de pensar que o Homem-Aranha era bem legal também.

Aquela quinta-feira era, supostamente, para ser só mais uma. Ele ficaria fora de casa um pouco, e voltaria à tempo de fazer o dever de casa de álgebra que havia postergado a semana toda. Era um plano perfeito. Até mesmo Nova Iorque parecia estar cooperando – a cidade andava estranhamente pacífica.

Essa foi a primeira vez que Peter Parker veria sua nova colega nas ruas.

É claro que ele já havia ouvido falar dela. Chamavam-na Nix, como a deusa grega da noite, mas haviam tão poucas fotos ou vídeos que era difícil acreditar que a heroína era real. Parecia mais com algum novo hoax ou material para fanfic – apenas se tinha certeza que era uma garota porque em uma das poucas fotos, a silhueta nas sombras tinha o formato de um corpo feminino.

Mas ninguém sabia quem era ou de onde Nix surgira. Ela apenas aparecia, envolta em sombras, e desaparecia logo em seguida; não havia um padrão, e ela podia agir não apenas em Nova Iorque, mas em toda a região. Nem todos os dias havia algo sobre ela; normalmente a garota desaparecia por dias, até aparecer em algum canto novamente.

Peter tinha uma sensação estranha todas as vezes em que via fotos daquilo. Era como se o sentido aranha realmente estivesse enlouquecido.

Naquela quinta-feira, pendurado em algum arranha-céu que Peter não tinha certeza do nome, ele observou pelo canto do olho a sombra se forma. Era como serpentes dançassem no ar, se enroscando em volta de seus corpos negros e difusos, formando um padrão delicado ao redor da figura que se formava. De longe, tudo que Peter via era que Nix, quem quer que fosse, era uma garota baixinha, usando uma mochila nas costas, rodeada de algo que não era natural.

Peter Parker era bastante corajoso, obrigada. Mas aquela coisa fazia algo muito complexo se revirar dentro dele, um medo antigo e inexplicável, e a sensação de que ele precisa fugir. Por um segundo, a garota levantou a cabeça. O capuz da blusa de moletom que ela vestia era muito grande, mas Peter podia saber que estava sendo observado – era difícil distinguir os traços da garota, mas ele podia sentir os olhos dela queimando buracos em sua roupa.

Um segundo depois, ela desapareceu.

Era melhor voltar logo para casa.


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Notas finais do capítulo

Algumas notas sobre Sophia Villaeux:
— Ela não age como uma pessoa "normal". Sophia foi exposta a bullying, a poderes sobrenaturais e a um monte de **** por ser quem ela é, ponto. Ela é socialmente deslocada e não tem amigos, e sua única interação social constante e não agressiva é a mãe. Logo, embora Sophia não seja nenhuma sociopata e nem queira machucar ninguém, o tato social dela é o de uma criança. Ela sempre vai agir esquisito.
— Sophia possui umbrakinesis - isso é, ela manipula a escuridão. Claro que os poderes dela são pouco desenvolvidos porque ela nunca foi treinada apropriadamente, nem teve a chance de experimentar muito, então o máximo que ela consegue, por hora, é se teletransportar para as sombras e ficar invisível nelas.

***EU NÃO REVISEI ISSO AQUI**** se alguém encontrar erros me avisa, por favor.