As pessoas julgaram-na por anos.

Seu jeito.
Suas roupas.
Sua educação.
Mas nunca perguntaram o porquê de ela ser assim.
Criticavam seus modos.
Criticavam seus hábitos.
Criticavam seu silêncio.
Mas nunca se importaram em tentar conversar sobre isso com ela.
Comentavam sobre sua falta de alegria.
Comentavam sobre sua rigidez ao alguém se aproximar.
Comentavam sobre como ela afastava as pessoas.
Mas nunca tentaram se aproximar e questionar o porquê de ela ser assim.
Risadas debochadas, papéis rolando pela sala sendo direcionados na direção dela.
O toque dele no seu corpo, o jeito que ele lhe olhava e lhe apertava possessivamente.
As mãos dele tentando passar por seu corpo.
O medo transbordando nesses momentos, ela foi corajosa em correr, foi corajosa em se afastar, foi corajosa em o empurrar.
Ela foi estoica o suficiente para manter isso em segredo, foi forte o suficiente para aguentar as lembranças lhe pertubando noite e dia, mas tudo isso tinha um preço.
O silêncio.
Em silêncio ela aprendeu a ser estoica, em silêncio ela aprendeu a ser forte, em silêncio ela aprendeu a ser desconfiada, em silêncio ela aprendeu a ser astuciosa, em silêncio ela aprendeu a ser corajosa para tudo que viria pela frente.
Mas tudo sempre tem um preço.
Para aguentar a dor, ela se machucou, ela se machucou lembrando dia e noite de tudo que aconteceu e repetindo sempre para si mesma para aguentar aquilo, ela se machucou socando a parede para ver se a dor finalmente passaria, ela se machucou magoando as pessoas ao seu redor para afastá-las de si, ela se machucou trazendo a lâmina amolada para perto de sua pele e passando por lá diversas vezes.
Ela aprendeu de um jeito horrível a ser corajosa, pois sabia que pedir ajuda não adiantaria, ninguém acreditaria nela.
Do que adiantava ser corajosa se ela não conseguia se aproximar.
Do que adiantava ser corajosa, se ela não suportava ser tocada.
Do que adiantava ser corajosa, se a solidão se tornou sua única confidente.
Do que adiantava ser corajosa, se ela não conseguia falar.
Ela sabia que um dia teria que dizer, teria que tirar aquele peso das costas, teria que dividir sua dor com alguém, teria que admitir que sentia nojo de si mesma ao se olhar no espelho e lembrar das mãos dele no seu corpo, teria que admitir que se culpava por tudo de ruim que caia sobre sua família e tudo que aconteceu consigo, teria de admitir que só de falar as risadas, os toques, os medos voltavam, tornando ela uma covarde de novo.
Por muito tempo ela acreditou que o escuro e o silêncio estariam sempre dentro dela, que ela se acostumaria um dia com eles... Mas eles precisavam sair.
Ela tentou ser corajosa naquele momento, mesmo que por alguns segundos.

E olhando nos olhos daquela mulher que tentou tanto lhe proteger, ela finalmente despejou tudo que estava preso.