A Million on My Soul escrita por Izzy


Capítulo 10
Morte ao Passado




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Sua mão tentou recolher todos os pingos da chuva gelada e o clarão do relâmpago, apenas para tatear o sol. Perfeito, o céu límpido e um novo dia estava para dar início.
Mas algo a mantinha em pé, e não era nada puro. De certo, havia pureza no escuro, o total escuro. De seguinte, nada mais.

Você pode orar em meu próprio ouvido?

 

Abriu os olhos abruptamente, despertou com essa voz desconhecida ao fundo, até olhar para o lado e perceber grandes pares de olhos castanhos a observando.

A primeira pergunta que qualquer pessoa faria para si mesma se acordasse em um quarto que não era seu, seria onde estaria e o motivo de estar naquele lugar. Sempre fazia a segunda pergunta. Não basta perguntar por que, mas por quê? Ninguém contou, mas ela sabia onde se encontrava.

Fez esforço pra levantar da cama, mas seu corpo pesava. A dona dos grande olhos percebeu que ela tinha despertado, então saiu rapidamente do quarto, não dando oportunidade para questionamentos.
Se pôs sentada, observando suas roupas, e não era nada atual. Um vestido azul, um pouco gasto e também um pouco apertado para seu corpo. O pano era fino e vestia uma blusa até os ombros por debaixo.

Prestou mais atenção na decoração do quarto. As cortinas deixava tudo um pouco escuro, em contraste com o tempo um pouco úmido mas ainda ensolarado lá fora. Esses fatores deram um tom diferente aos móveis que pareciam antigos e refinados. Sem falar no cheiro maravilhoso que os lençóis de cama liberava.
Assim, seu cabelo ficou amarrotado. Tentava não deixá-lo pior, quando a porta rangeu, sendo aberta.

Uma mulher de longos e cacheados cabelos entrou, abrindo as cortinas. Ela.

— Você finalmente acordou! Eu pensei que fosse dormir pra sempre. Você dormiu por um longo tempo. — ela olhou para Sky, com as mãos na cintura. — Sei que deve estar assustada, e deve, mas confie em mim. Duas noites atrás você estava desvanecida na porta, com as roupas em más condições. Lhe trouxe para dentro e...

— Eu confio em você — disse, sem pensar muito.

Deu um pequeno sorriso, pegando algumas toalhas no armário amadeirado. Outra peça que parecia antiga demais.

— Engraçado, as pessoas não confiam mais umas nas outras. Desculpe meus modos, me chamo Christie.

— Meu nome é Sky.

— Como o céu?

Ela concordou e abaixou a cabeça. Encontrava-se totalmente sem jeito naquele momento, principalmente por estar falando com uma familiar.

— Então, Sky. O que estava fazendo na rua tarde da noite?

Não tinha tempo para sequer pensar, ou melhor, como não explicaria. Resolveu fazer o que sabia fazer de melhor: dar uma de doida.

— E-eu não lembro muito bem. Fugi de casa, andei muito, acho que caí de cansaço.

Um detalhe da sua mentirinha não estava errado.

— Ora, por que você não me disse que não tem onde ficar?

Christie começou a separar as toalhas e um sapato de cor caramelo.

— Você teve alguns pesadelos altos, então fiquei apreensiva. Não irei interrogá-la. Você parece ser uma boa garota, com seus propósitos e justificativas, e até me parece familiar.

— Não entendo. Nós nunca nos vimos, você vai permitir que eu fique aqui?! E se eu fosse uma impostora?

Christie pigarreou, olhando-a nos olhos.

— Então saiba que aqui tem mulheres fortes e armadas. Qualquer passo em falso seria dedo no gatilho em cima de você.

Um silêncio assustador se formou, sendo quebrado por uma gargalhada dela, tinha um ótimo senso de humor áspero.

— Sabemos que a vida sempre tem um jeito de tirar o tapete debaixo de nós, exatamente quando nós menos precisamos. Mas Sky, você não pode fugir disso pra sempre.

— É o que eu mais sei — os olhos pareciam levemente marejados.

Christie percebendo, mudou de assunto rapidamente. Mostrou-lhe o lavabo e como usar o chuveiro. Ela estava sendo tão simpática, e foi um verdadeiro alívio para Sky que chegou a pensar que seria morta, mesmo não sendo possível, já que era apenas uma lembrança paralela.

— Você gostaria de chocolate quente, querida?

— Eu acei...

Um burburinho foi ouvido do lado de fora, junto com o que parecia porcelana vindo diretamente ao chão. Christie correu com Sky logo atrás.

Ela notou cada detalhe da casa, e enorme era pouco. Pisava em assoalho de madeira polido — e muito bem polido. Teto de lambri de madeira, papel de parede ao redor em tons claros, variando entre o branco e lilás, sofás por todos os lugares, um piano de cauda e grandes quadros, de diversos autores famosos. Ela não percebeu que estava boquiaberta.

— O que vocês estão fazendo?! Eu proibi-los de tocar nesses biscoitos até mais tarde! — enchia de reclamação os ouvidos dos dois, a menina que tinha visto mais cedo e um garoto mais velho.

Eles tinham feito uma cena de crime impagável. A menina tentou correr mas não deu tempo, então ficou quietinha, cabisbaixa com as mãos nos bolsos do vestido.

— Não se engane, é tudo herança — debochou o garoto, olhando para Sky. Cabelos pretos e encaracolados chamavam atenção nele. Tinha pele clara e olhos azuis, com pequenas sardas cobrindo a face. Aparentava ter dezesseis anos.

— Shhh! — Christie o agarrou de leve pelo braço. — Você e sua irmã, peguem o que for preciso aqui dentro para limpar isto. Por Deus, tenham modos!

Logo mais, tinha entendido tudo. Os dois eram nada mais, nada menos que sua avó Amelia e seu tio-avô, Benjamin. Todos já falecidos.

— Oh, não! — levou as mãos à boca, entristecida.

— Eu lhe espantei?

— Não, de modo algum. É que eu lembrei... De casa.

— Está arrependida?

— Ah, não, eu não mudaria nenhuma das minhas decisões anteriores. Os erros que cometi foram o que me levaram aonde estou hoje, e não trocaria isso por nada.

— E o que aprendeu sobre tudo isso? — perguntou, esperando sua resposta final.

— Que o universo é antigo e somos jovens.

A mulher ofereceu-lhe um largo sorriso, gostava dela de fato. Apesar de jovem, parecia ter passado por muita coisa. Sentia algo vindo dela. Uma energia, sentia que guardava mistério embaixo daqueles pés.

Sky continuou a observar cada detalhe do lugar, com Christie a guiando o tempo todo, ela contou-lhe um pouco de como a casa foi construída, da história da cidade e na violência que infelizmente se expandia. Haviam anarquistas na cidade, junto com eles, protestantes cansados da escassez e necessidade por algo básico. Explicou que, naquelas redondezas, as casas são de gerações passadas, onde tudo era diferente.

— Hoje, nós sofremos de constantes invasões, e muitas vezes repletas de violências. Algumas pessoas da vizinhança não tiveram outra escolha a não ser abandonar suas casas após invadirem-nas e terem suas mulheres violentadas.

Em primeiro momento, Sky não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir, apesar de saber muito bem tudo o que se passava. Sim, ficou horrorizada. Pelo modo que ela falava — com calma, balanceando o peso de cada palavra com os seus lábios.

— Mas por que? Por que ninguém faz nada?!

— Não entende? A maioria nessa comunidade são pessoas negras. Nos tratam como único critério a cor da pele. Depois eles retiram a infeliz conclusão de que não merecemos respeito ou um pouco de dignidade. Nós clamamos por justiça, eles nos dão nada. Dizem que somos livres, mas nossa liberdade e nossa vingança são nascidas em sangue e fumaça.

Christie não proferiu nem mais uma palavra, como se estivesse acostumada até demais com toda a situação. Mas isso foi apenas dedução dela, já que a mulher não demonstrou emoção alguma, guardou-se para si. Ela terminou em pegar uma cesta de roupas, indo em direção aos fundos da casa.

— Me acompanhe.

Em frente à porta, retirou os sapatos gastos. Quando abriu, foram recebidas com uma brisa forte e fresca que passou em uma dança pelos vestido, até os cabelos. 
Sky também retirou os sapatos. Foi praticamente forçada por ela mesma depois de ver a grama verde em um jardim enorme.
O sol em perfeito contraste. O céu azul, tão azul e sem nenhuma nuvem para enfeitar-lhe. E estava bem assim.
Um lago cristalino ao fundo a fez lembrar daquele mesmo lago que costumava a passar as férias de verão. O lago da sua avó Amelia.

— Amelia, não vá muito longe! — Christie gritou quando sua filha passou correndo com outra menina um pouco mais nova.

Ela colocou a cesta nos braços e seguiu, passando por algumas expansivas plantações muito bem cuidadas. Sky observou a paixão em seus olhos no momento em que começou a regá-las, quando olhava para absolutamente tudo.

— Cultivar um jardim lhe ensinará sobre a vida — sussurrou. — Venha, ajude-me.

Elas estenderam as roupas no varal e tudo foi finalizado poucos minutos. Não caminharam muito, parando à medida que ouviram uma singela gargalhada. Christie a chamou mais uma vez.
Perto do lago, quatro mulheres bebiam vinho e apreciavam pães e frutas. Entretidas, aparentavam estarem se divertindo.

— Christie! — chamou uma delas. — Junte-se a nós! — sentada na ponta da toalha, ela levantou a taça.

— Helen, são onze da manhã. — pegou a bebida das mãos dela, colocando novamente na cesta. — E temos convidada.

Agora elas olhavam diretamente para Sky, ficando impossibilitada de dizer se nenhuma delas tinha percebido sua presença até aquele momento ou apenas a ignoraram.

— Essas são Helen, Rosalie, Margaret e Joy — apresentou apontando para cada uma. — Todas elas têm um papel importante nesta casa.

— Sky, não é? Está melhor, meu bem? Christie a encontrou desmaiada, achamos que nunca iria acordar novamente — disse a mulher de nome Rosalie.

— Sim, e Rosalie cuidou muito bem de você. É a nossa enfermeira — acrescentou Margaret. Usava um chapéu engraçado.

Christie terminou se irritando com Helen já que estava começando a falar coisa com coisa, isso envolveu as outra duas.

— Oh, meu vestido ficou apertado em você.

Sky olhou para o vestido, e logo após para a mulher de olhos acastanhados. Ela sentava na ponta da toalha estendida na grama, com um pedaço de bolo de morango em uma colher.
Percebendo que Sky olhava sem parar, a ofereceu gentilmente.

— Muito obrigada! Mas está tudo bem, J... — ruborizou. Tinha esquecido-se do nome dela.

— Joy.

Sky sorriu. Podeira jurar que eram as mulheres mais charmosas que já teve a certeza de ver com seus próprios olhos.

— Obrigada pelo vestido.

— Não foi nad...

— Tudo bem, está tudo muito bem mas realmente temos coisas a fazer — interrompeu Christie. — Hoje a Sra. Carrie virá para pegar seu vestido que encomendou no começo do mês para as festas e vocês sabem como tudo se procede com ela!

Ela parecia realmente séria. Uma nobre?

— Argh, mas é quase Ano Novo! Estamos comemorando!

A virada do ano... O Ano Novo... Tinha esquecido! Na verdade, nem sequer perguntou a data. Àquele foi o fogo na ponta do seu estopim.
A realidade caiu como uma bomba, finalmente estourando em seu rosto. Estaria perto, estaria presente. Estava ali para conhecê-la melhor, entender o seu passado. Mas também estaria ali para vê-la morrer.

No ápice, Amelia surgiu atrás de alguns arbustos, acompanhada com a menina mais nova. Estavam sujas de terra e sorriam. Aquele poder quase mágico em sorriso de criança: puro, mais brilhoso que o sol. Oh, aquele coraçãozinho perdeu a mãe cedo...

Christie começou a encher de sermões os ouvidos de Amelia. A menor era filha de Rosalie, percebeu isso pela incrível semelhança, já que ela mesma não ouviu nenhuma palavra do que foi dito, mantinha a os pensamentos longe.

Sentiu-se tonta, faltava ar, mas tentou disfarçar, sentando-se na toalha de piquenique.

— Está tudo bem? — perguntou Joy.

Não, não está nada bem.

— E-está! — falou um pouco alto. — É que está quente hoje.

Servindo de alicerce para sua mentira, o dia realmente permanecia quente e úmido, com ela suando bastante. Um sorriso falso brotou dos lábios. Odiava isso.
Sentiu uma mão delicada em suas madeixas. As mãos de Rosalie prendendo-lhe os cabelos. Logo depois se levantou com calma, para arrumar sua primogênita.
Com os cabelos presos, ela ficava diferente, seus olhos ganhavam ainda mais vida.

— O que aconteceu, meu bem? Está pálida! — foi a vez de Christie notar, colocando a mão em sua testa, sentindo a temperatura. Sky fechou os olhos. — Rosalie, por favor, fique e cuide dela. Eu levo as duas ao lavabo.

— Não, não! Estou realmente bem! — levantou-se com rapidez. — Eu insisto em me deixar fazer isso, você não deveria se cansar... Afinal, é quase Ano Novo!

— E é aniversário dela! — gritou Helen enquanto Margaret aplaudia. Ela levantou com dificuldade, calçando os sapatos. — Já chega para mim, irei entrar primeiro.

— Ah, eu te acompanho!

Sky agarrou as mãozinhas de cada uma com rapidez. Não olhou para trás.
Dentro da casa, calçou os sapatos ainda mais depressa, quase caindo pelo cômodo. Enquanto Helen subia as escadas até o quarto, ela procurava desesperadamente um calendário. As pequenas olhavam sem entender.
Por fim, achou sua dor na cozinha.

Faltavam cinco dias até o evento, o qual aconteceria em um sábado. A data de hoje marcava vinte e seis, um dia típico de domingo. Acabou amassando o pedaço de papel.

Tentou respirar fundo, esforçando-se para manter a calma. Não tinha a mínima noção do que sucederia, de como aconteceria. Imaginou por um segundo se ela sentiu dor e a vontade de chorar veio.

Naquele momento, tudo passava pela mente. Deduções vazias, interrompidas quando ouviu passos vindo dos fundos.

Correu o mais rápido que pôde para a primeira porta à sua frente — o bendito lavatório! — levando consigo as duas. Trancou-se lá.

O coração batendo a mil dentro do peito enquanto olhares curiosos acompanhavam ela.

Finalmente chorou apoiada na decorativa pia azul de porcelana. Quando finalmente se resolveu, jogou água no rosto e começou a pensou por alguns minutos, os quais pareceram horas, pelo menos para as crianças.

— Está tudo bem chorar. Mas você ainda nós dará banho? — a mais velha perguntou, interrompendo tudo. Quase um banho de água fria.

— Mas é claro que sim! Olha só esses rostinhos!

Tinha algo a fazer, era por isso que estava ali. Todo esse tempo foram uma só, e não só ela como outras nove mil, novecentos e noventa e nove — fez questão de lembrar — e continuariam. Era o lado bom de todo o resto. Então arregaçou as mangas e encheu a banheira, colocando uma considerável quantidade de espuma.

A menor se despiu com rapidez e entrou animada no banho, mas a outra ficou acanhada, com as mãos agarradas à roupa.

— Tudo bem — virou-se e tapou os olhos. — Eu não irei olhar.

Ouviu apenas o barulho da água quando abriu os olhos. Mesmo assim, fez questão de perguntar se poderia se virar.

Sem avisar, jogou uma bacia de água sobre duas, o que fez com que rissem, quebrando o clima de estranheza que ainda restava.
Para ser mais ágil, foi revezando entre elas, não antes de se molhar quase por inteira no processo.

— Então, como vocês se chamam? — ela perguntou.

— Ruby.

— Amelia.

— Quantos anos vocês têm?

— Cinco! — Ruby mostrou nos dedinhos.

— Nove!

— Ah, então você, Ruby, é a menina que estão falando por aí...

— O que estão falando dela? — Amelia perguntou confusa.

— De mim? — os olhinhos de Ruby brilharam.

— Sim! Disseram que você está sendo uma menina muito... Hm, como eu posso dizer isso...

— Desobediente — Amelia sugeriu.

— Errado. Quando ela foi desobediente?

— Estávamos brincando, mas ela nos deu a ideia de subir em uma árvore. Mamãe não deixa, mas ela foi mesmo assim e ficou presa em um galho. Eu tive que subir pra ajudar, aí caímos em um montinho de terra. Ela acha que pode tocar o céu.

— Isso é muito perigoso Ruby, vocês poderiam ter realmente se machucado.

— Mas podemos sim! A mamãe me disse que um dia o céu chegaria até a gente! — fez beicinho, inflando as bochechas.

— Mas é impossível! — Amelia insistiu.

Isso fez Sky pensar distante, outra pessoa também acreditava nisso.

— Não. Na verdade não é nada impossível — afirmou ela, as meninas entreolharam-se confusas. — Me toquem.

As duas tocaram em seu rosto sem hesitar.

— Pronto!

— Não entendi. Seu nome é céu?

Ela não aguentou um risinho pelo modo da pergunta.

— É Sky! Na verdade, esse nome também é por causa de outra coisa, mas veio especialmente da minha mãe, que sempre gostou do céu, do azul e das cores que se formam quando a luz do sol no fim da tarde aparece. Ela, de alguma maneira, se sentia conectada com ele... Comigo. Sou muito feliz por esse nome.

— Então porque estava chorando? — Amelia perguntou, um pouco sem jeito. Sky tem total noção que ela é muito esperta, e pelo que percebeu quando olhou o calendário, é de que ela irá fazer dez anos em breve. A vontade de chorar voltou. Respirou fundo.

— O começo do ano significa coisas diferentes para pessoas diferentes. É meu aniversário também.

Elas sorriram, batendo palminhas muito animadas.

— A tia Joy vai querer fazer bolo pra você — disse Ruby. — Ela é confe... Confi...

— Confeiteira?

— Sim! Era isso que eu iria falar.

— Mas vocês não podem contar a ninguém, é segredo.

Amelia jogou água em Sky como desaprovação.

— Os doces da tia Joy são uma delícia — afirmou Amelia.

A barriga de Ruby fez um barulho alarmante, ela corou.

— Não fui eu! Foi ela! — Ruby se referia a amiga.

— Sua mentirosa, eu não fiz nada!

— Muito bem, hora de sair, venham.

Após o banho, as duas pequenas ainda discutiram sobre o vestido que iriam usar. Pareciam muito irmãs, mas acabaram entrando em acordo.

Sky arrumou e fez um penteado diferente em cada uma. Tentou fazer um agradinho em Ruby colocando um laço em seu braço.

— Eu já sou muito fofa, então enfeites mais fofos podem ficar feio.

— Ah, você é sim! — apertou suas bochechas gorduchas.

Deveria admitir, estava encantada pela filha de Rosalie, a coisa mais fofa do mundo.

A carregou no colo, levando-as para baixo. O desejo até agora desconhecido de ser mãe lhe afligiu. Com toda certeza ela daria o mundo para a sua criança.

Negativou com a cabeça. O que estava pensando?! Não, não. Não tinha tempo pra isso agora, nem sabia se estaria viva no final do dia. Como a mesma dizia, era os três i's "instável, incerta e irresponsável." Ela ficou tão surpresa com aquele pensando repentino que não enxergou Christie à sua frente.

— Oh, você fez isso? — ela perguntou, se referindo as meninas. Sky colocou Ruby no chão, se preparando para sua desculpa de que havia se empolgado um pouco na decoração das duas.

— Sim, eu coloquei algumas fitas que vi e...

— Está perfeito! Até parece que não estavam todas sujas de terra a pouco tempo atrás, e isso é ótimo pois a tal visita já está na sala. Me dê alguns minutos, eu já volto.

Sky espiou o cômodo. Uma mulher esbelta de longos vestidos esperava com uma xícara de chá na mão. É a primeira mulher branca que reparou até agora. Com aquele dedinho levantado.

As pequenas foram correndo em direção à ela, fazendo-lhe companhia. Já que não estava apresentável, resolveu não aparecer.

Christie voltou com uma caixa grande e enfeitada, a entregando. Ainda espiando, um envelope agora era trocado. Quando Sra. Carrie foi embora, ela abriu o envelope, verificando.

— Você faz isso sempre? Vestidos para nobres?

— Nem sempre. Aqui, eu faço vestidos para todos, mas a nobreza não costuma vir até nessas bandas, ainda mais agora, com tudo acontecendo. Sra. Carrie é a única, pois ela diz que todos acham o trabalho bem feito, e me esforço muito para conseguir o melhor tecido, sempre pensando nos mínimos detalhes. Eles gostam disso, mas ela nunca revela quem os faz, porque sabe que haveria falatório, podendo-me causar problemas. Apesar disso, o pagamento é bastante satisfatório.

— Mas isso é tão injusto! — Sky protestou. — É o seu trabalho! Ninguém deve fazer pouco disso, quanto mais do seu esforço, sendo que, segundo eles é "abaixo do status."

— Você gosta dos meus vestidos?

Sorriu, sentindo-se gratificada.

— Mas é claro que sim — Sky respondeu com sinceridade.

— Siga-me. Irei vestir você.

Subiram até o quarto dela. Lá, ela encontrou um vasto estoque de vestidos, casacos e outros acessórios. Mas Sky foi atraída por um em particular, de seda, cor escura com detalhes vermelhos, deixava os ombros a mostra, ficaria até os pés. Na verdade, chegava a ser bastante atual, estilo Alexander McQueen.

— Gostou? — perguntou Christie, curiosa com o olhar da garota sobre sua peça.

— É perfeito.

— Então é seu.

— Mas não posso aceitar... Parece caro. Não é um vestido pra se usar em baile?

— Ora, não tem problema. Fique com ele e use-o. Além disso, é quase Ano Novo.

Quase, mesmo assim o relógio estava praticamente correndo.

— Então eu aceito.

— Vista esse — ela entregou-lhe outras duas peças, agora um pouco mais simples. A blusa continuava macia, de seda cor branca, com mangas compridas e gola alta. Saia tão longa que iria da barriga até abaixo do joelho, por um momento achou que não caberia. — Após o almoço eu irei até a catedral levar a batina do padre. Queria que me acompanhasse.

— Eu irei.

— Agora venha, Amelia deve estar faminta.

O almoço foi tranquilo, com participação de Benj — era assim que o chamavam — ela tinha quase se esquecido dele. Não aparecia muito, passa o tempo com os amigos em uma casa na árvore que ele mesmo construiu. Quando questionado, apenas diz que quer independência. Mas continua sendo no terreno de Christie.

Sky não chegou a conhecê-lo na idade adulta, pois quando nasceu, ele já havia falecido. Achou que seria uma ótima oportunidade, se o mesmo não tivesse ajudado na louça e sumido de repente.

Após o almoço, Christie explicou tudo e se desculpou pela falta de modos do enteado.
Benjamin é meio irmão de Amelia por parte de pai. Sua mãe morreu ainda quando ele era pequeno, e seu pai se foi na guerra. Ela cuida dele como filho desde então. Claro, ele a obedece, mas desde a morte do pai, se tornou hostil, muitas vezes ficando sozinho nos próprios pensamentos e dormindo na casa dos amigos sem a permissão dos pais deles, o que causava muita confusão.

Às três da tarde, partiram de casa com a promessa de que no caminho, Christie a mostraria a cidade. Louisiana era grande, incrível e agitada. Não pegaram nenhum transporte público já que a catedral ficava próxima. Por dentro, Sky literalmente morria de vontade de entrar em um dos bondes.

Quando chegou, pôde admirar o quão bonito é a catedral. As janelas de vidro e a estrutura. Antigo mas muito bem conservado. 
A porta estava aberta, mas não havia ninguém. Dentro, pensou em uma criança se perdendo fácil.

Esculturas espalhadas e as vastas pinturas no teto. A decoração realmente tirava o fôlego. O lugar era tão grande, e só no tamanho que conseguia pensar. No centro, a figura de Jesus Cristo na cruz a fez sentir um ligeiro arrepio na espinha.

Ela se sentou em uma dos bancos na primeira fileira enquanto o padre de cabelos grisalhos atendia sua bisavó. — ainda ficava estranho essa relatividade —. Queria e daria tudo pra tirar uma foto daquele lugar...

Eles conversaram brevemente, então se despediram, deixando-as sozinhas. Christie logo sentou-se ao lado dela.

— Oh, eu não cheguei a perguntar se você era religiosa...

— Hm, não muito. Eu tinha costume de ir com a minha avó... — e era com Amelia, pensou e omitiu. — ... Quando eu era pequena, mas não faço uma oração desde então.

— Você acredita?

Era incrível, essa era a única pergunta que não sabia responder.

— Eu realmente não sei. Está mais para sim do que para não.

Christie se ajoelhou e em silêncio fez o que tinha costume de fazer. Sky observou tudo novamente. A igreja, a face triste no topo, toda devoção. Terminou se ajoelhando também.

O que estou fazendo?

Fechou os olhos quando começou a sussurrar.

— Senhor, me dê força, me dê amor, preciso de fé. Eu tenho morrido e de todos que são dignos de sua confiança, eu sei que sou a mais distante. Eu tento, mas não consigo manter minha alma e meu pecado dividido. Quanto mais eu dou, menos eu ganho... Eu estive tentando.

Foi apenas o que veio verdadeiramente de dentro do peito. A própria foi pega novamente de surpresa, então demorou um pouco para se levantar. Que dia!

— Pra quem não possui o hábito, você leva jeito.

— Eu acho que estava mais para um rápido desabafo preso na garganta — se levantou, arrumando a saia.

Saíram da catedral ao tocar do sino ao meio dia. Algumas nuvens cobriam o céu, dando sinal de que poderia chover a qualquer momento.

Você pode orar em meu próprio ouvido?

Bem, tinha realmente ouvido uma voz. A mesma de mais cedo. Olhou pra trás, mas não encontrou ninguém. Christie questionou se estava tudo bem, sendo recebida pela típica afirmação. 
Mas novamente, um arrepio abateu sobre ela, do dedão até o último fio de cabelo, e os batimentos cardíacos acelerados denunciava.
Ela conhecia. Tinha sido a voz do Grim.

 


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