Nascida nas trevas - Born in the dark escrita por Letícia Pontes


Capítulo 14
No topo da árvore


Notas iniciais do capítulo

Bem vindo à mais um capítulo desta longa jornada.



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Eu não estava esperando que repentinamente o assunto mudasse, mas aquilo foi até bom. Ele finalmente estava começando a não me ver como ameaça. Eu terminei a minha latinha de feijão antes de começar a falar.

—Não somos demônios e nem deuses. Somos humanos tão normais quanto vocês terrestres.

—Como é lá?

—No mar?

—Isso. Como vocês vivem? Moram de baixo da água? Em casas flutuantes? Como funciona? - Ele colocou a lata de lado e ficou mais próximo à mim parecendo muito interessado.

—Não moramos em baixo d'água. - Eu ri. - São plataformas no mar, acho que algumas já serviram para extração de petróleo, ou algum outro tipo de coisa, mas não tenho certeza.

—Ainda não entendi bem.

—É como se fossem cidades de ferro. Tudo é basicamente ferro e madeira.

—Não enferruja?

—Não. Deve ter alguma substancia, sei lá. Eu não entendo bem, só sei que onde eu morava era uma plataforma com portão, muros e casas dentro.

—Como era o dia a dia de vocês?

—Bom, nós caçávamos no mar, também fazíamos vigia do local, dividindo turnos. Nossa vida era basicamente isso. Eu gostava de nadar e irritar os tubarões. - Ele ri. -  E também de voar por aí vendo de longe o movimento de outras plataformas.

—Eu queria poder nadar como um peixe ou voar. Voar principalmente, deve ser maravilhoso. - Ele me observa por um instante me fazendo desviar o olhar constrangida. - Eu posso ver suas asas abertas?

—Sério? Não são bonitas.

—São asas, claro que são bonitas.

—Não necessariamente. As minhas são...negras.

—E?

—Bom, veja por si só.

Fiquem em pé e tirei a capa que vestia revelando uma blusa regata preta e as asas encolhidas. Ele levantou imediatamente querendo vê-las de perto e sua cara de satisfação me parecia engraçada, era a primeira vez que isso me acontecia. Eu então comecei a abri-las e por um segundo ele pareceu assustado dando um passo para trás. As penas negras e grossas estavam agora totalmente à mostra para um terráqueo. Com um enorme sorriso ele foi se aproximando e mesmo que ele parecesse totalmente fascinado, feliz e completamente inofensivo, eu tive medo e mantive a guarda alta caso ele tentasse alguma coisa.

—Isso é tão incrível. - Ele encostou a mão em uma de minhas asas causando um arrepio. - Seria incrível que eu tivesse a habilidade de copiar isso.

—Seria. - Eu observo ele analisar minha asa direita se aproximando de mim cada vez mais. Não consegui saber se eu estava com medo de ele me atacar ou se estava estranhando essa proximidade do sexo masculino.

—Não sei porque você não gosta das suas asas, elas são lindas.

Ele me encara por alguns segundos e eu incomodada decido fechar minhas asas e colocar de volta o longo casaco que às cobre. Ele ainda estava me observando como se pensasse em algo ou quisesse falar alguma coisa, mas no fim acabou sentando-se novamente.

—Deveríamos dormir. - Ele falou. - Durma, daqui meia hora te chamo e aí eu durmo por mais meia hora.

—Durma primeiro. - Eu ainda não confiava nele.

—Okay.  - Rudá pareceu ligeiramente ofendido, mas apenas deitou e dormiu.

Para passar o tempo eu decidi contar os segundos até que meia hora se passasse, o que pareceu uma eternidade.

—Ei, acorde. - Me aproximei de Rudá cutucando-o com o pé.

—Já? - Ele abriu os olhos um pouco confuso.

A lua brilhava no céu e pela posição dela deveria ser por volta das nove horas da noite. observei ele ficar sentado e me sentei de volta onde eu estava antes.

—Vou dormir um pouco. Não deixe passar de meia hora, precisamos chegar logo se você quer viver.

Me deitei e peguei no sono em menos de dois minutos.

 

—Acorda! - Eu acordei assustada com Rudá me cutucando com um galho. - Já está na hora de irmos.

Levantei rapidamente já me alongando como havia visto ele fazer anteriormente. Rudá estava com uma sacola com algumas coisas e fechava a porta que levava ao abrigo que ele havia me mostrado longos minutos atrás.

—Conseguiu descansar? - Sua voz me soou diferente.

—Sim...

Observei ele por alguns instantes e então ele repentinamente se virou deixando a bolsa no chão e correu até atrás de uma árvore e vomitando. Fiquei imóvel me sentindo culpada pro aquilo. Tínhamos por volta de umas 14 horas para chegarmos até onde minha família estava, isso se ainda estavam lá. Eu não sabia se ele sobreviveria sequer o percurso todo. Ele deveria estar sentindo dores, e provavelmente desmaiaria no caminho. Eu apenas fingi que não sabia que isso aconteceria, ignorei tudo isso com a esperança de que chegaríamos bem até lá.

—Vamos? - Ele voltou como se nada tivesse acontecido e eu também fingi o mesmo.

—Temos mais ou menos 14h. Eu não tenho certeza absoluta do tempo de vida, mas isso foi o tempo que o ultimo sobreviveu.

—Eu sei onde podemos conseguir um automóvel.

—Que tipo de automóvel?

—Uma moto.

Abri um sorriso empolgada. Se conseguíssemos uma moto seria a primeira vez que eu veria algo além de um barco que movia as pessoas de um lugar para o outro.

—O problema é só que temos que voltar uns vinte minutos e convence-los a nos emprestar. Eles não podem te ver, na verdade.

—Tudo bem, vamos o mais depressa possível então.

—Vamos andando. - Ele falou parecendo decepcionado e eu não questionei, por certo ele não conseguia ais correr.

Caminhamos por mais de dez minutos entre as árvores em completo silencio. Para mim, tudo ali parecia igual, nada fazia diferença. era mato, mato e mato. Não que eu não ligasse para a vida dele, mas estava mais preocupada comigo se ele morresse ali.

—Te sequestrei porque queria mostrar ao governador que era capaz de fazer algo sozinho. - Rudá interrompeu o silencio.

—Queria mostrar que sabe sequestrar uma garota sozinho? - Ele não riu da minha brincadeira.

—Me mandam vigiar esse ponto porque é o mais tranquilo, o que nunca acontece nada, porque não confiam em mim.

—Porque não confiam em mim.

—Porque eu sempre faço alguma cagada.

Eu fiquei em silêncio. Não fazia ideia de como era ter aquela sensação,a final eu sempre fui responsável e era a primeira escolha quando se tratava de algo difícil. Não era a toa que agora eu era a segunda em comando.

—Bom, agora você pode ser conhecido como o cara que pegou uma celeste marinha e fez um acordo de paz. Sério, podemos fazer um. Tenho influencia o suficiente para te arranjar isso.

—Mas fácil eu ficar conhecido pelo cara que apanhou para uma garota e teve que ser resgatado por ela e sua família.

—Ninguém precisa saber dessa parte. -Eu ri. - Quando você chegar lá, posso inventar que eu quem te ataquei.

—Me atacou e me levou pra três dias de viagem?

—Verdade, não faz sentido...Bom, só se preocupe em chegarmos ´lá e prometo que damos um jeito.

Ele me olhou. Era óbvio que ele não tinha porque acreditar em uma promessa feita por mim, mas simplesmente sorriu e balançou a cabeça afirmativamente.

—Fique aqui e eu volto em poucos minutos com a moto. Não faça nenhum barulho e se alguém aparecer, se esconda.

Balancei a cabeça , agarrei a bolsa de mantimentos que ele havia me dado e sentei ao pé de uma árvore observando-o ir embora. Meu coração gelou. E se ele não voltasse? Depois de alguns minutos comecei a pensar que fui muito burra, ele provavelmente havia em trazido até o seu povo e agora viriam todos juntos me atacar, eu não teria chance. Desesperada com as ideias que me passavam pela cabeça larguei no chão a bolsa e corri para a outra direção voando até o topo de uma árvore e me posicionando ali. De onde eu estava podia ver a bolsa jogada no chão com nossos mantimentos espalhados e podia ver a direção em que Rudá havia ido. Quando e se ele voltasse eu poderia ver de longe e assim saberia se ele seria ou não uma ameaça para mim. Aguardei o que pareceram horas.


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