O Poema escrita por DanizGemini


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Esta é a minha primeira história original, fora do fandon de Saint Seiya (universo das minhas fanfics), então peço paciência aos leitores! Correções e críticas são muito bem vindos!

Um tema forte é abordado, mas não há nada gráfico. Considero a leitura tranquila.

Como se trata de uma história original fiz um pequeno perfil para os personagens:

Kenji: Não houve nenhum personagem específico que eu utilizei para imaginá-lo. Apenas pensei em um jovem oriental um pouco ingênuo e com um excelente coração. Já a aparência dele foi baseada no ator Takeru Sato (vocês vão ter que usar o google para vê-lo já que não consigo colocar fotinhas aqui)

Henry : Foi fortemente inspirado no personagem Benny da série global “Queridos Amigos” que por sua vez foi inspirada no livro “Aos Meus Amigos” de Maria Adelaide Amaral. Benny é um homem bem mais velho, provocador e autodestrutivo. Peguei um pouco da sua rebeldia e cinismo emprestados para Henry, além da história da infância. Benny foi interpretado pelo ator Guilherme Weber, imaginei a aparência dele na minissérie para o Henry, imaginando, é claro alguém bem mais jovem.

Sr. Lienson : Foi baseado no no Mr. Peterson, um complicado professor de literatura que apareceu em alguns episódios do seriado Dawson´s Creek

Agradecimento: Á Theka Tsukishiro : Pela leitura, comentário, correções e incentivo. Muito obrigada!



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Estávamos no último ano do Colégio Saint Klaus, um dos mais tradicionais de São Paulo. A proximidade do vestibular enlouquecia a maior parte dos alunos, inclusive eu.

Sou Kenji Miyamoto e tinha 17 anos. Iria prestar para Arquitetura. Meu pai é engenheiro formado pela USP e tem sua própria empresa Um negócio pequeno, mas rendia bons frutos. Meus dois irmãos mais velhos também são engenheiros, o orgulho do meu pai. Inicialmente, ele não gostou da minha opção por Arquitetura, mas acabou me apoiando.

Meus irmãos não puderam frequentar escolas tão boas e ralaram no cursinho. Porém, com o sucesso da empresa, meu pai fez questão de me matricular no melhor colégio quando entrei no oitavo ano. Por isso passar na faculdade direto era extremamente importante para mim.

Me atrasei para o intervalo, pois tinha que terminar de copiar a gigantesca lousa com cálculos. Finalmente saio, cansado. 
Encontro Henry sentado embaixo de uma árvore, num canto afastado. Ele está segurando displicente um cigarro, ainda apagado.

— Você não é louco de acender isso! 

— Relaxa japonês! Você acha que permitiria que fossemos pegos? - Ele responde com um sorriso sacana.

Henry era meu melhor - e um dos únicos - amigos que tinha na escola. 

Mesmo com o uniforme tradicional do Colégio, Henry tinha um incorrigível ar rebelde, apesar dos traços delicados. Seus cabelos loiros muito claros curtos estavam sempre um pouco desalinhados. Os olhos muito azuis, penetrantes. Possuidor de uma linguagem ácida, não fugia de uma discussão, até com os professores, para defender seus pontos de vista, frequentemente pouco ortodoxos. Os mestres dividiam suas opiniões. Alguns o achavam um jovem brilhante. Outros um arrogante, sem limites. Henry tem paixão por matérias como filosofia, história, literatura e alemão, tendo boas notas nelas, sendo mediano nas outras, apesar do seu profundo desagrado pelas disciplinas de exatas.

Dizem que antes de eu chegar ao Colégio, Henry vivia sozinho e não se importava com isso. Começamos a nos falar por acaso, quando um professor nos colocou em dupla.

Nenhuma tentativa de bullying parecia surtir efeito com ele. Alguns garotos gostavam de fazer piadinhas sobre sua sexualidade, talvez pelo seu péssimo desempenho no futebol ou por adorar poesia. Henry apenas os ignorava, passando ao lado deles de cabeça erguida e nariz empinado, como se nada escutasse. Aos mais insistentes, reservava o veneno da sua língua.

Entretanto, ele sempre se mostrou atencioso comigo. Quando íamos fazer trabalhos na minha casa ele se mostrava refinado e gentil, para encanto de minha mãe.

Henry não falava da família. Mas consegui algumas informações. Ele é filho único. Seu pai foi um aluno ilustre do Saint Klaus e hoje é um militar aposentado de alta patente policial. Só soube porque nosso professor de matemática, uma vez comentou ao entregar seu teste que não entendia como o filho do grande Coronel Roth podia ter um desempenho tão medíocre ( assim que eram considerados os resultados dos alunos que ficavam apenas na média). Henry apenas lançou-lhe um sorrisinho cínico. Sua mãe é descendente de alemães e lhe ensinou o idioma.

Henry é reservado quando o assunto é sentimentos. Diferente de mim, que já tinha vivido diversas paixões - platônicas, é verdade - Henry dizia que aquilo não o atraía. Que seu amor era pela música e pela arte.

— "Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte." Me dizia, citando Goethe, um de seus autores favoritos.

— Por que ao invés de acender isto, você não me conta do seu fim de semana? - Perguntei, sentando ao seu lado.

— Ok, mas eu bem que precisava de uma tragada depois daquela aula de física... Foi bom. Ontem conheci um barzinho novo, na Augusta. Teve até um cover dos Smiths, o vocalista até era talentoso...

Enquanto eu passava grande parte dos meus fins de semana em casa estudando, Henry tinha os dele movimentados. Na época estávamos com quase dezoito anos e frequentemente ele trocava seus passeios solitários em museus e cinemas, pelos bares e ocasionalmente até mesmo alguma balada underground. Não me pergunte como ele conseguiu aquele RG falso. Eu ouvia tudo fascinado quando fomos interrompidos pelo barulho irritante do sinal.

— Vem, vamos. - Disse-lhe me erguendo, ajudando-o a levantar.

Ele se arrastava.

— Não acredito que ainda vou ter que aguentar aquele velho babaca.

Ele se referia ao Sr. Lienson, nosso professor de redação. 

O professor de aproximadamente 65 anos era um dos mais antigos na escola, respeitado, seja pela tradição ou pelo medo. Disse-nos que fomos treinados para fazer dissertações medíocres onde repetíamos opiniões pré-formadas e que sua meta era formar escritores e não repetidores. Fazia-nos escrever sobre temas complicados. Era extremamente rigoroso.

A aula me desagradava. Eu queria fazer uma dissertação para passar no vestibular e não uma poesia sobre a visão do amor no século XV. Já Henry sempre gostou de textos mirabolantes, porém não suportava o Sr. Lienson, dizia que o professor julgava os textos não pela originalidade ou ortografia, mas pelo seu gosto pessoal obscuro. A antipatia era recíproca e por mais que se esforçasse Henry nunca conseguia ter uma nota maior do que a média, embora tivesse ótimo desempenho nos anos anteriores.

Entramos na classe. O ambiente era o mais tradicional possível. O chão era de madeira escura assim como as carteiras e a mesa do professor que ficava em cima de um pequeno palanque. A lousa verde escuro ocupava toda a parede da frente da sala. As paredes eram impecavelmente limpas, num tom bege. Henry não cansava de repetir que se sentia dentro daquele Colégio onde o personagem de Robin Willians lecionava em "Sociedade dos Poetas Mortos".

Discutíamos o trabalho, com o tema "O Medo". Deveríamos pesquisar citações e poemas sobre o assunto e depois produzir uma dissertação. Os alunos escolhidos liam parte de suas pesquisas, enquanto eu respirava aliviado pela aula ter chegado quase ao fim e eu não ter sido chamado.

No fundo da sala, Henry ouvia de braços cruzados com ar de enfado. O mestre pousou seus olhos acinzentados sobre ele. Os fios grisalhos cobriam seu rosto num barbear rente, conferindo-lhe um ar duro. Franziu a testa.

— Sr. Roth, o que tem a acrescentar?

Henry endireitou-se declamando:

"As vezes eu me olho no espelho
Sinto medo, medo de mim
Eu não me conheço
Sou esquisito
Sou humano
Uso óculos, como, bebo, fumo e defeco
Mijo
[...]
É realmente esquisito. Procuro-me no espelho
E não me acho. Só vejo aquilo ali.
Parado. Um monte de carnes equilibradas
por ossos duros que me mantém em pé. Ali
no espelho. Eu sei que não sou aquilo,
e o que sou, o espelho não pode
me mostrar... AINDA... eu não brilho...
ainda..."
Raul Seixas

É claro que Henry poderia ter usado textos mais tradicionais, digamos, para discutir, mas ele queria provocar.

— É óbvio que um aluno medíocre não tem capacidade de apreciar nada mais profundo... - Observou com desprezo.

— Eu também citei outros autores, mas quem o senhor é para julgar o Raul Seixas ou a mim? - Replicou desafiando.

— Sou muito mais do que algum dia você sonhará ser, rapazinho. - O silêncio da sala é quebrado por alguns risinhos. - Mas já que se julga tão especial, amanhã me apresentará um poema com a mesma temática, valendo sua nota do semestre.

— Pode apostar que o terá amanhã, senhor. – Disse, com desprezo na última palavra.

O sinal tocou e antes que um burburinho maior se formasse o Sr. Lienson dispensou todos.

Henry disse que ia ficar na biblioteca naquela tarde, escrevendo o poema para a aula do “velho intragável”. Eu fui para casa, me perguntando por que ainda me surpreendia com as atitudes provocantes de Henry. 

No dia seguinte, antes que o professor entrasse, Henry deixou o poema sobre sua mesa. Lienson parecia de bom humor. 

— Bom dia. Hoje vamos falar do Modernismo. Mas antes de começarmos, estou ansioso para ler a composição do Sr. Roth...

— Mas o senhor não disse que iria ler para todos. Pensei que apenas o senhor iria lê-lo. -Henry falou baixo, sem firmeza na voz.

— Não se acanhe Sr. Roth, todos querem apreciar sua obra. - Lienson falou, irônico. Ajeitou os óculos iniciando a leitura:

" O Medo

A noite não traz a paz
Apenas a insônia
No silêncio posso ouvir minha respiração alterada [...]

— Senhor pare! - Henry quase grita, para o espanto da sala - O poema não está à altura da sua exigência, deixe-me reescrevê-lo ou eu posso fazer qualquer outro trabalho, por favor. - Quem ouvisse aquele pedido poderia julgar como um simples apelo de um aluno que não tinha cumprido bem sua tarefa. Entretanto, eu conhecia Henry e sabia que havia algo errado. Seu tom era quase suplicante, irreconhecível. 

O professor o ignorou continuando:

" Passos no corredor
Nas sombras algo se aproxima
Meu coração acelera descompassado [...]

A cada sílaba o olhar de Henry tornava-se mais desesperado. No último instante, seus olhos marejaram. Então ele se ergueu rapidamente e deixou a sala de aula, sem olhar para trás.

— O que aconteceu Sr. Roth? Não vai ficar aqui para receber os aplausos da sua incrível obra sobre o medo do escuro? Ou será do bicho papão?

A classe ria. Não sei bem o que aconteceu. Em um momento eu estava sentado e no seguinte tinha acabado de arrancar o poema das mãos do Sr. Linson.

— O que pensa que está fazendo, Miyamoto?

— Indo ver meu amigo, não viu como ele estava quando saiu? - Saí com o papel nas mãos, ouvindo do corredor a ameaça de ser suspenso.

Não me importei. Saí da escola preocupado, indo encontrar Henry na pracinha próxima. O lugar estava deserto. Ele estava sentando curvado em um dos bancos, o rosto transtornado, as mãos trêmulas o impediam de acender o cigarro.

— Henry! – Gritei, correndo em sua direção. - Ele não leu mais nenhuma palavra depois que você saiu. - Disse-lhe entregando o papel amassado.

— Eu... Não quero que você se encrenque.

— Não importa.

— Obrigado.

Henry desistira de fumar e encarava o chão com o olhar perdido. O silêncio parecia sufocante.

— Henry - Chamei suavemente. - Seja lá sobre o quê você escreveu que te deixou marcas tão profundas... Você pode falar comigo. Talvez alivie um pouco...

Ele continuou olhando para o chão como se não tivesse escutado. Mas após alguns instantes começou a falar, um fio de voz:

— Minha mãe tinha problemas para engravidar, mas queria muito um filho. Quando nasci, ela ficou radiante. Me enchia de mimos, me vestia, penteava, eu tinha os cabelos até os ombros. Ela dizia que eu era lindo, éramos muito ligados...

Eu percebia como era difícil para ele falar, embora não entendesse qual era o problema. Toquei sua mão e percebi que estava gelada, num incentivo mudo para que continuasse.

— Talvez tivesse a ver com a minha aparência. Ele disse para eu não me preocupar, que era uma brincadeira, um segredo de nós dois, que eu era seu bonequinho. Na primeira vez eu tinha seis anos. Ele me disse para tirar a roupa e sentar no seu colo. No começo foi só isso. Realmente eu achava que era uma brincadeira, não entendia...

Senti como se tivesse levado um soco no estômago quando ouvi aquilo.

— Quem...?

— Meu pai. Nessa época ele trabalhava e não era frequente. Depois ficou pior. Quando ele realmente me violentou eu tinha nove anos. Mas não sabia muito bem o que significava. Quando eu fiz dez resolvi contar para minha mãe.

— O que aconteceu?

— Ela não acreditou! - Seu tom era de angústia e revolta contida por anos. -Disse que era mentira, que eu tinha inventado. E continuava noite após noite... Chegou uma hora que eu desisti de reagir. Talvez... Talvez houvesse vezes que eu até cheguei a gostar, ter prazer, quando tinha doze, treze anos... Quando fiz quatorze ele parou de me procurar. Não sei se minha mãe ouviu ou viu alguma coisa, mas ela sempre negou para mim... Não aguentou que o marido a trocasse pelo próprio filho. Ela foi se distanciando. Atualmente, nem me olha...

Estava estarrecido. Não sabia o que falar.

— Você não precisava ter suportado este peso sozinho. Podia ter me contado.

— Pra quê, Kenji? Pra você ter nojo de mim? Eu... Eu sou mesmo nojento. Um puto, como ele falava... – As lágrimas que ele lutava para conter começavam a cair pelo seu rosto.

— Pára, não fala mais nada, você não é nada disso! Eu jamais sentiria nojo de você! – Abracei-o, querendo arrancar um pouco daquela dor e só naquele momento ele se permitiu chorar livremente. Continuei mantendo-o em meus braços, até sentir que seu corpo parava de tremer. Me afastei um pouquinho, só o suficiente para olhá-lo:

— Henry, você precisa denunciá-lo.

— Você acha que iriam acreditar em mim? Ou no heroico coronel? Mas eu consigo chantageá-lo. Por isso tenho liberdade, posso sair e voltar à hora que eu quiser. No ano que vem, quando eu fizer dezoito, vou obrigá-lo a dar a minha parte da herança e nunca mais colocar os pés naquela casa.

— Mas não é justo...

— Ah meu amigo, justiça? Você realmente acha que existe justiça? Pouco me importa o que vai acontecer com ele. Ele roubou o amor da minha mãe e isso nada é capaz de devolver...

Eu simplesmente o abracei novamente.

— Fui um idiota quando escrevi aquele poema. Queria escrever algo verdadeiro e fui buscar os medos profundos que já senti. Mas quando eu ouvi ele lendo em voz alta, foi como se estivesse de novo sozinho naquele quarto...

— Você não é um idiota. Você é a pessoa mais forte que eu já conheci. Você tem um talento Henry. Eu sei que você ama escrever. Me promete que você vai usar esta coragem para continuar escrevendo, não importa quantos idiotas como o Lienson você encontre na vida?

Henry enxugou o rosto me encarando por alguns instantes.

— Eu prometo.

Naquela tarde não fui à aula de desenho arquitetônico, nem me preocupei com os deveres de casa. Apenas permaneci ao lado de Henry. 

Foi um final de semestre difícil. Cumpri um dia de suspensão. Henry teve que fazer trabalhos extras, mas nos formamos. Fiquei sabendo que aquele foi o último ano do Lienson no Saint Klaus.



Alguns anos depois.

Chego em casa após o finalizar mais um projeto. Vejo que há um pacote no correio. Sorrio ao abrir. É o livro novo dele, com uma dedicatória e um bilhete me pede para ligar para marcar de nos encontrarmos. Faz meses que eu não o vejo, o tempo que ele usou para escrever este último livro, seu terceiro.

Quem lê o premiado romancista Henry Roth, não imagina que tudo começou com um doloroso poema em uma sala de aula. Pego o celular no bolso, procurando seu número. Espero que nesse final de semana possamos nos ver.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Comentários me farão muito feliz!



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