Outra vez VOCÊ escrita por Mayara


Capítulo 1
Capítulo 1




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Aqui estou eu: parada em frente a porta do meu chefe, segurando as lágrimas e a derrota que a minha vida se tornará rapidamente. Droga! Bem que o meu sexto sentido gritava para eu não me levantar esta manhã, porque daria merda, e foi isso que deu assim que eu pisei o pé pra fora da cama. Acordei atrasada, derramei café na minha blusa novinha da liquidação, já que a grana tá curta e não dá pra ficar gastando por ai com blusinhas maravilhosas que eu vejo as blogueiras usando no instagram; quase perdi o ônibus para vir trabalhar, meu cartão não passava na catraca da empresa e agora eu estou mais do que ferrada com o meu querido chefe, que quer cancelar a minha coluna na revista dele. Custa ter um pouco de sensibilidade comigo, que já estava tendo um dia de merda?

Depois da reunião catastrófica, e eu digo isso com toda a veemência do mundo, eu estava destruída, porque esse é o meu único ganha pão na vida e é o que eu sei fazer de melhor, ou melhor, a única coisa que eu sei fazer. Já tive vários empregos antes da faculdade de jornalismo e até depois dela, já que eu precisava ganhar dinheiro para as contas que não paravam de chegar.

Eu já tentei ser babá de bebês e até dos cachorros das madames, mas o que eu ganhei foi um “você não sabe cuidar de bebês, está demitida” ou então “você deixou o meu bebê solto por ai e está cheio de carrapatos, está demitida”. Eu não tenho culpa que cuido dos bebês de um jeito peculiar para as pessoas. Adoro crianças, mas cuidar delas precisa ter algum dom. Já os cachorrinhos, tadinhos, eram enfeites das madames para aparecem em revistas de celebridades em alguma ilha que as próprias revistas pagavam para fingirem que foram por conta própria. Pois é, no mundo jornalístico você descobre várias coisas.

Já tentei ser caixa de supermercado, mas eu me enrolei com os trocos, porque é muita pressão ali. A moça olhando pra mim, eu nervosa, mãos soando e eu dei o troco errado algumas vezes. Era nova, dá um desconto, vai. Depois eu virei secretária em um consultório de dentista, mas eu desmaiei uma vez que vi a ele aplicando anestesia em um paciente e fiquei com medo. Poxa, dentistas dão medo, né? Só aceitei mesmo porque até o dinheiro era bom, mas a cara do paciente foi o melhor, coitado. Achou que eu tinha morrido. O meu outro emprego foi de assistente de confeiteira. Eu sabia fazer uns bolos e tal, de caixinha, mas eram bolos. Só fui mandada embora mesmo, porque confundi o sal com o açúcar refinado. Não tinha nome nos potes. Como podem fazer isso? Qualquer pessoa pode errar, não é? E eu quase, mas foi quase mesmo, coloquei fogo tentando fazer um creme sei lá das quantas, que é gostoso, mas é difícil de fazer. Meu último emprego antes de vir pra cá foi de garçonete em uma casa de shows que mais parecia uma boate, mas enfim, foi o emprego que eu mais fiquei e não quebrei muitos copos nos seis meses que eu trabalhei lá. Só que, diferente das outras vezes, eu que pedi demissão. O safado do dono da casa de show disse que era para eu ficar até tarde porque ele estaria fazendo uma reunião, só que era só comigo a reunião que ele queria fazer, aquele safado idiota. Como eu estava precisando muito mesmo do emprego, nem discuti, mas quando ele começou com gracinha pra cima de mim, com aquelas mãos nojentas e aquela língua de cigarro, porque ele só sabia fumar, eu meti a mão na cara dele, dei um soco em seu nariz e chutei as bolas dele com toda a raiva. Falei que não iria trabalhar ali e nem peguei o acerto, porque eu não queria voltar para aquele lugar e muito menos me encontrar com aquele verme.

Como eu vim parar aqui? Uma grande amiga, desde a época da escola, trabalha no andar de baixo e soube que estavam contratando jornalistas para uma pequena coluna semanal. Corri pra cá e mandei meu currículo por e-mail e pessoalmente. Fiz todas as entrevistas e acabei conseguindo o emprego porque fui muito bem a todos os testes que fizeram, porém, hoje eu vejo que eu consegui o emprego mesmo porque ninguém iria conseguir trabalhar com o meu chefe, que era legal quando não estava estressado e também porque a coluna nem era grande coisa assim. Escondida na revista, quase ninguém lia e poucos patrocinadores. Eu estava ferrada, porque iriam me tirar da coluna semanal das revistas impressas e do site, não sabiam o que fazer comigo e iriam colocar outra pessoa para assumir a coluna que é minha, que eu batalho para pesquisar, escrever e revisar. Sei que há muita gente boa por ai, mas eu tinha que acreditar que eu também era boa o suficiente para manter uma coluna sobre comportamento e relacionamentos, mesmo que eu não saiba me comportar direito e nem tenha vivido grandes relacionamentos na vida.

Três era o máximo de namoros que eu tive, e nem foram tão duradouros assim. O primeiro foi o amor da minha adolescência: Heitor. Bonito, fazia esportes na época do colégio e todo simpático para o meu lado. Ele não era esnobe como os garotos na fase a puberdade. Namoramos por um ano, até terminarmos o ensino médio, mas ele teve que se mudar para fazer a faculdade que ele sempre sonhou e eu fiquei na minha cidade, morando com os meus pais. Os outros dois foram os trates que acabaram comigo, com a minha autoestima e vontade de namorar. Eu ainda acreditava no amor? Às vezes sim, outras não, mas eu acreditava em papai Noel quando era criança, então não faz mal acreditar que há uma pessoa especial para cada ser humano nesse planeta.  Depois disso eu tive encontrinhos esporádicos, mas nada de tão especial que me fazia arder na paixão e não parar de pensar na pessoa. O máximo de romance que eu tirava para escrever a minha coluna era dos filmes de romances estilos sessão da tarde misturado com cinquenta tons de cinza. Eu pesquisava muito sobre esse tema também, mas parece que não estava agradando a alta cúpula da revista, muito menos o meu chefe.

— O que você irá fazer agora, Lore? Eu soube que vão cancelar a sua coluna, ou melhor, vão repaginar. – soltei um suspiro ao ouvir a primeira perguntinha sobre o meu emprego.

— Eu ainda não sei, mas eu vou descobrir. – olhei novamente pra porta do meu chefe, que tinha uma placa do nome dele com letras grafais lindas e douradas.

— Você sabe que ele não volta atrás, né? Semana passada mandou embora o Pierre bonitão, aquele que cuidava da coluna de receitas e não quis saber de conversa.

Que ótimo! Porque ela foi me lembrar do Pierre? Ah, aquele bonitão faz falta aqui. Sempre trazia comidas pra gente quando fazia receitas e sobrava, até que um dia só estava eu na redação e acabaram rolando uns beijos aqui, outros ali, mas nada de mais. Não passou disso durante algumas semanas. Ele era bom com a língua e cozinhava muito bem.

— Mas eu não sou o Pierre. Talvez ele mude de ideia. – assim eu espero.

— Boa sorte então, o que eu acho meio impossível. Eu preciso voltar ao trabalho, já que não quero perder o meu.

Olhei para a garota linda e toda pernuda que trabalhava ali. Era a falsa simpática, que era a sua amiga quando você estava bem, porém, era só você estar na merda, que ela era a primeira a vir rir da sua cara.

Bati três vezes na porta dele, e escutei-o berrando ao celular, mesmo estando do outro lado da porta. Era o meu dia de sorte, só que não. Já estava imaginando a cara dele de desespero a me ver ali.

— Não! Óbvio que eu não quero! Essa reportagem está uma bosta, já que você não entende de outro jeito. – ele olhou pra mim, acenando para eu entrar. — O que? Horrível! Tivemos péssimas tiragens mês passado e quase nenhum acesso no site. Eu não estou nem ai se ela é filha de fulano, que foi casado com ciclano. Ela é uma subcelebridade, só isso. Não! Não! Dá um jeito. – desligou o celular, massageando as têmporas.

— Péssimo dia? – falei com aquela típica voz de deboche que ele conhecia.

— Não imagina o quanto, e se continuar com essa sua voz de deboche...

— Vai me mandar embora? Já não basta querer tirar a minha coluna.

E foi falar sobre esse assunto que ele, finalmente, olhou pra mim. Caio Ferraz, meu chefe bonitão, rico, solteiro pra gente, mas que deve pegar todas, CEO de uma das maiores revistas impressas e onlines do país e dono de um conglomerado de outras empresas. Confesso que eu tinha uma enorme queda por ele, mas depois eu foquei tanto no meu trabalho, que acabou que essa queda por ele foi passando. Seria muito clichê se eu me apaixonasse logo de cara e tivesse noites quentes de sexo com o meu chefe bonitão, ou melhor, que ele se apaixonasse por mim perdidamente. A vida real era muito mais complicada para se achar um homem que pelo menos nos respeite. Eu tentei, mas quase todos foram uns imbecis.

— Você sabe que eu não fiz isso porque eu quero, né? – desabotoou os botões do seu terno azul escuro. — Precisamos renovar algumas coisas por aqui, Lorena.

— Mas tirar a minha coluna? Caio, eu adoro escrever e você sabe o quanto eu me dedico aqui na revista. Você sabe o quanto é importante pra mim. – eu precisava que ele entendesse que isso estava me ferindo. — Porque então você fez isso? Se eu não tiver mais a coluna para escrever semanalmente, eu vou fazer o que?

Ele queria tirar o que eu sabia fazer. O Caio não iria tirar o pessoal dos esportes, da moda, da economia, seja lá de onde for, só para me colocar no lugar, sendo que eu não entendo de nada disso.

— Tem uma vaga na coluna de fofoca. Quem sabe você não consegue supri-la.

Não tenho nada contra quem trabalha na área da fofoca, muito pelo contrário. Eu fico sabendo de todos os babados do mundo dos famosos primeiro, porque eles sempre conversam comigo, mas aquilo não é pra mim. Eu não tenho contatos, não sou amiga de blogueiras, ou qualquer vínculo com as pessoas que repassam as fofocas. Eu não iria me sentir confortável em cobrir fuga de famosos, separações, traições, brigas, seja lá o que eles fizerem da vida deles. Eu ligaria o foda-se e tchau. Não daria muito certo.

— Caio, você sabe que não daria certo. Eu não sei falar sobre celebridades. Eu gosto de falar sobre comportamento e relacionamentos. É a minha área aqui.

Não vamos entrar no assunto que era o meu único ganha pão, porque o meu blog não estava dando muito certo. As contas iriam chegar e eu não tinha grana para pagar o aluguel e eu teria que voltar para o interior, morar com os meus pais e viver por lá até eu morrer.

— É uma coluna pequena, Lorena. Você mesma sabe que tem apenas um patrocinador, e ainda é um sex shop que está mandando mais produtos pra você do que pagando em dinheiro para cobrir os custos. Eu ainda acho que o dono de lá gosta de você, por isso ainda não desistiu de você.

Pra quem está se perguntando o que eu faço com todos os produtos que eu ganho, e olha que foram muitos, eu dou para o pessoal aqui da empresa, que adora, uns eu guardo, porque não sou boba e outros a minha amiga acaba pegando pra ela usar com os casinhos sexuais dela. E, não, o cara não gosta de mim. Isso é ideia do Caio que acha que a minha coluna na revista é ruim.

— Não importa quem me patrocina, Caio, eu só não quero que acabe ou troque de colunista. – porque a minha dignidade e alegria estavam acabadas. — Apesar de tudo, você sempre foi um chefe compreensível, pelo menos quando não estava querendo me matar.

— Lorena, você escreve sobre relacionamentos, mas você não tem um há séculos.

— Que mentira, Caio! – que verdade, Caio idiota.

— Eu sei que você não sai com ninguém, porque eu vejo as suas postagens no instagram, principalmente nos stories, onde você posta fotos ou boomerang da televisão, e ainda assistindo filmes de romance. E se não está em casa, está aqui até mais tarde, apesar de que, depois que o Pierre foi mandado embora, você nunca mais ficou até tão tarde assim. – porque eu ainda sigo o meu chefe nas redes sociais mesmo?

Posso chutar o saco dele e rir até acabar com o meu fôlego? Seria mandada embora por justa causa? Porque essa era a minha vontade agora. Ele não sabia do Pierre, mas homem quando quer ser esperto, ele consegue.

— Não interessa sobre a minha vida pessoal, e muito menos a sexual. – bufei, olhando nervosa pra ele. — Não precisamos usar drogas para saber que fazem mal, então eu não preciso de um pinto para me satisfazer, ou de um homem para me fazer feliz.

— Mas precisa ter experiência para escrever sobre assuntos que as pessoas irão ler e fazerem. Os leitores seguem o que os colunistas escrevem, porque acham que são especialistas nos assuntos. O cara do futebol precisa entender sobre os jogos das rodadas, as mulheres das maquiagens precisam saber como se maquiar para qualquer situação, e você precisa viver ou aprender sobre relacionamentos e comportamentos para poder ensinar as pessoas a superarem um fim de relacionamento, ou lidar com o comportamento feminino. A última vez que você escreveu sobre relacionamento, você deu dicas para as mulheres, e eu tive muitas reclamações dos maridos.

— Bem feito pra eles. Já chega de macho escroto nesse mundo.

— Eu entendo e concordo com você. Eles são escrotos? São! Só que isso nos atrapalha também.

— Caio, se eles são escrotos, o problema é deles, só não venha tirar o que eu escrevo e o que é o meu ganha pão também. Eu não quero mais um trabalho fracassado na minha lista que já é enorme. Não quero estragar a única coisa boa que me aconteceu aqui desde que eu me mudei do interior. Eu amo essa revista e não digo isso só por você ser o dono e estar aqui, me olhando como se eu estivesse falando sem parar. Eu só preciso de um tempo.

— Isso é o que não temos.

— Por favor, Caio. Só me dê um mês.

— Não dá. É muita coisa, e eu preciso cuidar das outras colunas para irem semanalmente e isso vai me atrapalhar. Eu sinto muito.

— Quinze dias. – falei sem pensar, porque era pouco tempo para o que eu estava planejando. — É o tempo da próxima edição da revista sair para a circulação. A próxima edição eu vou escrever algo que mudará tudo.

— Para isso você precisa vivenciar muitas coisas, Lorena, e em quinze dias é impossível.

— Não para mim. Acredite, Caio, eu vou conseguir. Em quinze dias eu consigo o sucesso da coluna de volta e patrocinadores.

Ele não estava acreditando em mim, e eu confesso que nem eu estava muito confiante, apesar de saber que eu faria de tudo para conseguir, pelo menos, mais um patrocinador. Eu precisava do emprego e eu amava o que fazia, já que eu sempre quis ser jornalista e escrever algo que mudasse a vida das pessoas de alguma forma. Se eu não consegui isso com os meus outros empregos, eu teria que conseguir como jornalista. Estudei muito para desistir agora, fora que a minha mãe sempre me ensinou a nunca desistir dos nossos propósitos na vida. Estar aqui e ter passado por tudo que eu passei, principalmente a separação com o Heitor ainda quando eu era adolescente, foi um aprendizado e um caminho que eu tinha que percorrer para conquistar meus sonhos.

— Eu não acredito que eu vou dizer isso, mas eu darei a você esses 15 dias. Não darei mais nenhum dia, porque você sabe como funciona uma revista e tempo é o que eu menos tenho.

— Claro! Você não irá se arrepender, Caio. Você verá que eu vou trabalhar todos os dias, até mais tarde se quiser, até conseguir o que eu te prometi.

— Você sabe que eu não fico até tarde por aqui. – ajeitou alguns em sua mesa, sem olhar pra mim. — Só fiquei uma vez e não foi muito agradável, mas enfim, espero que cumpra com o que me prometeu mesmo, senão eu darei a sua coluna semanal para alguém, ou ela não existirá mais.

— Não! – disse apressadamente. — Eu darei super conta de tudo! No final de tudo, você vai me agradecer por me ter em sua vida.

— Acho meio difícil. – digitou algo em seu celular. — Você já pode começar agora, não é mesmo? Eu tenho uma reunião super importante agora e a pessoa já está chegando, Lorena.

Essa foi o jeito de ele dizer para eu sair da sala dele. E eu, para não ter que fazê-lo pensar muito na minha demissão ou transferência para a redação da fofoca, não pensei duas vezes.

— Obrigada pela oportunidade, Caio. Eu juro mesmo que vou dar o melhor de mim, para... Opa! – assim que eu fui abrir a porta, tropecei em algum pé que também abriu a porta ao mesmo tempo em que eu, e eu só não cai no chão, porque essa pessoa me segurou. — Mil desculpas. Eu juro que eu não...

— Lorena? – olhei pra cima e vi aquele homem que roubou o meu coração na adolescência.

— Heitor?!

Ele estava mais lindo do que eu poderia imaginar. O rosto e o corpo mudaram muito, e para o melhor. A barba que eu acho lindo nos homens em livros, ele tinha. O cabelo lindo que eu vejo nos homens nos filmes, ele tinha. O Heitor só melhorou com o tempo. Alto, forte e com aquela voz que já me deixou louca e não é clichê. Todas as vezes que o Caio falava comigo eu já pirava, porque ele tem uma voz que poderia muito bem colocar como toque de celular, mas agora o Heitor não ficava atrás. Agora eu não sabia o que fazer. Faz tanto tempo que eu não o via, que estava sem reação, e quando eu fico com medo muito grande de algo, eu faço o que eu sempre fiz quando me sentia me sentir acuada: eu fugia.


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