Biossoma: A dispersão de conflitos escrita por Gabriela Merkurova


Capítulo 1
Uma cena favorável




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— É uma paisagem escrota. Você não concorda, Flor? Eu esperava algo bem diferente. É só um monte de mato, terra e sombra.
      -- Sim, um monte de mato... caso você não conheça a diferença da história evolutiva e as funções que cada espécie desempenha. Esse lugar pode ser tão complexo quanto um país inteiro. Ramires, pode me passar a bolsa com os tubos?
      -- É hora de retornar, já sabemos. Hora de colocar a coisa para funcionar. -- Resmunga Roger, o engenheiro nada-naturalista.

O homem que repousava silencioso ao lado de uma das árvores titânicas finalmente se dispõe a agir e retirar os frascos vazios e límpidos da mochila de Flor, que gentilmente os carrega de grãos, fechando-os logo em seguida. O rapaz ao seu lado, de olhos estreitos e sobrancelhas carregadas, levanta-se rapidamente ao terminar a colheita de esporos e insetos. 
      Os três se dirigem ao jipe, sem dar atenção maior ao cenário que os cerca: quilômetros de floresta densa, pulsante e viva. Cantos, coaxares e assovios de todo tipo de animal embrenhado na cobertura infinda do verde, que é lentamente engolido por um céu púrpura-escuro onde a única luz visível ainda é o brilho lânguido de Vênus.  
     O primeiro processo é o seguinte: 
  Roger monta suas cápsulas e dispõe dentro delas fertilizantes, umidade e terra onde os esporos e as sementes poderão vir a florescer no momento correto. Em seguida, Flor o repreende e especifica que cada uma das mudas e sementes exigem a "coisa" nas proporções adequadas. Afinal, recursos devem ser abundantes, mas não excessivos e tampouco dispendiosos. Ramires inspeciona a área, observa a rotina dos serventes responsáveis pelos hectares e também as condições do solo e clima da região. 
  O segundo passo é o seguinte:
  Montam as centenas de cápsulas nos disparadores e se metem na van.   Dirigem até os locais estudados e o bombardeio recomeça pela enésima vez. É um ciclo sem fim. Quanto mais os ruralistas avançam, maior é a agitação e o fervor dos ataques. Gostem eles disso ou não, Flor diz, nós somos inevitáveis. 
  O terceiro passo é o seguinte:
  Fugir dos radares, das testemunhas e dos tiros -- nas reclusas situações onde os peões descobrem os ataques e apanham-nos com as mãos no pote.   Em último lugar, esconder o laboratório da melhor forma possível e manter em sigilo a organização, embora ela cresça um pouco mais a cada dia. Nos noticiários, se antes eram invisíveis, hoje representam um enorme piolho nos negócios pecuaristas e monoculturistas da região. 
  Depois de todo o processo, cabe a cada um retirar suas máscaras e guardar suas armas para voltar à vida comum:
  Flor dispõe seu livro didático de ecologia sobre a carteira e sorri para a classe enquanto pluga seu notebook à corrente elétrica.
  Roger, após a extensa noite em pé, retorna à oficina e põe em dia o check de mais dois carros capengas, lamentando pelos proprietários descuidados e insistindo para os colegas que a noite fora regada de álcool e algumas vizinhas do quarto andar do prédio. 
  Ramires abre as portas da clínica veterinária às onze hoje, recebendo com muita afeição os pacientes que precisam de vacinas e medicamentos. Sua capacidade de falar pouco e compreender muito ajustou-lhe lindamente no país e na sua profissão, rendendo-lhe uma estadia prolífica na cidade. 

Talvez os jornais os vissem como vilões ocultos; Para as ONGs nacionais eram justiceiros cheios de virtude. Para o governo, um problema menor -- mas ainda preocupante; para os peões, eram a escória que retirava do povo o alimento e o lucro a custo da piedade.
     Dentre tantos inimigos e admiradores, era impossível prever um desfecho tão curioso e absurdo no desenrolar das semanas quanto os vivenciados pelo pequeno grupo de desbravadores. 


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